A vida parece ter sido aqui incomparavelmente mais suave, mais acolhedora das dissonâncias sociais, raciais, e morais. Nossos colonizadores eram, antes de tudo, homens que sabiam repetir o que estava feito ou o que lhes ensinara a rotina. Bem assentes no solo, não tinham exigências mentais muito grandes e o Céu parecia-lhes uma realidade excessivamente espiritual, remota,
póstuma, para interferir em seus negócios de cada dia.
póstuma, para interferir em seus negócios de cada dia.
A isso cumpre acrescentar outra face bem típica de sua extraordinária plasticidade social: a ausência completa, ou praticamente completa, entre eles, de qualquer orgulho de raça. Ao menos do orgulho obstinado e inimigo de compromissos, que caracteriza os povos do Norte.
Essa modalidade de seu caráter, que os aproxima das outras nações de estirpe latina e, mais do que delas, dos muçulmanos da África, explica-se muito pelo fato de serem os portugueses, em parte, e já ao tempo do descobrimento do Brasil, um povo de mestiços.
Ainda em nossos dias, um antropólogo distingue-os racialmente dos seus próprios vizinhos e irmãos, os espanhóis, por ostentarem um contingente maior de sangue negro. A isso atribui o fato de os indígenas da África Oriental os considerarem quase como seus iguais e de os respeitarem muito menos de que aos outros civilizados.
Assim, afirma, para designar os diferentes povos da Europa, os suaíles discriminam sempre: europeus e portugueses. Neste caso o Brasil não foi teatro de nenhuma grande novidade. A mistura com gente de cor tinha começado amplamente na própria metrópole.
Já antes de 1500, graças ao trabalho de pretos trazidos das possessões ultramarinas, fora possível, no reino, estender a porção do solo cultivado, desbravar matos, dessangrar pântanos e transformar charnecas em lavouras, com o que se abriu passo à fundação de povoados novos."
Sergio Buarque de Holanda - Raízes do Brasil
Fonte: Nova Portugalidade
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