sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

DATA ESPECIAL DA NAÇÃO PORTUGUESA: 8 DE DEZEMBRO

“Salve, Nobre Padroeira,
Do povo teu protegido,
Entre todos escolhido,
Para povo do Senhor.
Ó glória da nossa Terra,
Que tens salvado mil vezes!
Enquanto houver Portugueses,
Tu serás o seu amor!”

Padre Francisco Malhão

            Há datas que marcam a História dos povos.
            É o caso do 8 de Dezembro de 1646.
            Dia que, ao abrigo do artigo 3º da Concordata entre Portugal e a Santa Sé, de 2004, é uma festa de guarda e feriado nacional de âmbito religioso, que coincidiu até há pouco tempo (e devia ter continuado) como “Dia da Mãe”.
            Mas é muito mais do que isso.
            O Culto Mariano corre paredes-meias com a História de Portugal desde o seu início. Maria, Mãe de Jesus, sempre teve um lugar especial no coração dos portugueses e não tem paralelo com outros povos. Por isso, tem toda a propriedade chamar ao país da extrema ocidental da Europa, a Terra de Santa Maria. E não é por acaso que a maioria das mulheres portuguesas tem o termo “Maria” no seu nome. O que, infelizmente tem vindo a ser maculado por modismos espúrios de Cátias, Tatianas e Vanesas…
            Mas, também, qual a matriz cultural portuguesa que não tem vindo a ser maculada nas últimas quatro décadas?
            A festa da Imaculada Conceição foi inscrita no calendário litúrgico pelo Papa Sisto V, em 28 de Fevereiro de 1477.
            A Imaculada Conceição (concepção) da “Virgem” Maria foi solenemente definida como dogma pelo Papa Pio IX, através da Bula “Ineffabilis Deus”, em 8 de Dezembro de 1854.
            A Igreja considera que o Dogma é apoiado pela Bíblia, bem como pelos escritos de Padres da Igreja, como Irineu de Lyon e Ambrósio de Milão. [1]
            Em Portugal a devoção a Nossa Senhora da Conceição é muito antiga, sabendo-se que se rezou uma missa pontifical de acção de graças em honra da Imaculada Conceição, após a conquista de Lisboa aos mouros, em 1147.
            E, segundo a tradição secular, após a Batalha de Aljubarrota, o Condestável D. Nuno Álvares Pereira (São Nuno de Santa Maria), mandou construir a Igreja de Nossa Senhora do Castelo, em Vila Viçosa, consagrando o novo Templo a Nossa Senhora da Conceição, o primeiro construído em toda a Península Ibérica com este fim. Encomendou ainda, em Inglaterra, uma imagem em pedra da dita Senhora, para ser Venerada nessa igreja e onde ainda permanece. [2]
            O culto foi tomando raízes, com a fundação de muitas Irmandades, a mais antiga das quais é a da actual freguesia dos Anjos, em Lisboa, criada em 1589.
            Mas o facto verdadeiramente notável (creio que único no mundo), que veio a ocorrer, foi a decisão do Rei, Senhor D. João IV, após ter apresentado (e sido aprovado) nas Cortes Gerais de 1645/1646 ter, por provisão régia de 25 de Março deste último ano, proclamado solenemente que Nossa Senhora da Conceição seria a Rainha e Padroeira de Portugal e de todos os seus territórios ultramarinos.
            É mister recordar tal proclamação, que devia ser tida como estruturante da Nação Portuguesa e um dos nossos “segredos” de família: “… assentamos de tomar por padroeira de Nossos Reinos e Senhorios, a Santíssima Virgem, Nossa Senhora da Conceição, na forma dos Breves do Santo Padre Urbano 8º, obrigando-me a aceitar a confirmação da Santa Sé Apostólica e lhe ofereço em meu nome e do príncipe D. Theodósio, e de todos os meus descendentes, sucessores, reinos, senhorios e vassalos e Sua Santa Caza da Conceição esta em Vila Viçosa…”.
            Nesse mesmo dia 25 de Março de 1646, foi realizada uma sessão solene de juramento na Capela Real dos Paços da Ribeira, onde participaram o Rei, o Príncipe herdeiro, os grandes da Nobreza, os representantes do povo e os cinco bispos presentes.
