quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Ideal monárquico está a seduzir simpatizantes do Bloco e do PCP



O actual Presidente da República foi nomeado administrador [vitalício] da Fundação da Casa de Bragança; Rui Moreira, entregou o cartão para ser autarca do Porto, tal como Miguel Albuquerque, presidente do governo regional da Madeira; Paulo Portas suspendeu a militância monárquica para ir para o governo; há socialistas partidários do referendo à monarquia no Parlamento; os comunistas convidam frequentemente D. Duarte para visitar as autarquias e há militantes do Bloco de Esquerda a frequentar os encontros da Juventude Monárquica...

O que se passa com os ideais republicanos e o que ganham os defensores da monarquia com a descrença dos portugueses num sistema político democrático em que os escândalos surgem em catadupa no Portugal que hoje volta a comemorar pela segunda vez o feriado da Restauração da Independência depois de o PSD e o CDS o terem abolido na anterior legislatura, um país em que D. Duarte quer ser entronizado como chefe de Estado e propõe substituir-se aos presidentes da República na qualidade de rei.

Quando se pergunta a Dom Duarte se a alteração da chefia de Estado não é ir longe de mais, responde assim: "O que não compreendo é que não se autorize numa democracia acabar com o sistema democrático." Deveria esta questão fazer parte de uma próxima revisão constitucional? D. Duarte acha que sim: "Não é honesto não fazer a pergunta aos portugueses, até porque a República foi proclamada por golpe militar e nunca foi referendada."

Se é óbvio que D. Duarte desejaria que a monarquia que representa e lidera voltasse a ter um papel tutelar na organização política portuguesa, o mesmo não se esperaria dos republicanos, principalmente de militantes dos partidos mais à esquerda. Não existindo números oficiais sobre os que olham com tolerância um regresso a uma governação monárquica ao nível mais alto, D. Duarte acena com um argumento: "Há uma sondagem feita por altura do centenário da República que ficou na gaveta porque não interessava revelar as suas conclusões: 40% disseram que não são republicanos. Se com a atual situação, 40 % já perceberam que o sistema republicano de chefia de Estado não é boa para Portugal, estou convencido que se houvesse informação sobre o sistema monárquico essa percentagem iria aumentar com certeza. Basta ver os bons exemplos de países europeus."

D. Duarte vai mais longe ao considerar que o comportamento do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa "é semelhante ao que seria o de um rei" e que por via desta actuação política fica mais fácil aos portugueses comparar os dois regimes. Por isso alerta: "Não se sabe quem se seguirá depois dele. Pode não ter este perfil, como alguns dos seus antecessores, que desagradaram a grande parte da população e preocuparam-se mais em favorecer o partido de onde vinham." Para que não fiquem dúvidas sobre a comparação entre rei e Presidente, recorda: "Quem mais claramente tentou agir como um rei enquanto Presidente foi o general Eanes."

Não é preciso investigar muito para confirmar que os ideais monárquicos sempre seduziram bastante os que em Portugal votam CDS, ligeiramente menos os do PSD e um pouco os do PS, mas o que surpreende é que atualmente militantes de esquerda se interessem pelos ideais monárquicos: do PCP e do Bloco de Esquerda, por exemplo. Uma realidade política que pode parecer inacreditável quase cento e dez anos após a implantação da República e apesar de todo o esforço com que os republicanos baniram os representantes da dinastia de Bragança e confiscaram os seus bens, mas que nos últimos tempos se deleitam com as reportagens do casamento de Dom Duarte com Dona Isabel de Herédia, ou ainda, no fim de semana passado, com o relato do baile de debutantes em Paris que apresentou a filha Maria Francisca à sociedade, na companhia dos irmãos Afonso e Dinis.

Ao fim de quatro décadas de democracia, pode dizer-se que a tentativa dos representantes e simpatizantes da monarquia em obterem um papel político através das eleições falhou. Essa solução surgiu com a formação de uma estrutura partidária, o Partido Popular Monárquico (PPM), que teve em Gonçalo Ribeiro Telles um dos principais impulsionadores, mas as divergências com D. Duarte levaram a um quase desligamento do partido e à pouca representação eleitoral.

A deputada do PPM na Assembleia Municipal de Lisboa, Aline Gallasch-Hall de Beuvink, uma das duas deputadas que foram eleitas em coligação com o CDS, insiste nas virtualidades da chefia real do Estado enquanto defende o partido que representa: "O pouco peso político do PPM não é problema. Temos 43 anos de história e preconizámos várias ideias que só 20 anos depois foram tomadas. Se acham que a monarquia é retrógrada é porque não percebem que é algo presente no quotidiano de vários países da Europa. Sempre dos mais avançados e com melhor nível de vida."

