sábado, 7 de maio de 2011

O "acordo" (Ultimatum 2): a razão de Paulo Teixeira Pinto


Há umas semanas, aqui dizíamos que esta intervenção estrangeira, significa algo de muito mais pesado e humilhante que a poeira levantada pelo Ultimatum de 1890. Há 121 anos, nada de material perdemos, pois toda a controvérsia provinha de sonhos e de velhas alegorias de uma sempre procurada grandeza. O que o Ultimatum, o que a Monarquia nos deixou, foi um património ultramarino inesperadamente vasto e rico e que ainda representa uma das razões de ser de um Portugal independente, numa Comunidade Lusófona de países independentes.

Chegaram de fora os três Regentes e em pouco mais de duas semanas, impõem a execução de um programa que paradoxalmente, não pôde deixar de recorrer ás preciosas fontes de informação e estatística que são fruto do laborioso trabalho de portugueses. Esta fonte de informações há muito existe e tem sido sempre ostensivamente ignorada. A conclusão que retiramos do dislate, é a evidência da total incapacidade e inépcia do sistema instalado, tornado refém de si próprio e sem força ou vontade para implementar as medidas necessárias à sua própria sobrevivência. Mesmo aqueles que mais situacionistas são, há muito sabem desta necessidade reformadora que atinge todo o edifício estatal e que a ser realizada com sucesso, terá imediatos reflexos na sociedade.

No verão passado, os avaros detentores das auto-outorgadas mordomias levantaram todo o tipo de obstáculos, procurando aterrorizar o país com essa inexorável chegada dos Regentes, apresentando-a como uma absurda reedição de cavaleiros do apocalipse. Todos sabíamos que viriam, mas apenas permanecia uma indefinição quanto à data. Naquele preciso momento, Paulo Teixeira Pinto abriu o necessário capítulo da revisão constitucional e então, todo o tipo de argumentos foram utilizados para liquidar o estudo. Os bem instalados sátrapas, gostam e querem a Constituição que ruma a um socialismo que nem os reivindicadores da superstição - quatro partidos parlamentares - sabem definir de forma uníssona. Por muito estranho que possa parecer, aquilo que mais se aproxima dos sonhos do sector "socialista democrático", consiste precisamente em modelos, cujos ordenamentos constitucionais não estabelecem quaisquer etéreos rumos, ou jamais mencionam a sacrossanta palavra. Pior ainda, são todos eles Monarquias cuja base de apoio popular é esmagadora e tão mais surpreendente, quando comparada com o parco respeito que a República Portuguesa colhe entre os seus súbditos.

Paulo Teixeira Pinto apresentou um rascunho de proposta para uma revisão constitucional. O PSD não teve nem a força, nem a lealdade interna - coisa rara na sede laranja - para assumir o que todos sabemos ser um imperativo urgente. Amedrontado pela engrenagem propagandística que assola o país, o PSD recuou, humilhou-se e viu passar a oportunidade. Não nos surpreenderá se a bandeira for dentro de pouco tempo reerguida pelo seu eterno rival ainda no poder, apresentando-a à população como um "exemplo de coragem e de patriotismo". Aliás, está no seu pleno direito. É assim que a política funciona em Portugal.

Não existiu qualquer "acordo", esta é a verdade com que nos regozijamos, intimamente vingados pela humilhação que não foi imposta à população, mas aos agentes políticos. Diante dos olhos de dez milhões de portugueses, três homens que chegaram de longe, passaram um atestado de incompetência aos "dirigentes portugueses", sejam eles os que estão à frente dos partidos do chamado arco governamental, ou aqueles outros que envoltos em velhos e esburacados xailes vermelhos de outro século, remetem-se à solidão nas suas cavernas de eremitas.

Paulo Teixeira Pinto tinha razão, quando generosamente pretendeu salvar alguma coisa daquilo que existe naquele amontoado de páginas que têm estampado um articulado já sem nexo. Hoje, o coordenador da revisão constitucional foi ultrapassado pelos acontecimentos e uma revisão já não serve. Num programa de debate político e perante um Carlos Abreu Amorim bastante embaraçado,
Joana Amaral Dias abespinhava-se com a possibilidade de Pedro Passos Coelho, o líder do maior partido da oposição, poder ser simpatizante da Monarquia, como se isso fosse um bom motivo para o reerguer de forcas ou rápida preparação de um auto-da-fé. Ontem, Jorge Sampaio saltou à boleia do conhecido comboio monárquico e agora insiste na necessidade de uma simplificação do mapa autárquico, um projecto que Ribeiro Telles há quarenta anos apresenta como uma inevitabilidade. Bem pode Sampaio dizer o que bem entender e atirar pazadas de carvão na fornalha, pois sabe que no actual quadro de caciquismo a que o país está entregue, a simplificação do mapa autárquico seria uma declaração de guerra que varreria o regime de norte a sul. Uma ou outra voz clama pela necessidade da adopção de uma nova forma de escrutínio da vontade popular. Subindo mais alto na hierarquia e pelas palavras de um dos Regentes, Portugal ficou ciente da inutilidade da assinatura presidencial no pretenso "acordo" que mais propriamente pode ser considerado como um esperado Diktat. Para os senhores da Comissão Europeia, do FMI e do BCE, o Parlamento é soberano e o Presidente do regime - eleito por uma insignificante soma de votos desgarrados -, consiste um mero apêndice descartável e sem qualquer interesse.

Temos as directivas financeiras e económicas que implicam uma profunda revisão da estrutura do edifício do Poder. Pessimistas, não acreditamos que os actuais homens do regime, hábeis ilusionistas mas péssimos estadistas, sejam capazes de executar aquilo que o país espera e intimamente quer.

Como conclusão, esta República está hoje tão morta como as suas duas antecessoras.

Nuno Castelo-Branco

Fonte: Estado Sentido

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