D. José da Cruz Policarpo, Patriarca emérito de Lisboa, fez muito mais do que podia, embora pudesse tanto, nos múltiplos cargos em que serviu a Igreja
Foi ontem a sepultar, no Mosteiro de São Vicente de Fora, o Cardeal D. José da Cruz Policarpo, Patriarca emérito de Lisboa, diocese que governou durante quinze anos. Antes, tinha sido bispo auxiliar e administrador apostólico do patriarcado e também reitor da Universidade Católica Portuguesa (UCP). Foi repetidas vezes presidente da Conferência Episcopal e consultor de vários dicastérios da Santa Sé. Participou activamente nos conclaves em que foram eleitos os Papas Bento XVI e Francisco.
Os muitos serviços prestados pelo Cardeal Policarpo à Igreja e, em especial, ao patriarcado de Lisboa, não cabem nestas breves linhas. Como teólogo e, mais tarde, como bispo, patriarca e cardeal, D. José Policarpo deixa uma vasta obra que outros, melhor do que eu, saberão ajuizar e a que o futuro certamente fará justiça.
Embora o tivesse seduzido a vida prosaica de padre de aldeia, o seu perfil intelectual não lhe permitiu essa modalidade pastoral, porque a Igreja lhe pediu outros serviços, nomeadamente como docente e director da faculdade de Teologia da UCP e, mais tarde, seu reitor.
O Cardeal Policarpo foi substituído, na reitoria universitária, pelo Professor Manuel Braga da Cruz. Numa recente homenagem a este último, o seu predecessor no cargo frisou a importância de ter sido sucedido por um leigo, o primeiro a ocupar a presidência de uma tão prestigiada instituição de ensino superior. Era esta, com efeito, uma sua preocupação pastoral: a promoção do laicado católico, por forma a assumir as suas responsabilidades na vida da Igreja e do mundo.
Os leigos, como recordou o concílio Vaticano II, não têm um papel secundário no apostolado eclesial, não podem ser meros instrumentos do clero, nem muito menos a sua ‘ longa manus ’ naqueles ambientes em que a condição clerical não é pertinente. Na base de uma sólida formação doutrinal e de uma comprovada coerência de vida cristã, os fiéis leigos devem agir, em nome próprio e com responsabilidade pessoal, em todos os âmbitos da actividade social, política, económica, cultural, desportiva, etc. Não sendo os representantes oficiais da Igreja, nem os mandatários da hierarquia, são contudo a presença de Cristo no mundo do trabalho, onde agem como o fermento no meio da massa.
Como se tem visto recentemente no nosso país – recordem-se os tristes casos das leis do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo – a sociedade portuguesa carece de um laicado mais interventivo, que seja capaz de dar, pela sua competência profissional e prestígio moral, um contributo válido para a construção de uma sociedade mais justa e solidária. A comprovada incapacidade dos partidos políticos tradicionais implementarem a doutrina social da Igreja requer, com urgência, a intervenção de cristãos e de outros cidadãos de boa vontade que pugnem, sem tibiezas, por esses valores.
Não é possível evocar D. José Policarpo sem referir o seu bom humor: a alguém que o sondara sobre a possibilidade de vir a ser eleito Papa, respondeu que tinha mais hipóteses do que uma sua irmã… Apreciava a ironia e contava graças que nunca eram meras anedotas, porque portadoras de uma mensagem de esperança e de fé. Fico-lhe a dever algumas atenções e sugestões até de possíveis crónicas, porque era não só um leitor atento, mas também um crítico perspicaz.
Na muito justa homenagem ao Prof. Braga da Cruz, o Cardeal Policarpo contou o divertido comentário de uma piedosa senhora a um sermão de um esforçado pregador: ‘ – Coitado, fez o que pôde! ’ D. José da Cruz Policarpo, Patriarca emérito de Lisboa, fez muito mais do que podia, embora pudesse tanto, nos múltiplos cargos em que serviu a Igreja. Porque assim foi de facto, consola-nos a certeza de que já terá recebido, do Senhor da messe, o prémio prometido aos servos bons e fiéis.
Fonte: I online
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