O aumento dos simpatizantes monárquicos, contudo, não aparece do nada. Há mais de uma década criaram-se as Reais Associações em todos os distritos portugueses e, com a organização madura, surgiu a Causa Real. Um movimento em torno de D. Duarte, que o inspirou também, onde se reúnem os activistas monárquicos, mas também os simpatizantes que existem espalhados pelo país e que votam - com excepção das eleições presenciais em que a maioria se recusa a escolher um presidente - nos partidos que mais os atraem.

O que surpreende é que o modelo de governação em vigor em Portugal já seja preterido por milhares de portugueses que veem numa chefia de Estado protagonizada por D. Duarte a melhor solução. Uma surpresa que cresce quando se podem contabilizar algumas dezenas de militantes de esquerda, vindos do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda, sempre presentes nas sessões em que se reúnem monárquicos mais tradicionais.

Uma das estruturas monárquicas que tem recebido mais apoios esquerdistas é a Juventude Monárquica. O presidente da organização, Gonçalo Martins Silva, confirma que pelo menos duas dezenas de esquerdistas vão regularmente aos encontros da organização na região de Santarém: "Há muita gente nova e cada vez mais pessoas aparecem regularmente, independentemente dos quadrantes políticos habituais." Especifica: "Além do CDS e do PSD, temos tido bastantes inscrições de jovens que vêm da Juventude Socialista, uma dezena do PCP e, surpreendentemente, do Bloco de Esquerda também. Estes são a grande novidade."

Questiona-se como pode ter a certeza da origem dos novos simpatizantes virem da esquerda? "Sabe-se de onde vêm porque na ficha de inscrição existe um espaço para dizer a que organizações pertencem. Posso dizer que é muito diferente de há uns anos, quando havia apenas uma ou duas inscrições. Nos últimos tempos é mais tão notório e surpreendente porque têm uma natureza republicana que nos surpreendeu." Acrescenta: "Estou muito contente, porque são pessoas que não nos costumavam apoiar!"

O responsável da Juventude Monárquica refere que as reuniões monárquicas que atraem os simpatizantes de esquerda não se preocupam apenas em debater os ideais monárquicos: "Não somos uma juventude partidária, fazemos parte da Causa Real e quem frequenta estas Academias são jovens em que o denominador comum é apoiar D. Duarte."

Poder-se-ia achar que é só ao nível de jovens de esquerda, mas o presidente da Causa Real, António de Sousa-Cardoso, esclarece: "Temos cada vez mais simpatizantes e um enorme aumento de curiosidade sobre o movimento devido à perda de referências e de identidades das populações." Quando se lhe pergunta quantos são os filiados, aponta "cerca de dez mil associados" e faz questão de deixar claro que "temos pessoas de todos os partidos representados na Assembleia da República", militantes que assinaram a "petição para acolhimento de D. Duarte no protocolo de Estado".

Vamos à questão da esquerda nas fileiras monárquicas. Existem personalidades do PS? "Existem vários simpatizantes sim." E do PCP? "Sim, temos registo de que existem do PCP." E do Bloco de Esquerda? "Sim, mesmo sendo mais recente como partido."

Para justificar a atração de comunistas dá dois exemplos: "No PCP, são os próprios dirigentes que insistem mais nas visitas de D. Duarte e D. Isabel às suas autarquias." Recorda também que o facto de Juan Carlos ter autorizado o regresso do Partido Comunista Espanhol deverá ter alguma importância no caso destes simpatizantes, pelo menos dos que "leem bem a história e percebem o mudar dos tempos".

O presidente da Real Associação de Lisboa, João Távora, faz questão de destacar a transversalidade partidária dos novos simpatizantes, mesmo que avise que "a questão monárquica não é partidária e que a legitimidade da monarquia é histórica". No entanto, confirma: "Vou a um congresso do CDS ou do PSD e não faltam monárquicos. É certo que têm empregos com ligação ao regime porque estão integrados no sistema. Aliás, no CDS são uma grande maioria."

Quais as razões desta adesão aos ideais monárquicos? João Távora aponta: "Gostam da nossa bandeira e há uma grande simpatia por D. Duarte e D. Isabel por considerarem que o topo da pirâmide governativa deve estar fora e isenta da luta política e dos jogos de interesse para se chegar à chefia do Estado, bem como dos recursos económicos que os partidos precisam para a sua actividade".

Para Gonçalo Martins Silva, a sedução dos mais jovens vem do facto de "os países mais democráticos da Europa serem monarquias. Isso chama a atenção dos jovens que participam nas academias de formação monárquica e demonstra que a República tudo tem feito para induzir o pensamento único próprio da democracia. Essa fixação impede muitos portugueses de compreenderem a monarquia e querem que se confunda com o absolutismo. O que não é a verdade".

Fonte: DN

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