Este mês de Fevereiro acaba com mais uma Entrevista, como tem sido hábito, desde Setembro do ano passado. Desta feita, o meu convidado é o Dr. Nuno Pombo, Presidente da Direcção da Real Associação de Lisboa; Real Associação esta, que por sinal, me diz particularmente respeito também!
1. Dr. Nuno Pombo, antes de mais, muito obrigado por ter aceite o nosso convite para ser o nosso entrevistado do mês de Fevereiro. Gostaria de começar esta entrevista lhe perguntando, quando é que se apercebeu que se revia na Monarquia?
Eu é que agradeço a amabilidade do convite e a oportunidade de prestar este testemunho.
Sempre me interessei por política e desde pequeno me lembro de gostar imenso de ouvir falar de política. Nasci antes do 25 de Abril e lembro-me bem de crescer num ambiente politizado. Mas a questão do regime, pelo menos em minha casa, nunca se pôs. Foi um pouco antes de entrar na Faculdade que me apercebi de que a República não fazia qualquer sentido, em Portugal. E comecei a juntar várias peças que já tinha no meu imaginário, no meu ideário, e que faziam de mim, estruturalmente, monárquico.
Quem viveu com entusiasmo, como eu, as eleições presidenciais de 1986, percebe talvez melhor o que pretendo dizer. O país praticamente dividiu-se ao meio. Metade do país queria um candidato e a outra metade, na verdade, escolheu o outro, ainda que o não quisesse. Engoliram-se sapos e sais de frutos… e no dia seguinte já havia autocolantes a dizer “O meu Presidente é outro”. À distância, diria que foi esta experiência que me fez, algum tempo depois, chegar à conclusão de que seria muito mais útil optarmos, colectivamente, por um sistema que nos “desse” um representante comum. Que nos permitisse encontrar alguém que todos representasse e em quem todos reconhecessem uma autoridade natural.
Note que este exercício foi acompanhado por outra constatação. A de que o “governo”, o administrador da coisa pública, é necessariamente efémero, contingente. Os governos sucedem-se e o País permanece. Quem se apercebe desta evidência ganha perspectiva, horizonte. O País que hoje temos de gerir, será gerido amanhã pelos nossos filhos e netos, sendo também certo que o recebemos dos nossos pais e avós. Há uma continuidade geracional. Há um feixe temporal que vai moldando esta realidade sem beliscar a sua essência. Um país não é só espaço. É também tempo. E mesmo quanto ao espaço, há que reconhecer que Portugal é muito mais do que “espaço político”, chamemos-lhe assim. É também uma enorme e global comunidade de afectos que resulta de uma experiência multissecular de partilha. De pertença. Podemos estar no outro lado do planeta e ter a sensação de que estamos em casa. Nós andámos pelo mundo todo e, talvez como nenhum outro país, somo feitos disso… de mundo.
Portanto, e para encurtar razões, a certa altura dei-me conta de que a Instituição Real, aqui e agora, é o único sistema que permite legitimar a representação nacional no que há de mais natural: o tempo e os afectos…
2. Quer nos falar um pouco sobre o seu percurso na militância Monárquica, enquanto associado da Real Associação de Lisboa?
Quando me apercebi do meu estrutural monarquismo, procurei saber se havia alguma organização monárquica em Portugal. Havia o PPM que, por ser um partido, nunca me cativou e depois soube da existência da Real Associação de Lisboa, que tinha sido criada há pouco tempo. Associei-me (sou o sócio 648) e comecei a participar, com toda a naturalidade, nas suas actividades. Não perdia uma conferência! Depois fui convidado para integrar uma lista que concorreu aos órgãos sociais e fui eleito vogal da Direcção. Foi uma experiência muito importante em termos de militância monárquica. Conheci pessoas fantásticas, na Real Associação de Lisboa e noutra Reais Associações! Acabado esse mandato, voltei à condição de mero associado e continuei a participar nas actividades e a dar a colaboração que me era pedida. Com um grupo de amigos – o João Mattos e Silva, o D. Vasco Teles da Gama, a Maria da Conceição Mascarenhas, o Raúl Bugalho Pinto e outros – fizemos o “quinta-feira.com”, um grupo informal que se reunia uma vez por mês, na última quinta-feira de cada mês, com um orador. Chegámos a ter 70 pessoas, tínhamos uma coluna mensal no Semanário e depois no Diário Digital … Alguns desses textos foram compilados em livro (“Aqui d’El-Rei!”).
