A gesta do João Ninguém
Na madrugada de 9 de Abril de 1918, iniciava-se a última grande tentativa alemã destinada a romper a Frente Ocidental e decidir a terrível guerra que se arrastava há quatro anos. Para a ofensiva da primavera, que recebera o nome de código Georgette, o Alto Comando alemão preparara um minucioso plano que visava aplicar o grosso das suas tropas de elite num pequeno sector da frente onde se estimava que as defesas ali existentes ofereceriam menor resistência à pretendida operação de ruptura. Para tal missão foi incumbido o Sexto Exército Alemão, forte de onze divisões, sob o comando do experimentado general Ferdinand von Quast (1850-1939).
Enfraquecidos por meses de luta na lama das trincheiras, com falta de meios humanos, munições e armas pesadas, o Corpo Expedicionário Português (CEP) pouco poderia contrariar a manobra alemã. Muito se tem dito a respeito da fragilidade das forças portuguesas, acusando-se amiúde o governo de Lisboa pelo suposto abandono a que votara as tropas. Contudo, os elementos hoje disponíveis oferecem um motivo diverso para explicar tal penúria. O Estado Maior Aliado desviara desde Março os comboios marítimos até aí destinados a municiar o CEP, colocando-os à disposição do exército norte-americano que então se preparava para participar no cenário europeu da guerra.
Às duas e meia da manhã daquela fatídica terça-feira de nove de Abril, quinhentas peças de artilharia alemãs iniciaram um bombardeamento cerrado sobre a linha da frente ocupada por duas divisões de infantaria portuguesa. A preparação durou cinco horas ininterruptas, tendo caído sobre as nossas posições cerca de 30.000 projécteis. O dilúvio de fogo foi sucedido por cerradas nuvens de gases tóxicos e, logo, por densas máscaras de fumos que permitiram à massa da infantaria alemã avançar com segurança sobre as trincheiras portuguesas. Combalidas, as forças portuguesas ofereceram a resistência possível, mas deram luta, atrasando por horas o plano alemão. Nesse longo dia, realizaram-se feitos de grande bravura. Então, o Zé Povinho que se fizera João Ninguém das trincheiras, deu mostras de tenacidade e heroísmo que salvou a honra da bandeira portuguesa e surpreendeu um inimigo altivo e militarmente superior em meios. Pelo final do dia, quando finalmente os portugueses recuaram, haviam perdido 327 oficiais e 7000 infantes, mortos, feridos ou desaparecidos.
Mas a sangreira ainda não terminara. No dia seguinte, o Quarto Exército do general Von Armin atacou o saliente de Ypres. Na planície de Lys, os 13º e 15º regimentos de infantaria portugueses agarraram-se a La Couture, defendendo ferozmente a aldeia ao lado dos escoceses. Apesar dessa vigorosa resistência, os alemães chegaram ao Lys no dia seguinte, atravessaram-no em grande parte e avançaram em direcção às colinas da Flandres.
Passam na segunda feira cem anos sobre a chamada batalha de La Lys. No cemitério militar de Richebourg repousam 1831 corpos de portugueses caídos no campo de honra. O cemitério, um verdadeiro altar da pátria, será visitado e homenageado pelo presidente francês que ali, solenemente, em nome do povo francês, agradecerá a Portugal a oferta em sangue dos seus jovens caídos na defesa da terra francesa. Honra, pois, aos nossos heróis.
MCB
Fonte: Nova Portugalidade
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