Agradeço o convite que me foi feito pela Associação Mulheres em Acção para vir à Universidade Católica tomar parte neste encontro sobre «Participar na Vida Pública e Partilhar a Vida Privada». Parabéns pela iniciativa.
A questão que começava por lembrar é que todos temos uma vida pública.
Sendo verdade que uns estão mais expostos do que outros, todos estamos conscientes que há sempre em cada um de nós uma realidade pública, na consciência de que só há uma maneira de viver a vida: civicamente.
A verdade humana é feita de relacionamentos, de interdependências… enfim um tecer de comunidades, ligações e responsabilidades que têm sempre um aspecto público.
Pelo simples facto de estarmos comprometidos com aquilo que fazemos – o que quer que seja que façamos -, no nosso dia-a-dia de afazeres e deveres, no trabalho e na relação com os outros… somos todos chamados a dar exemplo.
Dito isto, é igualmente importante estabelecer que todos temos também uma vida privada. Essa que é a história íntima dos nossos sonhos e lutas, do esforço quotidiano para sermos cada vez mais coerentes, das alegrias serenas da missão cumprida, das dores do mundo que sofre à nossa volta e que nos atinge pessoalmente a cada um.
Tendo todos, ao mesmo tempo uma vida pública e uma vida privada, onde se encontra o equilíbrio entre as tensões de uma e de outra?
A minha atitude na vida é que vida privada é um direito e a vida pública um dever. E que, na medida em que para nós é claro o campo de intervenção de uma e de outra, teremos encontrado o caminho desse equilíbrio.
A coisa pública é aquilo que é a obrigação de todos. O bem comum pelo qual todos somos responsáveis e para o qual todos devemos colaborar.
E neste aspecto o que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem carácter, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons. Por isso cabe a cada um definir-se perante todas as iniciativas por forma a que o bom nunca fique em silêncio.
Participar na vida pública é consequência lógica de existirmos como seres humanos. É o reflexo das nossas convicções, daquilo que são os valores constitutivos da nossa natureza e da nossa identidade.
E mais que isso, nada do que é humano nos pode deixar indiferente. A injustiça nalgum lado é uma ameaça à justiça em todo o lado.
Não nos podemos esquivar às nossas obrigações que advêm de duas fontes: as leis da natureza e a nossa identidade como Cristãos e Portugueses.
As leis da natureza clamam por respeito e boa gestão, quer ao nível da dignidade das pessoas quer dos bens em si. A Terra não é um recurso, ela é uma relíquia de família.
Quanto à nossa identidade, somos Cristãos e Portugueses. Como Cristãos temos que ser capazes, assim nos exorta São Pedro na sua Carta, «de dar a quem quer que seja as razões da esperança que há em nós». Essa esperança baseia-se na certeza do amor de Deus por cada um e na certeza da vida de felicidade eterna que está aberta para todos aqueles que procuram viver desse amor já aqui no mundo.
Como Cristãos, também sabemos que não estamos sozinhos naquilo que muitas vezes é «a canseira do caminho» como tão bem diz o Papa Bento XVI na sua encíclica ‘Salvos pela Esperança’. «O Senhor é a minha força e salvação, a quem hei-de temer?» pergunta o Salmo 26.
Como Portugueses, temos uma história de quase 900 anos, cheia de grandes feitos de que nos devemos orgulhar: uma vivência de comunidade em que criámos uma identidade singular com um conjunto de qualidades que ainda hoje são apreciadas e procuradas por todo o mundo.
E se nos desgosta legitimamente aquilo que não corre bem, ou alguém em quem não nos revemos, temos a expectativa de que a seu tempo será corrigido, sem pressas, sem angústias, com a sabedoria e a calma própria de quem já viveu muito e que a História não para aqui.
E sobretudo nesta altura temos o dever de fazer valer os nossos sucessos como incentivo a ultrapassarmos as dificuldades com que cada geração se depara. É aqui apropriada a sabedoria chinesa, também milenar, que diz que qualquer crise é feita de perigo mas sobretudo de oportunidade.
Em época de crise, quando todos choram, há sempre alguém que se lembra de fabricar lenços. E isso torna-se um rastilho para a acção. (Ou não fosse esta conferência resultado das Mulheres em Acção!)
No que diz respeito à questão da vida privada, é claro para todos que cada um tem direito à privacidade e a estabelecer os limites a partir dos quais pretende ver respeitada essa privacidade. Mas parece que se gerou alguma confusão entre um certo egoísmo que consiste em não querer saber - nem ser incomodado - mesmo em circunstâncias que exigem
generosidade, com o oposto - que é fazer estendal da própria privacidade para granjear atenções com vista a um qualquer intuito.
Só assim se percebe que haja quem se queira expor, muito para além do que é razoável, pretendendo transformar o que não interessa senão ao próprio, numa coisa que supostamente diria respeito a todos.
A vida privada só deve ser partilhada na medida em que pode ajudar os outros, encorajando pelo exemplo, dando alento, estando próximo dos que sofrem, recentrando questões… e na proporção dos benefícios a obter.
O bom senso é um elemento essencial da vida para não deixar distorcer a realidade. As coisas são o que são, e é na compostura e na cerimónia que se prova o respeito pelo próximo.
Quer a vida pública quer a privada são espelho dos valores que nos regem, e testemunho da maneira como procuramos que a nossa vida seja responsabilidade.
Vida publica e privada só se reconciliam respeitando o fórum próprio da cada uma. Não permitindo que haja confusão entre as duas.
Viver a vida e ser capaz de se comprometer na esfera pública, de se empenhar na procura da verdade, do belo e do bom, é sonhar construir um mundo melhor.
Porque o mundo pertence aqueles que acreditam na beleza dos seus sonhos.
Muito obrigada.
Fonte: Casa Real Portuguesa
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