Anos depois fui convidado pelo Dr. João Mattos e Silva, que conheci durante a minha primeira experiência directiva e de quem fiquei muito amigo, para voltar à Direcção e aqui continuo, com a preocupação de servir.
3. Actualmente exerce as funções de Presidente da Direcção da Real Associação de Lisboa. Como é que interpreta a missão para a qual os associados o elegeram?
Ser Presidente da Direcção tem apenas relevância de representação institucional. Existe uma Direcção, que é um órgão colegial, e funcionamos colegialmente. Não pode ser de outra maneira.
A Real Associação de Lisboa, no panorama do movimento monárquico, tem uma enorme importância. A missão que temos, que assumimos desde o primeiro minuto, foi a de contribuir activamente para que a Instituição Real possa ser apresentada e tida como uma alternativa política. Esse é o objectivo. É a meta. O caminho passa por dar a conhecer o País que somos, que fomos e que queremos ser.
Sou dos que pensam que a solução monárquica não é de adesão evidente. São muitas as vantagens da monarquia face à república, sabemos disso, mas não sou “internacionalista”. Ou seja, não acho que a monarquia seja um modelo ideal para todos os países. Até nisto não sou republicano. O republicanismo, neste sentido, é ideológico. O meu monarquismo é muito concreto… é português e contemporâneo. Sou monárquico aqui e agora. Em Portugal, hoje, neste preciso instante, a Instituição Real muito melhor serviria o País do que esta fantasia que nos impingiram. O regime republicano que temos é artificial. É uma construção jurídica estritamente formal, assente em dogmas tão falaciosos como virtuais. Costumo dizer que um monárquico quer apenas que o Estado seja devolvido à Nação.
Portanto, temos por missão levar Portugal ao coração dos portugueses. O que interessa, verdadeiramente, é restaurar Portugal. E a monarquia faz parte desse processo. Mas, peço o favor de me perceberem, a monarquia não é o fim. O fim último é sempre Portugal. Restauramos Portugal pela Monarquia, que é a cúpula do edifício. É a cimalha. Também digo, em jeito de brincadeira, que não é por acaso que a Coroa está sobre as armas de Portugal.
4. Actualmente a Causa Real e a sua Juventude, estão a caminhar lado a lado, na modernização das suas imagens, nomeadamente na Internet. Torna-se de facto fundamental, nesta época da alta tecnologia e do Marketing Digital, que as entidades, sejam estas Movimentos ou Empresas ou Partidos, para atraírem mais apoiantes, tenham que estar presentes nas Redes Sociais. No que toca, precisamente à Causa Real e à Real Associação de Lisboa em particular, como avalia até ao presente, a presença nesses meios de comunicação?
Temos usado essas ferramentas e o balanço que faço é muito positivo. Permite fazer chegar a nossa mensagem a muita gente e sem grandes custos. Mas julgo que também é importante perceber que o mundo não se esgota na internet. Os destinatários do nosso trabalho não estão apenas atrás de um computador. E também acho muito recomendável chamar a atenção para os perigos do “imediatismo” da comunicação. Às vezes, porque é tudo muito “instantâneo”, dizem-se coisas escusadas e geram-se polémicas que deviam ser evitadas.
Quanto à imagem, é forçoso reconhecer que ela é fundamental. A Causa Real fez um trabalho importante, dando homogeneidade nacional a realidades que são geograficamente diferentes. E foi um trabalho muito profissional. Houve critério. A imagem adoptada é arejada e moderna. Mas sobretudo, acho muito importante dar-se uma imagem nacional ao movimento monárquico, ainda que se tenha de alimentar o associativismo a nível local.
5. Há pessoas que defendem a Monarquia por costume familiar, outras porque gostam da História de Portugal, e outras ainda por uma questão mais racional. Mas, verdadeiramente, o que é Ser Monárquico, na sua opinião?
Julgo ter já respondido a esta pergunta. Não interessa muito saber como é que alguém chegou à conclusão de que é monárquico. O importante, na verdade, é ser-se monárquico. Desde já, importa deixar claro que o monarquismo depende do amor que devotamos a Portugal. Não cometo a injustiça de pensar que quem não é monárquico não é bom português. Nada disso. Mas não se pode ser monárquico sem esse enamoramento. E também não pode ser monárquico quem não respeita a nossa História. Com isto não me assumo passadista. Não quero voltar ao passado. Quero antes projectar no futuro o que fomos e o que somos. A monarquia, como disse, permite personalizar essa ligação. Ou, mais bem dito até, permite “familiarizar” o espaço e o tempo que dão sentido a Portugal. Daí a importância da Família Real. O Rei não é sozinho. Passe o paradoxo, o Rei é a Família Real. Porque o Rei é o que é e o que há-de ser. Num país como o nosso, qual o sentido de fazer do efémero a pedra angular do sistema? Que sentido faz institucionalizar a conjuntura e a contingência? A meu ver, nenhum! E repare-se que estou a falar apenas da chefia do Estado. Da dimensão representativa que deve assumir essa chefia.
Aliás, ainda que noutra perspectiva, o exemplo que deixei das eleições presidenciais de 1986 pode ser usado hoje. O actual chefe do Estado foi eleito por cerca de 23% dos cidadãos eleitores, que não são sequer todos os portugueses. Isto para dizer que só formalmente, só na aparência, essa genuína representação se obtém por via electiva. A legitimidade democrática, entendida redutoramente como a que dimana do sufrágio directo e universal, está muito longe de assegurar a representatividade oferecida pela legitimidade histórica. Abdicarmos desta legitimidade, porque a temos, é sacrificarmos uma abrangente representatividade, que precisamos.
E também adianto que o meu monarquismo, porque não é formal, porque não renuncia a essa legitimidade histórica, que lhe é essencial, não concebe “candidatos” ao trono. Não sou dos que dizem que serão as cortes a escolher o Rei. Claro que o Rei não poderá sê-lo sem que a Nação o chame a essas funções, que isto fique claro. Mas o Rei não poderei ser eu, porque me falha essa legitimidade histórica. Portanto, fico sempre espantado quando vejo monárquicos estruturalmente republicanos. Vêem vantagens na monarquia, enquanto sistema, mas não descobriram a essência da monarquia. Em Portugal, esta legitimidade histórica repousa indiscutivelmente nos Duques de Bragança. E o Duque de Bragança é o Senhor Dom Duarte. Mas quero também aproveitar a oportunidade para dizer que não vivemos em Monarquia e que, por isso, o Duque de Bragança não é Rei, pelo que não faz também qualquer sentido, como já vi fazer, dar tratamento majestático ao Senhor Duque de Bragança. É um excesso protocolar que semeia confusão…
6. Normalmente, apontam-se como principais vantagens da Monarquia, por um lado, o facto do Rei ser independente dos partidos e outros grupos de interesse, e por outro lado que o regime Monárquico saíria mais barato aos contribuintes. Que outras vantagens encontra, para a defesa do regime monárquico para Portugal, tendo em consideração, o actual Estado da Nação?
Começo por dizer que desvalorizo por completo a questão financeira. Tenho visto análises comparativas entre os custos de algumas Casas Reais, nomeadamente a espanhola, e a Presidência da República portuguesa. Só pode comparar-se o que é comparável. Não sei se os critérios de contabilização e de orçamentação desses custos, nestes países, são os mesmos. Admito que não… Mas adiante. Mesmo que a república fosse mais barata, isso não fazia dela melhor do que é. E não é boa.
A questão da independência é fundamental, como é evidente. Se repararmos bem, todos os chefes do Estado eleitos depois do 25 de Abril foram chefes de partidos políticos. Até o Gen. Eanes, depois de sair de Belém, foi chefe de um partido. Não está em causa a vontade de quererem ser independentes. Está em causa serem-no ou conseguirem projectar na comunidade a ideia de que o são. Não é possível. Basta estarmos atentos aos mimos com que os partidos da oposição brindam o actual presidente da república que, quando era líder de uma maioria, também disse do então presidente da república o que o Maomé não diria do toucinho. O problema não está nas pessoas. É um problema genético do próprio regime.
