A mulher que se casou com o rei D. Luís I teve a típica educação das princesas da época. Nascida em Turim em 1847, aprendeu gramática, geografia, história, desenho e música, ainda que não fosse uma aluna aplicada. “Tinha jeito para o desenho e para a música, mas dificuldade na aprendizagem de línguas estrangeiras”, lê-se numa nota biográfica divulgada pelo Palácio Nacional da Ajuda.
São conhecidas as suas aptidões artísticas, mas até agora desconhecia-se que D. Maria Pia de Sabóia também tivesse sido fotógrafa. Essa faceta é revelada na exposição “Um Olhar Real – Obra Artística da Rainha D. Maria Pia”, inaugurada na Galeria de Pintura do Palácio da Ajuda.
A mostra reparte-se por dez núcleos, num total de 400 metros quadrados. São 30 as fotografias tiradas pela rainha, além de 234 obras originais de aguarela e desenho.
“Organizar a exposição revelou-se uma novidade para muitos técnicos desta casa, que conheciam algumas peças, mas não tinham a noção da dimensão e abrangência da obra”, revelou ao Observador José Alberto Ribeiro, director do palácio.
O que se apresenta agora é completamente inédito, quem vê fica com uma visão completamente diferente desta rainha. O gosto pela prática do desenho e aguarela, e especialmente da fotografia, é uma grande novidade”, reforçou o mesmo responsável.
“Um Olhar Real” teve cerca de um ano de preparação e poderá ser vista até 21 de Abril, com entrada a 3,50 euros. Em Outubro do ano passado, o Palácio da Ajuda mostrou o trabalho fotográfico de uma outra rainha, D. Amélia (1865-1951).
O espaço expositivo é da autoria do arquitecto João Herdade e da designer Sónia Teixeira Pinto. Em fundo, soam as mesmas músicas que D. Maria Pia escolheu para um jantar em 1902 na Ajuda.
As fotos estavam guardadas no núcleo de fotografia do palácio. Todos estes materiais, incluindo as máquinas e utensílios da rainha, estavam em reserva e foram trazidos e estudados. Conseguimos produzir o primeiro estudo detalhado sobre a rainha enquanto fotógrafa e percebemos que ela não fez fotografia só por ser novidade ou moda na época. Estão expostas máquinas que lhe pertenciam e reproduções de facturas da Kodak e dos livros que encomendava ao estúdio Nadar, em Paris, sobre técnica e revelação”, explicou José Alberto Ribeiro. “Outro aspecto novo é saber-se que a rainha também experimentou a escultura. Mostramos uma única, um busto que é supostamente um auto-retrato.”
As 30 fotografias exibidas são reproduções e não originais, por motivos de conservação, de acordo com o diretor. Algumas são de pequeno formato.
“Para apresentar as originais teríamos de reduzir iluminação do espaço, para não prejudicar a conservação. Por isso, optámos por reproduzir as fotos, em sépia, como os originais, algumas em versão ampliada. Além disso, as imagens são também exibidas num grande ecrã, com as respetivas legendas”, pormenorizou o responsável.
As imagens revelam os locais por onde a rainha passava, muitas registam paisagens, outras retratam pessoas que posam de propósito para a câmara. Em alguns casos, a rainha fotografou temas que também desenhou ou pintou.
Quanto aos desenhos e aguarelas, são sobretudo registos de Cascais, local de veraneio da nobreza e da alta burguesia, do Bosque da Guia, do Paço da vila de Sintra, das praias da Ursa, Adraga e Maçãs.
Não são claras as razões por que se desconheciam até hoje os trabalhos fotográficos de D. Maria Pia. Questionado sobre o assunto, o director do Palácio da Ajuda sugeriu que se tratou de falta de investigação por parte de quem o antecedeu. Não haveria sequer uma catalogação completa.
“Enquanto técnicos, profissionais e dirigentes de museus devemos estudar, aprofundar e divulgar o conhecimento das colecções de forma mais sistemática junto do grande público, temos essa obrigação”, respondeu José Alberto Ribeiro, no cargo desde 2013, depois de sete anos à frente da Casa-Museu Anastácio Gonçalves, também em Lisboa.
“Quando começou a ideia de fazer esta exposição, pedi uma contagem das aguarelas da rainha no acervo do palácio. Aquilo que parecia ser uma obra com dezenas de exemplares chegou, afinal, às centenas. No início não sabíamos sequer que estaríamos a mostrar máquinas fotográficas ou material de revelação. Foi uma descoberta.”
Em termos estéticos, os trabalhos da rainha não assumem relevância de génio. “Há trabalhos desiguais”, resumiu José Alberto Ribeiro. “Mas temos desenhos da década de 1880 muito bons, com mão firme, se comparados com os primeiros desenhos da rainha, que eram meros exercícios. O que temos quase sempre é um olhar de enquadramento, mesmo na fotografia. Ela procura uma perspetiva que seja equilibrada em termos da composição da imagem. A sensibilidade é romântica, mas há já um pré-naturalismo. Se a alinharmos com a cronologia francesa, é uma naturalista. Em relação a Portugal, será um pré-naturalismo.”
O Palácio da Ajuda foi residência oficial da corte portuguesa a partir de 1861, até à queda da monarquia, em 1910. D. Maria Pia casou-se com D. Luís I aos 15 anos e entrou no palácio em 1862. Ali nasceram os príncipes D. Afonso e D. Carlos, este último assassinado em 1908 no Terreiro do Paço. D. Maria Pia viria a morrer em 1911.
Fonte: Observador
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