Celebram-se hoje (12 de Dezembro) setecentos anos da fundação da Armada portuguesa. O simples facto de a marinha ser mais antiga que a larga maioria dos Estados evidencia, grita mesmo, verdade importante a respeito da natureza dos portugueses: somos um povo do mar. Por ditame da geografia e do espírito, foi nas grandes extensões oceânicas que Portugal se fez livre. Lisboa conquistou-se do mar, não podendo Afonso Henriques tomá-la sem a participação dos cruzados que, a caminho da Terra Santa, adentraram o Tejo para o golpe final sobre o ocupante mouro. A inserção de Portugal na economia europeia deu-se pelo mar. Durante a guerra da independência, a Lisboa que o Mestre de Avis defendia - e que era já a mais importante urbe do Reino - resistiu por uma nossa frota, vinda do Porto com mantimentos e mãos para a luta, ter rompido o bloqueio que Castela nos impunha no Tejo. O Infante encontrou no mar a receita da nossa liberdade, e o mar foi o alfa e o ómega da nossa existência enquanto povo da conquista de Ceuta, em 1415, até à recente integração de Portugal na Europa política.
O interesse recente pela natureza oceânica da nação portuguesa é, sem dúvida, muito bom e muito útil, mas parece pecar por miopia, redução e desconhecimento. Se falar em mar significar falar na expansão da Zona Económica Exclusiva, fazê-lo será, por muito que a ZEE nos interesse, bastante pouco. Um olhar renovado, mais ambicioso e mais amplo, deve reconciliar os portugueses com as ondas. Falar em mar deve ser falar em Portugalidade, na nossa civilização global e no direito dos portugueses a se reintegrarem nela; deve ser, sobretudo, ver nele oportunidade de libertação e certeza de potência política, económica e militar. O Atlântico Sul, durante tantas centúrias autêntico lago de bandeira e língua portuguesas, foi deixado com a nossa retirada sem ordenação e sem segurança. Não se percebe porquê, até porque a região continua a ser o que foi desde o século XVI: o interior de triângulo estratégico composto por Lisboa (Portugal), o Rio de Janeiro (Brasil) e Luanda (Brasil). O regresso dos povos lusíadas a essas águas tão habituadas à nossa presença é uma urgência que não mais pode ser retardada. Ora, bastaria que se fizesse uma força naval conjunta das portugalidades atlânticas para que esse regresso fosse consumado. Num tempo em que tanto se fala de cooperações em matéria de defesa, fica esta de sabor e tradição portuguesas. Para que tanto possa fazer-se, e para que o oceano e a Armada de novo possam ser ferramentas ao serviço de Portugal, muito haveria a fazer: apetrechar a frota, refazer a indústria naval, repensar a marinha como garantia de prestígio nacional, de relevância estratégica e de prosperidade económica.
Setecentos anos após a fundação da Armada por Manuel Pessanha, 1º Almirante-mor do Reino, e pelo Rei Dom Dinis, Portugal parece necessitado de refundá-la. Refundá-la, sim, em horizontes, em ideias de missão e serviço, no modo como a marinha é instrumento primeiro da grandeza do país e, para que ela possa ser-lhe útil, nos meios de que necessita e que hoje não possui. Precisamos de um novo Dom Dinis e de um novo Manuel Pessanha. Mas, enquanto eles não chegam, temos uma Armada que é a mais antiga do mundo, a obreira de tantos triunfos e a razão de muito orgulho. Parabéns, Armada de Portugal. Venham os próximos 700.
Fonte: Nova Portugalidade
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