Este ano, por uma muito feliz coincidência, a celebração da Páscoa católica coincidiu com a ortodoxa mas, apesar de quase todos os cristãos, nomeadamente os destas duas principais Igrejas, terem festivamente comemorado a gloriosa ressurreição de Jesus Cristo no mesmo dia, nem todos os cristãos tiveram direito a celebrar a festa mais importante do calendário litúrgico. Com efeito, a comunidade copta foi, no passado Domingo de Ramos, mais uma vez, alvo de dois criminosos atentados terroristas, cuja autoria foi reivindicada pelo Daesh, o auto-proclamado Estado islâmico.
Não sei o que seja mais terrível: se estes atentados, que se sucedem a um ritmo cada vez mais acelerado e com efeitos sempre mais devastadores, se a aparente indiferença do Ocidente, como já aqui foi referido em muito oportuna crónica de Rui Ramos: O Cristianismo arrancado pelas raízes. É natural que os europeus sintam mais os crimes ocorridos no continente, embora o Cairo não esteja longe do sul da Europa. Mas é estranho que, quando se trata de um terrorismo que se propõe o genocídio dos cristãos egípcios – os coptas assassinados foram-no, única e exclusivamente, por serem cristãos – um tal crime não suscite maior indignação por parte dos governos e dos povos europeus que, historicamente, devem ao Cristianismo o melhor da sua cultura e dos seus valores civilizacionais.
Os coptas representam, aproximadamente, dez por cento dos 92 milhões de egípcios: ‘copta’ quer dizer, precisamente, ‘egípcio’, porque são os mais antigos habitantes do país, anteriores à chegada dos muçulmanos, no século VII depois de Cristo. O Egipto, que foi cenário de inúmeros episódios da história bíblica, desde o exílio dos judeus, no tempo de José e seus irmãos, até à sua libertação por Moisés, foi também o único país, para além da Palestina, em que Jesus Cristo viveu, logo após o seu nascimento e até à morte de Herodes quando, com Maria e José, regressou à Terra Santa e se estabeleceu em Nazaré. Segundo a tradição, o Egipto conheceu o Cristianismo graças à pregação de São Marcos, evangelista, que terá sido bispo de Alexandria, o segundo maior patriarcado da cristandade primitiva, logo após Roma.
A designação copta tanto se aplica a cristãos ortodoxos como católicos; os primeiros, que se separaram da Igreja Católica depois do Concílio de Calcedónia, são a quase totalidade dos coptas e estão sob a autoridade do patriarca de Alexandria que, desde 2012, é o papa Tawadros II. A Igreja Católica copta conta apenas com algumas centenas de milhares de fiéis, mas também há igrejas coptas protestantes, bem como inúmeras comunidades coptas na diáspora, sobretudo na Austrália, nos Estados Unidos da América e no Reino Unido.
Como minoria cristã num país maioritariamente islâmico, os coptas têm sido objecto de inúmeras perseguições. Quando a Irmandade Muçulmana ganhou as eleições realizadas depois da queda de Mubarak, agravou-se consideravelmente a situação dos cristãos no Egipto, o que explica o seu apoio ao General Abdul al-Sisi, agora no poder.
O papa copta, Tawadros II, presidiu às celebrações pascais na sua catedral de São Marcos, na cidade do Cairo, com a maior simplicidade possível, por respeito às vítimas e ao luto das suas famílias. Dadas as circunstâncias, a celebração pascal ficou limitada à celebração da Eucaristia.
Nos ataques do passado Domingo de Ramos, uma semana antes da Páscoa, protagonizados por terroristas islâmicos do Daesh, contra igrejas coptas em Tanta e Alexandria, morreram 45 fiéis. Não são, contudo, uma novidade: em Dezembro passado, um combatente suicida do Estado Islâmico fez-se explodir em plena igreja copta do Cairo, matando 29 fiéis. Em Fevereiro de 2015, numa praia da Líbia, os jihadistas decapitaram 21 cristãos coptas. Já nesta semana há a lamentar, de um ataque do Daesh nas imediações do mosteiro de Santa Catarina, no sopé do Monte Sinai, uma vítima mortal e quatro feridos.
Os atentados do primeiro dia da Semana Santa ocorreram apenas três semanas antes da programada visita apostólica do Papa Francisco ao Egipto, prevista para os dias 28 e 29 de Abril e que se mantém. Mais uma vez, o Papa Francisco é uma voz solitária na defesa da liberdade religiosa e dos mais elementares direitos humanos, nomeadamente dos que, por serem uma minoria, como acontece com os cristãos no Médio Oriente, estão mais à mercê das forças políticas e religiosas dominantes.
Se os assassinados tivessem sido 45 jornalistas, teriam saído à rua edições especiais, com grandes tarjas negras na primeira página, e ter-se-ia aberto uma subscrição pública a favor das suas famílias. Se, para maior desgraça, houvesse menores entre as vítimas, atapetar-se-iam as ruas das capitais europeias com ursinhos de peluche e outros brinquedos, em sua memória, porque é justo e necessário denunciar todas as injustiças contra crianças. Se fossem activistas das minorias alternativas, não haveria artista, poeta, actor ou cançonetista que, em solidariedade com as vítimas, não usasse um lacinho preto ao peito. Se fosse uma equipa de futebol, todos os jogos dessa jornada se iniciariam com uns minutos de silêncio. Se fossem todos cidadãos do mesmo país, decretava-se o luto nacional, punha-se a bandeira a meia haste e enchiam-se as praças com pequenas velas e flores em sua honra. Mas, como são tão só crianças, mulheres e homens cristãos, encolhem-se os ombros e diz-se apenas: “Coitados!”
Ante a perseguição aos cristãos, talvez haja ateus e agnósticos, ou até outros crentes que respirem de alívio, por não serem, ainda, o alvo do ódio terrorista dos fundamentalistas islâmicos. A esses convém recordar as dramáticas palavras do pastor protestante Martin Niemölder que, como opositor do nazismo, foi prisioneiro no campo de concentração de Dachau: “Quando os nazis levaram os comunistas, eu calei-me, porque eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque eu não era social-democrata. Quando levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque eu não era judeu. Quando me levaram a mim, já não havia ninguém que pudesse protestar…”
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