quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Portugal e Espanha nas Américas: refutação da tentação iberista


A recente cimeira ibero-americana, a comemoração nacional do 1.º de Dezembro, bem como as tensões independentistas da Catalunha, não obstante o desaire das eleições, sugerem algumas notas em relação à sempre presente tentação iberista.

É verdade que Portugal nunca perdeu formalmente a sua independência, porque se manteve sempre como reino soberano e em plano de igualdade com Castela mas, durante a dinastia filipina, com um monarca comum. Contudo, não é menos certo que o nosso vizinho – um mosaico de vários reinos refundados numa potência supranacional – sempre desejou alargar as suas fronteiras políticas até aos limites naturais da península. A comum religião dominante, as histórias e línguas paralelas, entre outros factores de menor monta, parecem sugerir a conveniência de um único país ibérico.

Também do lado de cá da raia se fez sentir a utopia da unidade: os republicanos de finais do século XIX e princípios do XX eram iberistas e, por isso, a bandeira da República é expressiva da almejada união política de Portugal, a verde, e Espanha, a encarnado.

Importa preservar e desenvolver a boa vizinhança com “nuestros hermanos”, mas a história prova como seria inviável uma eventual união ibérica. De facto, os dois Estados peninsulares, apesar da partilha da mesma plataforma natural, têm muito diferentes idiossincrasias, que se verificam também além-mar.

Recentemente, a nação catalã manifestou-se por uma mais ampla autonomia, ameaçando a unidade de Espanha. Outras comunidades regionais hispânicas não escondem também análogas pretensões independentistas, porventura nostálgicas reminiscências de outros tempos e eras em que essas regiões eram reinos soberanos. Essa multiplicidade de nações, embora seja um óbice à unidade do Estado espanhol, é também um enriquecimento do seu património cultural.

Pelo contrário, em Portugal nem sequer o regionalismo vingou, como ficou claro pelo elucidativo resultado do referendo de 8-11-1998, em que 60,6% dos eleitores rejeitaram liminarmente uma artificiosa partição do território nacional que, pesem embora alguns particularismos locais, é jurídica e politicamente uno há quase nove séculos.

A este propósito, é significativo o reflexo de Portugal e de Espanha nas Américas. A ex-colónia portuguesa é um só país, o Brasil, imenso na sua extensão, plural nas suas muitas etnias e na espantosa variedade das suas gentes, mas único na sua configuração política. Espanha, pelo contrário, deu origem a uma multiplicidade de Estados centro e sul-americanos que parecem espelhar a sua própria multinacionalidade.

É possível que essa atitude mais inclusiva e cosmopolita, que parece especificar a presença portuguesa de aquém e além-mar, tenha também expressão num pormenor urbanístico que, mesmo não se podendo exagerar a sua importância, parece carregado de significado. Quem conhece Espanha sabe também que as suas “plazas mayores”, por vezes lindíssimas, como a de Salamanca, são por regra quadriláteros fechados que circunscrevem um espaço predefinido e limitado. Pelo contrário, o nosso Terreiro do Paço, talvez o mais belo e expressivo ex-líbris da capital de Portugal, está aberto para o rio e para o mar.

Sem esquecer a condição peninsular e europeia de Portugal nem cair em vãos nacionalismos, importa afirmar a sua vocação atlântica e universal, tão manifesta na sua história. Tinha razão Fernando Pessoa quando, num inspirado lance da sua “Mensagem”, escreveu: “E ao imenso e possível oceano, ensinam estas Quinas, que aqui vês, que o mar com fim será grego ou romano: o mar sem fim é português.”

P. Gonçalo Portocarrero de Almada

Fonte: Povo

Sem comentários: