domingo, 16 de março de 2014

Requiem pelo patriarca emérito


D. José da Cruz Policarpo, Patriarca emérito de Lisboa, fez muito mais do que podia, embora pudesse tanto, nos múltiplos cargos em que serviu a Igreja

Foi ontem a sepultar, no Mosteiro de São Vicente de Fora, o Cardeal D. José da Cruz Policarpo, Patriarca emérito de Lisboa, diocese que governou durante quinze anos. Antes, tinha sido bispo auxiliar e administrador apostólico do patriarcado e também reitor da Universidade Católica Portuguesa (UCP). Foi repetidas vezes presidente da Conferência Episcopal e consultor de vários dicastérios da Santa Sé. Participou activamente nos conclaves em que foram eleitos os Papas Bento XVI e Francisco.
Os muitos serviços prestados pelo Cardeal Policarpo à Igreja e, em especial, ao patriarcado de Lisboa, não cabem nestas breves linhas. Como teólogo e, mais tarde, como bispo, patriarca e cardeal, D. José Policarpo deixa uma vasta obra que outros, melhor do que eu, saberão ajuizar e a que o futuro certamente fará justiça.

Embora o tivesse seduzido a vida prosaica de padre de aldeia, o seu perfil intelectual não lhe permitiu essa modalidade pastoral, porque a Igreja lhe pediu outros serviços, nomeadamente como docente e director da faculdade de Teologia da UCP e, mais tarde, seu reitor.

O Cardeal Policarpo foi substituído, na reitoria universitária, pelo Professor Manuel Braga da Cruz. Numa recente homenagem a este último, o seu predecessor no cargo frisou a importância de ter sido sucedido por um leigo, o primeiro a ocupar a presidência de uma tão prestigiada instituição de ensino superior. Era esta, com efeito, uma sua preocupação pastoral: a promoção do laicado católico, por forma a assumir as suas responsabilidades na vida da Igreja e do mundo.

Os leigos, como recordou o concílio Vaticano II, não têm um papel secundário no apostolado eclesial, não podem ser meros instrumentos do clero, nem muito menos a sua ‘ longa manus ’ naqueles ambientes em que a condição clerical não é pertinente. Na base de uma sólida formação doutrinal e de uma comprovada coerência de vida cristã, os fiéis leigos devem agir, em nome próprio e com responsabilidade pessoal, em todos os âmbitos da actividade social, política, económica, cultural, desportiva, etc. Não sendo os representantes oficiais da Igreja, nem os mandatários da hierarquia, são contudo a presença de Cristo no mundo do trabalho, onde agem como o fermento no meio da massa.
Como se tem visto recentemente no nosso país – recordem-se os tristes casos das leis do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo – a sociedade portuguesa carece de um laicado mais interventivo, que seja capaz de dar, pela sua competência profissional e prestígio moral, um contributo válido para a construção de uma sociedade mais justa e solidária. A comprovada incapacidade dos partidos políticos tradicionais implementarem a doutrina social da Igreja requer, com urgência, a intervenção de cristãos e de outros cidadãos de boa vontade que pugnem, sem tibiezas, por esses valores.

Não é possível evocar D. José Policarpo sem referir o seu bom humor: a alguém que o sondara sobre a possibilidade de vir a ser eleito Papa, respondeu que tinha mais hipóteses do que uma sua irmã… Apreciava a ironia e contava graças que nunca eram meras anedotas, porque portadoras de uma mensagem de esperança e de fé. Fico-lhe a dever algumas atenções e sugestões até de possíveis crónicas, porque era não só um leitor atento, mas também um crítico perspicaz.

Na muito justa homenagem ao Prof. Braga da Cruz, o Cardeal Policarpo contou o divertido comentário de uma piedosa senhora a um sermão de um esforçado pregador: ‘ – Coitado, fez o que pôde! ’ D. José da Cruz Policarpo, Patriarca emérito de Lisboa, fez muito mais do que podia, embora pudesse tanto, nos múltiplos cargos em que serviu a Igreja. Porque assim foi de facto, consola-nos a certeza de que já terá recebido, do Senhor da messe, o prémio prometido aos servos bons e fiéis.


P. Gonçalo Portocarrero de Almada


Fonte: I online

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