Para além das vantagens normalmente associadas à monarquia – a preparação para o exercício da magistratura, que não se desliga do umbilical afecto com que a comunidade segue a formação dos príncipes e a dita independência – há, em Portugal, duas realidades que a tornam muito recomendável: a União Europeia e a vocação de Portugal no Mundo.
Já todos percebemos que a União Europeia comporta sérios riscos à nossa soberania. E com isto não quero formular qualquer juízo de valor sobre isso. Quero apenas sublinhar uma evidência. É para mim claro que a Coroa daria corpo institucional à nossa identidade. Não creio que a nossa identidade esteja em perigo. Em perigo, quanto muito, estará a independência. Portanto, estou firmemente convencido de que a Instituição Real traria muito maior solidez à afirmação institucional da nossa soberania. Mas há mais. Como tive a oportunidade de dizer, Portugal não é só este “espaço político” debruçado sobre o Atlântico. Não é só isso. Temos uma enorme comunidade portuguesa fora desse espaço e um conjunto imenso de pessoas que falam, rezam e sonham em português. Ora, a agregação desta imensa comunidade muito beneficiaria da Instituição Real.
7. Naturalmente, estamos aqui todos empenhados na Causa que nos une, e por isso mesmo, gostaríamos de chegar ao dia da Aclamação do Nosso Rei Dom Duarte. Como imagina que poderá ser a nossa Monarquia do futuro?
Permita-me uma nota terminológica. Não há monarquia do futuro. Poderá é haver monarquia no futuro. Porque tal como pretendi evidenciar ao longo de toda esta entrevista, a monarquia não tem tempo. Assume o tempo… Não é ela que faz parte do tempo. É o tempo que faz parte dela. É uma unidade incindível. Dizer no futuro e do futuro não é a mesma coisa, porque esta última expressão parece-me programática, o que a monarquia não é…
Mas percebo o sentido da sua pergunta, claro, e respondo-lhe que teremos a monarquia que, colectivamente, quisermos ter. Mas como é que eu imagino a nossa Monarquia? Disse há pouco que a Coroa é a cimalha do edifício. O actual sistema político, as instituições políticas portuguesas, estão em crise. Hoje, muito mais do que ontem, vejo discutir-se o sistema político. Nota-se que a erosão provocada pela crise abriu espaço a uma reflexão mais profunda sobre as instituições que nos regem. Todos temos o dever de promover esse debate e de participar nele com seriedade. De contribuir para essa reflexão. Independentemente das posições que perfilhemos, cada um de nós, sobre a economia, sobre o papel do Estado, todos vemos vantagens na existência de uma chefia de Estado real.
Sabe, essa é uma das dificuldades do associativismo monárquico. A única coisa que verdadeiramente nos une é acreditarmos, todos, na bondade da Instituição Real. E na verdade, tudo o mais é, para uma organização como a nossa, acessório. Há quem ficasse satisfeito se amanhã o presidente da república fosse substituído pelo Rei. Outros, não. Outros diriam que isso não chega. Que é preciso alterar tudo de cima a baixo. A monarquia será o que nós colectivamente quisermos que ela seja.
8. Convido-o a deixar uma última reflexão. Muito obrigado.
Eu é que agradeço esta oportunidade. A última reflexão é uma provocação. Aquando do centenário da república, organizaram-se debates um pouco por toda a parte e sempre privilegiei as escolas. Estive numa, em Loures, e, sem eu o saber, o meu oponente era um professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica, onde eu também dava aulas. O debate correu lindamente. O meu colega começou por explicar a importância da democracia, da liberdade e depois, quando foi a minha vez, comecei por dizer “ouviram tudo o que foi dito até agora? Pois bem, não tem nada a ver com república!”… procurei desmontar a ideia que de nós fazem. Os miúdos – 14 / 15 anos – fizeram imensas perguntas… todas a mim. A certa altura o meu republicano colega disse, brincando, “só o querem ouvir a si!” e eu respondi-lhe “não admira! O seu discurso eles já conhecem. Pelos vistos, a novidade trouxe-a eu a esta juventude!”. Com este exemplo quero apenas significar que temos dois trabalhos pela frente: mostrar o que queremos e dizer o que não somos! E estas tarefas não são apenas da Causa Real e das Reais Associações. Devem ser abraçadas por todos os que pensam assim. É isso que tem procurado fazer, também, esta Plataforma de Cidadania Monárquica!
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