sábado, 29 de abril de 2017

O MITO DE ARISTIDES SOUSA MENDES,OS NOVOS HERÓIS E O ANIVERSÁRIO DE ABRIL…

 “Navegar é preciso, viver não é preciso”;
“Ó Portugal, hoje és nevoeiro…”
“Senhor, falta cumprir-se Portugal!”.

Fernando Pessoa


            O Mito de Aristides Sousa Mendes (ASM) que o actual PR resolveu agitar de novo, ao condecorá-lo no passado dia 3 de Abril, a propósito do 63º aniversário do seu passamento (!), também se pode relacionar com a efeméride anual do golpe de estado militar, florido a cravos, que virou revolução, conduzida pelo PC (fazemos apócope do segundo “P”, pois chamar “português” a uma organização subversiva, que esteve ao serviço de uma potência estrangeira, desde 1921 - a URSS - causa-nos alguns pruridos) e anarquizada por outras forças de extrema - esquerda.
            
Após o incompleto 25 de Novembro de 1975, assentou arraiais, um regime úbere em mazelas, baseado numa Constituição peca, palavrosa e até antidemocrática, regime que se sedimentou através de distribuição de dinheiro emprestado e muitos negócios ruinosos e corruptos.
            
Lavaram o cérebro aos cidadãos através de muita mentira política, social e histórica, e estribilhos de grande efeito sonoro e “progressista”, como “liberdade”, “antifascismo”, “abaixo a reacção”, “democracia”, “modernidade”, “direitos e mais direitos”, etc..
            
Sem nunca se ter intuído e interiorizado o verdadeiro significado dos termos, doutrinas e conceitos.
            
E sem nunca terem julgado ninguém![1]
            
As pessoas passaram, de facto, a viver melhor mas com riqueza que não produziram, não lhes pertencia e pelo desbarato de todas as reservas acumuladas. Que não eram pequenas.
            
Sem embargo, o regime não tinha heróis.
            
Passado o fugaz deslumbre dos “capitães” – cuja maioria nunca se deu conta verdadeiramente daquilo em que se metera – e de dois generais que emergiram do golpe, Spínola e Costa Gomes que, célere, foram promovidos a Marechais.
            
Direi que indevidamente, o primeiro por ter ajudado a desencadear um evento que não conseguiu controlar e que o ultrapassou e, ainda, pela vaidade que lhe embotou o senso; o segundo por falta de carácter e lealdade, como as duas alcunhas por que era conhecido, tão bem ilustram: “rolha” e “judas”. (Ainda hoje ninguém sabe ao certo o que é que este oficial de cavalaria – que não gostava de montar a cavalo – foi, na realidade, e para quem “trabalhou”).
            
Ambos por terem grandes responsabilidades na leviana destruição de um conceito de Nação Portuguesa que tinha cerca de 600 anos.
            
Sem embargo de o terem obrado defender militarmente, com uma competência técnica acima da média.
            
Porém, o que falta ao actual regime em heróis sobra-lhe em traidores, desertores, infamados e desclassificados.
            
A legião de corruptos perde-se de vista bem como os de vira - casacas (assim a modos como os “adesivos”, no dia 6 de Outubro de 1910…).
            
Fora isto, restavam uns pseudo heróis de pacotilha, que se tinham entretido a colocar bombas nas ruas, ou a tentar prejudicar o esforço de guerra; assaltar bancos e piratear aviões e navios (entretanto recompensados com pensões e medalhas).
            
Seguiu-se um general que tinha participado no golpe de estado de 28 de Maio de 1926, servido com extremoso entusiasmo o regime que se seguiu e depois veio a atraiçoar, por razões menos nobres.
            
Já o encafuaram no mausoléu de Santa Engrácia, mas só foi fazer má companhia aos que lá estão.
            
Espero que, ao menos, não o tenham colocado ao lado do Aquilino Ribeiro…
            
Restam as “Catarinas Eufémias” da propaganda leninista, agora transmutada na subversão mais adequada à psicologia da burguesia, com origem no Gramsci e na Escola de Frankfurt. Mesmo assim o PC não simpatiza nada com esta moda…[2]
            
Além disto o regime nasceu aviltado por uma Junta de Salvação Nacional que não fez (e não conseguiu fazer) nada do que se tinha proposto – o célebre Programa do MFA – e rapidamente se alienou.
            