            A Confirmação Papal levou, todavia, 25 anos a concretizar-se, devido a intrigas dos Reis Espanhóis, só vindo a acontecer em 1671, através de breve de Clemente X. Ou seja três anos após ter sido firmado o Tratado de Lisboa, de 1668, que punha termo a 28 longos anos de lutas e sacrifícios de todo o tipo, pela consolidação da nova Dinastia (herdeira ainda, de Nuno Álvares Pereira) e pelo fim da Coroa Dual Filipina, que restituía a Portugal, a sua total soberania debaixo de um Rei natural.
            As razões que levaram a esta atitude do monarca português não estão, ainda hoje, completamente dilucidadas e percebidas.
            A partir de então os reis portugueses nunca mais usaram Coroa e Ceptro permanecendo estes ao seu lado direito, em cima de uma almofada, em ocasiões solenes.
            Deste modo a Imaculada Conceição de Maria, vingou em Portugal muito antes de a Igreja a assumir como dogma de Fé.
            O Rei D. João V, em 1717, enviou uma circular à Universidade de Coimbra e a todos os prelados e colégios do Reino, recomendando-lhes a celebração anual da festa da Imaculada Conceição, nas suas Igrejas, em memória do juramento de D. João IV.
            Em 6 de Fevereiro de 1818 – dia da sua Aclamação, no Rio de Janeiro – o Rei D. João VI, instituiu a Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, em preito do país, por ter sobrevivido, como reino Independente, às guerras napoleónicas.
            O Rei era o grão-mestre desta nova ordem dinástica.
            A República extinguiu a Ordem, como Ordem Militar, mas D. Manuel II e seus descendentes vêm continuando a usar as insígnias da mesma, a qual continua em vigor, estando os seus membros sempre presentes na grande peregrinação anual que se realiza no dia 8 de Dezembro, ao Santuário de Vila Viçosa, também conhecido por “Solar da Padroeira”.
            Não foi este ano excepção, onde pude observar que a tradição está viva e recomenda-se.
            Muito povo nas ruas, nas janelas – onde em muitas ainda se observa o bonito costume de colocar as melhores colchas das famílias, nos varandins – e incorporados na procissão, que sai do Castelo, percorre várias artérias e o centro da vila e regressa à sua casa na igreja daquela vetusta fortaleza.
            Atitude respeitosa de todos.
            Quando a procissão passa pela grande praça que se abre para o Palácio dos Duques de Bragança, junta-se a ela uma coluna enorme de cavaleiros e charretes, com os seus trajes típicos portugueses, com os representantes da Cavalaria Portuguesa (neste caso do Regimento de Cavalaria 3 de Estremoz) que são oriundos de Olivença, terra cativa …
            Contei cerca de 200 cavaleiros e charretes.
            Enquadramento religioso a preceito, não se vislumbrando, porém, qualquer bispo, provavelmente por o Arcebispo de Évora (a que pertence Vila Viçosa) ter estado na missa celebrada nessa manhã.
            Eis a Peregrinação do 8 de Dezembro.
            Valor histórico a preservar, tradição a manter, cerimónia a valorizar, enquadramento cívico e significado político-religioso a difundir, explicar e interiorizar.
            A chave de tudo está na quadra do poeta Padre Malhão: “enquanto houver portugueses”…




 João José Brandão Ferreira
    Oficial Piloto Aviador


[1] O Papa expressou-se nos seguintes termos: “Em honra da Santa e Indivisa Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica, e para incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo, e com a nossa declaramos, pronunciamos e definimos a doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus omnipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano, foi preservada imune de toda a mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus e, portanto, deve ser sólida e constantemente crida por todos os fiéis”.
[2] Devido a queixas relativamente ao seu peso e concomitante dificuldade em transportar a estátua, em andor, durante as procissões, o herdeiro da coroa, D. Duarte Pio de Bragança, mandou, recentemente fazer uma nova estátua idêntica mas de madeira, que é aquela que percorre agora, as ruas da Vila.


Fonte: O Adamastor

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