Para os mais experimentados leitores da
história portuguesa, torna-se evidente que a actual crise será, talvez, a
segunda maior aflição colectiva que o país experimenta desde a Guerra da
Restauração. Infelizmente, persiste o mito [anti-histórico] segundo o qual as
crises não se repetem. Não se repetem na forma e nos factos, mas repetem-se nas
circunstâncias que concorrem para os acontecimentos. Se as manifestações são
sempre distintas de época para época, devia ser estudado o modus faciendi
para lhes pôr um fim. Ora, havendo entre nós um desconhecimento quase
generalizado das coisas do passado, não é de estranhar que governantes e
governados se sintam impotentes perante a magnitude dos desastres que nos
assaltam.
O estudo da polemologia e dos acidentes
militares da Restauração é coisa apaixonante. Portugal venceu então grandes
desafios e a longa guerra revelou uma sociedade capaz de levar a extremos de
heroísmo a defesa da sua liberdade. Contudo, a Restauração foi, sobretudo, um
continuado esforço no exercício da boa diplomacia - captando simpatias externas
para o reforço dos direitos portugueses - e do bom comércio. Para o sucesso da
diplomacia concorreu o preparo das embaixadas, a escolha dos parceiros, a
selecção do escol que representou o país. Para o sucesso da política económica,
foi relevante aquilo que hoje dá pelo nome de "maximização" dos recursos, mercê
da facilitação do acesso e fixação de estrangeiros no país, do baixo preço da
tributação nos portos e no trato, da segurança garantida e da formação de
agentes comerciais que permitiram abrir novos mercados aos produtos portugueses.
Em terceiro lugar, a Restauração foi possível graças ao aprofundamento da
dimensão ultramarina: Angola e Brasil assumiram lugar destacado.
Fazendo a possível conversão para o quadro
hodierno, todas as políticas que favoreçam a fixação de interesses estrangeiros
em Portugal - corresponsabilizando-as pelo sucesso da nossa economia - todas as
políticas que visem diversificar os parceiros diplomáticos e comerciais, assim
como o esforço legislador que torne atractivo investir com segurança, levarão à
repetição do bom sucesso da crise 1640-1667. Isto quer dizer: uma diplomacia
moderna e de elite, abatimento da má legislação, promoção dos nossos produtos,
reforço prioritário das relações com o Brasil e Angola. Tudo o mais virá por
acrescento.
Miguel Castelo-Branco
Fonte: Combustões
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