Há 100 anos, tal como hoje, era assim:
Às vezes, mesmo antevendo a catástrofe para que nos encaminhamos com aquela fúria singular de quem tem medo de não chegar a tempo, sorrimos de desdém, ouvindo a gritaria, a choramingaria, os protestos, os discursos, as ameaças, as reclamações, que surgem nos jornais, nas representações, nos parlamentos, nas salas, nas ruas, em toda a parte. Porque tudo isso, gritos, choradeiras, protestos, discursos, ameaças, reclamações, – é poeira vazia, é linguagem de papagaio, e tolice... Gritam, protestam, contra o assassinato e o roubo, contra a injúria e a calúnia, mas fazem muralha, quando alguém, audaz, se ergue contra a origem do assassinato que os aflige, do roubo que os amedronta, da injúria que os vexa e da calúnia que os irrita.
Acabo de percorrer a maior parte dos comentários que se fizeram ao acontecimento trágico de quarta-feira passada, em que um agente da ordem pública e social sucumbiu às mãos de um inimigo da mesma ordem, – acontecimento que se deu no mesmo dia em que pela terceira vez se adiou o julgamento de outro inimigo da ordem social. Palavras, palavras, palavras – e nem um conselho positivo, e nem uma solução positiva! Tocar na arca santa da instituição do júri criminal? Pedir a instituição dos processos sumários militares? Esquecer tudo, tudo e obrigar o Governo a defender a Ordem, e impor a Ordem, com a Constituição ou contra a Constituição, com o Parlamento ou contra o Parlamento, com a Lei ou contra a Lei? Credo! Seria magoar a Democracia. Seria ofender a Democracia.
Diante de uma casa a arder, não se discutem teorias: apaga-se o fogo, a bem ou a mal. A sociedade portuguesa está a arder. Acudam-lhe enquanto é tempo. Arrumem para o lado os incendiários ou os coniventes, encontrem-se eles onde se encontrarem, – no Parlamento, nos jornais, nas Secretarias, nas ruas e nas alfurjas – e salvem isto da derrocada!
Alfredo Pimenta in jornal «A Época», Nº 1749, 1 de Junho de 1924
Fonte: Veritatis
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