Levantou-se há dias uma polémica a respeito da visita a Portugal do presidente da República Popular da China a Portugal. Desconhecendo a antiguidade e profundidade das relações luso-chinesas, lembramos que as mesmas datam de 1517, quando a Pequim foi expedida a primeira embaixada do Rei Dom Manuel I de Portugal. Ao longo dos séculos, a troca de embaixadas manteve-se inalterada, demonstração única de boas relações entre o Ta-Ssi-Yang-Kuo (O Reino do Grande Oceano Ocidental, ou seja, Portugal) e o Império do Meio (China). Aqui fica, pois, para ilustração dos nossos queridos leitores, a evocação da grande embaixada que Dom João V enviou à China em 1727, talvez a mais grandiosa até então recebida em Pequim pelo Filho do Céu (Imperador da China).
A embaixada despachada pelo Rei do Grande Oeste – designação por que era conhecido o Rei de Portugal nos documentos exarados pela Corte Imperial – não era a primeira enviada pelos reis de Portugal à Cidade Proibida. Atendendo aos recursos de que Portugal dispunha, era, porém, imponente nos meios, segura no estilo e ambiciosa nos objectivos: um exemplo da grandiosidade joanina, cultora do fausto na afirmação do prestígio externo. Ao zarpar de Lisboa, seguiam na fragata Nossa Senhora da Oliveira o embaixador e a comitiva – secretário da missão, gentis-homens, homens de armas, músicos, peruqueiro, cozinheiro e criados de mesa –, no bojo da nave, presentes no valor de 150 000 cruza- dos – cofres de veludo bordado a prata e ouro, brocados de Lyon, mesas de mármore e mosaico, caixas de joias e outras de tabaco – e nos porões cabras leiteiras, capoeiras, rações e víveres. No rol das despesas previstas estava também a soldada para os marinheiros, as esmolas reais para Macau e casas de religiosos em Cantão e Pequim, assim como os gastos para recompensar mandarins, lacaios e guardas, pagar a carpinteiros, alfaiates, barbeiros, gente de música e teatro, remadores, carregadores e ferreiros.
A missão rumou ao Brasil, fazendo escala no Rio de Janeiro, dirigiu-se depois a Batávia – fulcro da atividade da VOC (Companhia Holandesa das Índias Orientais) na Insulíndia – chegando a Macau em junho de 1726. Ali permaneceu, apesar dos insistentes pedidos das autoridades chinesas para que se dirigisse a Pequim. A razão desta prolongada estadia ficou a dever-se a aturadas negociações com as autoridades chinesas de Cantão sobre o estatuto a conferir à embaixada. As embaixadas recebidas no Império Celeste eram sujeitas a rígido escrutínio do Tribunal dos Ritos que costumeiramente as classificava como tributárias. Metelo de Sousa conseguiu que a sua Missão fosse considerada congratulatória e não tributária, decisão notada pelo chefe da polícia do distrito de Xiangshan: «fui agora informado que circula o rumor que vem apresentar tributo. Mas o Reino de Portugal não tem o costume de apresentar tributo».
Finalmente, seguiu a embaixada para Cantão, dali partindo para Pequim, onde chegou, em maio de 1727, em luzidio cortejo de trezentas pessoas. «Ia adiante a barca capitânia levando sempre, ancorado, o estandarte [verde] e armas del-Rei Nosso Senhor e desta maneira atravessaram todo este grande Império até chegar a Pequim. Levava mais uma bandeira amarela ao uso da China [a qual dizia] este é o embaixador del-Rei de Portugal que vem dar os parabéns ao imperador da China. Consentir esta nação que não pusesse nesta bandeira a palavra Cim Cum, que quer dizer tributo, foi a maior vitória que da sua soberba podia alcançar [...]»7. Entregues as credenciais ao Imperador, que em Metelo de Sousa viu «homem agradável, político e cortês, muito diferente dos mais que cá têm vindo», que seria clara alusão aos holandeses, iniciou-se a ronda de encontros entre as partes.
Outra faceta da actividade de Alexandre Metelo de Sousa e Menezes, durante os dois meses que durou a sua enviatura, foi a recolha de informações sobre a China, que obteve quer através de encontros pessoais, quer por via epistolar com os religiosos portugueses que se encontravam no Império.
Na audiência de despedida que o imperador concedeu à missão portuguesa, o embaixador solicitou ao Imperador Yongzheng que favorecesse os moradores de Macau. Desta diligência resultou uma maior solicitude dos mandarins de Cantão em relação a Macau, que Metelo de Sousa registou antes mesmo de regressar à Europa. Um especial favor imperial traduziu-se no envio de carta do imperador a D. João V, «coisa muito nov[a] para os imperadores da China, porque estes não costumam usar de termos e letras tão corteses e de tanta igualdade para os outros monarcas, como as desta carta»9. Ao regressar a Portugal no término da sua jornada pelo Oriente, Metelo de Sousa e Menezes bem poderia ufanar-se de haver cumprido os objectivos ordenados pelo seu rei e de o desempenho da sua embaixada ter sido bem melhor do que o das missões britânicas – de Lord Macartney, a Gianlong, e de Lord Amherst, a Jiaqing – que, em 1793 e 1816, conseguiram chegar à Cidade Proibida. Lord Macartney afirmaria ter visto o «Rei Salomão no seu trono»; quanto a Lord Amherst, foi recebido com absoluto desdém.
MCB
Fonte: Nova Portugalidade
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