Em 1963, ocupava o posto de embaixador de Portugal na Etiópia Martim Machado de Faria e Maia, pai do embaixador António Félix Faria e Maia que tive a honra de conhecer durante a minha residência na Tailândia. Era conhecida a grande estima que o Leão de Judá tinha por Portugal, velho aliado da Etiópia desde o século XVI. Estivera em Lisboa em 1959 e agradecera tardiamente o apoio que o nosso país dera na SDN ao antigo reino africano em 1935, por ocasião da agressão italiana.
O Rei dos Reis pediu ao nosso embaixador que comparecesse no palácio imperial para com ele tratar de matéria importante. Faria e Maia já sabia ao que ia mas, ao chegar, espantou-se pela afabilidade com que foi recebido pelo Poder da Trindade (Hailé Selassié). O imperador levantou-se e dirigiu-se ao nosso diplomata, pedindo-lhe que se sentasse. Depois, desenvolveu um interminável circunlóquio sobre as recordações da sua visita a Lisboa, as velhas guerras do século XVI, o cristianismo que unia os dois povos, as diferenças entre Portugal e as restantes potências ocidentais.
"Pois bem, senhor embaixador, em memória de tudo o que nos une e como testemunho da nossa profunda admiração e reconhecimento por Portugal, gostaria de o informar que tenciono inaugurar um estátua em honra de Cristóvão da Gama". De súbito, perdeu o controlo, a voz embargou-se-lhe, desviou o olhar e informou o nosso embaixador que aquele seria, talvez, o último encontro, pois o seu país, agora sede da Organização da Unidade Africana, fora pressionado a cortar relações diplomáticas com Portugal. Depois, visivelmente comovido, o imperador pediu ao diplomata que transmitisse ao Chefe de Estado português e ao Presidente do Conselho os mais sinceros votos, insistindo depois em acompanhar o nosso embaixador até à porta. Pergunto-me se hoje algum estadista teria tais cuidados por nós, portugueses.
MCB
Fonte: Nova Portugalidade
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