Um regime, cujos próceres, infligiram ao próprio país uma derrota política e militar, quando se estava a controlar e a ganhar a guerra em todas as frentes e que estava a ser combatida de uma forma competente e patriótica, como já não se assistia desde que Afonso de Albuquerque entregara a alma ao criador, frente a Goa, em 1515 (e mesmo este fartou-se de ser atraiçoado em Lisboa…).
            
E não contentes em terem provocado uma debandada de pé descalço, vergonhosa, ainda ficaram ufanos dela![3]
            
A Primeira República tinha-se fundado num crime de regicídio, num levantamento armado civil/militar, ilegal, organizado por um Partido legalmente constituído (o Partido Republicano) e por uma organização paramilitar clandestina – a Carbonária – mancomunada com aquele e com o Grande Oriente Lusitano. Regime que nunca se referendou.
            
A Terceira República alicerçou-se na tragédia inominável da “Descolonização” e na utopia dos “amanhãs que cantam”, atroando os ares com a cançoneta da liberdade. A liberdade dos cemitérios.
            
Vivemos melhor? Materialmente vive-se melhor, é certo. Mas temos uma dívida impagável, crescemos em média 1,5% a 2% ao ano, temos 10% de desemprego 120.000 emigrantes/ano e demografia negativa.
            
E deixámos de ser donos do nosso destino (afinal onde está a liberdade?).
            
Mas vivemos melhor…
            
O que não quer dizer que se não houvesse golpe de estado em 25/4/74, também não o conseguisse - mos.
            
Pelo menos, na altura, o país crescia a 7% (no Ultramar era mais); o escudo era a 6ª moeda mais forte do mundo e estava escorada em 850 toneladas de ouro e 50 milhões de contos em divisas).
            
O desemprego era quase inexistente bem como a dívida externa. Não havia dificuldade de crédito e os recursos eram imensos…
            
Esquecia-me de dizer que tudo isto acontecia “apesar” de existirem 230.000 homens em armas, espalhados por quatro continentes e quatro oceanos e a combater há 14 anos em três teatros de operações distintos (Angola, Moçambique e Guiné).
            
Convenhamos que o prato da balança era mais favorável…
            
Na altura o “espelho” da Nação era o Exército.
            
Agora o espelho (muito baço e riscado) é o futebol.
            
Daí não ser de estranhar que muitos dos “heróis” estejam a ele associados.
            
E nem vou entrar nos aspectos morais e cívicos que impregnam a sociedade que este regime enformou e promoveu.
            
Havia pois, uma necessidade desesperada, de arranjar um herói.
            
ASM caiu neste cenário como mel na sopa.
            
E que perfil ideal lhe arranjaram: perseguido pelo Regime “obscurantista “do Estado Novo e pelo “tenebroso” chefe de governo que o edificara; um desobediente por uma justa causa; um homem corajoso que se manteve fiel à sua consciência; um humanista; um lutador pela paz; uma alma sofrida por uma causa humanitária; um injustiçado que acabou na miséria; enfim, um justo. E só tardiamente reconhecido! [4]
            
A sua mistificação continua pois, de vento - em - popa e ainda há muito a esperar deste filão, sobretudo se tiver a ajuda de uns rabis fervorosos e uns católicos ingénuos (alguns nada ingénuos).
            
É caso para o Pessoa, se fosse vivo e observasse o quadro, afirmasse:
            
-“Olha, toda a gente a querer viver e ninguém a querer navegar”;
           
 -“Eh pá continua uma morzeta dos diabos, não vejo nada…”;
            
-“Ó Portugal, quando é que tu te cumpres?”
            
Ainda não é a hora…



João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador


[1] Minto, houve um “julgamento” do Almirante Tenreiro e absolveram-no.
[2] A pobre da Catarina (outro mito) não tinha nada a ver com qualquer protesto nem era militante de coisa alguma. Estava no sítio errado, na altura errada e morreu acidentalmente, com uma bala perdida da pistola-metralhadora do comandante da força da GNR presente, Tenente Carrajola, que caiu no chão e se disparou inadvertidamente. Consta que os militares quotizaram-se, até, para pagar o funeral à vítima.
[3] Enfim, este aspecto até acaba por ser o mais mirabolante de tudo o que se passou!...
[4] Sobre este personagem favor ler o artigo “São Seguidas”, que publiquei em 14/4/17.


Fonte: O Adamastor

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