quarta-feira, 2 de maio de 2018

Um dos maiores feitos da história da Portugalidade

Foto de Nova Portugalidade.



Hoje vamos contar-vos, sem lenda nem ficção, os derradeiros dias dessa orgulhosa dos luso-tailandeses numa luta sem quartel e sem esperança na defesa do seu Rei (o Rei do Sião), da sua religião (o catolicismo) e da sua casa (Ayutthaya). A aldeia portuguesa situava-se fora de muralhas e tinha como edifícios axiais o templo dominicano, a igreja franciscana e o seminário-templo dos Jesuítas. Quando a sorte se inverteu contra Portugal em meados do século XVII e um a um caíram os grandes centros da actividade portuguesa na Insulíndia, populações católicas luso-descendentes de Celebes e Malaca afluíram a Ayutthaya em busca de segurança. A população do Ban Protuguet ascendeu a 4000 ou 5000 pessoas devidamente comandadas por um Capitão eleito pelo povo cristão e confirmado pela corte siamesa.

Quando nas primeiras décadas do século XVIII Ayutthaya perdeu a força de grande potência no Sudeste-Asiático e emergiu a belicosa e expansionista dinastia Konbaung na Birmânia, as populações do mandala siamês foram expostas a um inimigo que fazia tábua-rasa da cultura política das relações internacionais da região e que exercia a guerra como única modalidade da acção externa. O fundador dessa dinastia, Alaungpaya, conhecido pelos métodos brutais de aniquilamento dos estados vizinhos, após reduzir a cinzas o Pegu, invadiu o Sião em 1759 e assediou Ayutthaya. A investida, brutal e sem qualquer respeito pelas convenções da guerra, plasmadas pela doutrina budista que aconselhava batalhas-torneio entre voluntários, em vez de choque entre exércitos, deixou os siameses aterrorizados. A guerra que o gigantesco exército birmanês trazia era inteiramente nova. Não visava troféus, mas o aniquilamento completo do adversário, lançava mão de massacres sistemáticos, destruição integral de cidades, vilas e aldeias e redução à escravidão dos sobreviventes; em suma, uma guerra norteada pelo intuito de infundir terror e desertificar regiões. Em 1760, já às portas de Ayutthaya, o exército birmanês foi detido precisamente no Bandel Português. A oposição que encontraram foi tão dura, as perdas dos atacantes tão grandes que Alaungpaya deu instruções de retirada. Nas últimas horas, já as suas tropas retiravam desordenadamente ante a contra-ofensiva dos portugueses, o rei birmanês caiu por terra, fulminado pelos estilhaços de uma peça de artilharia que explodira ao fazer fogo sobre o Ban Protuguet. Ayutthaya salvara-se pela resistência e grande sangue frio dos católicos ante o mar birmanês.

Os birmaneses lamberam as feridas e reorganizaram-se. Em 1765, um imenso exército, agora comandado por Hsinbyushin, filho de Alaungpaya, invadiu de novo o Sião disposto a reduzir a pó a capital do Sião. A cidade estava exangue, o seu comércio declinante e lutas intestinas haviam enfraquecido Ayutthaya, pelo que, de novo, os birmaneses avançaram sem dificuldade até às muralhas da grande capital. Os bastiões foram guarnecidos com católicos do Ban Protuguet, mas os restantes habitantes do bandel, fora de muralhas e expostos a grande perigo, recusaram-se abandonar os seus templos e aí se barricaram. Resistiram a todas as investidas birmaneses, causando-lhes milhares de mortos. Incapazes de derrotar os católicos, atacaram o aldeamento japonês na outra margem, reduzindo-o a escombros, destruindo depois as feitorias inglesa e holandesa da VOC. Muitos japoneses, holandeses e ingleses atravessaram a nado o rio e procuraram refúgio na aldeia portuguesa. A esta afluiram também muitos peguanos e chineses que tinham os seus bairros nas proximidades. Ayutthaya ardia e os soldados siameses já não obedeciam, fugindo para evitar o extermínio. O Ban Protuguet resistiu durante seis meses a bombardeamento de artilharia e ataques frontais da infantaria, elefantes e cavalaria birmanesas. Nos últimos dias de Abril de 1767, sem víveres e sem munições, os portugueses aceitaram depor armas. Era o último reduto de resistência. Ao contrário das promessas do inimigo, mal entregaram as armas, homens, mulheres e crianças foram severamente agredidos, alguns mortos ali mesmo e os restantes reduzidos à escravidão. Dessa outra história, também exaltante, daremos conta noutra ocasião.

Hoje, no cemitério da velha capital jazem cerca de 200 restos mortais de luso-siameses. Aquela gente lutou até ao último grão de pólvora e não vacilou ao decidir lutar pela sua liberdade. Uma lição de heroísmo que integra as mais vibrantes páginas da saga portuguesa nos confins da Ásia. Os luso-siamses de hoje compreendem perfeitamente o sentido daquela façanha que hoje evocamos. Os tailandeses, também compreendem, que os portugueses chegaram apenas para fazer business pois, chegada a hora decisiva, lutaram ombro a ombro com os siameses na defesa da terra comum, não deixaram cair a bandeira e não tentaram, como outros, fugir e salvar os cabedais. Morreram pela sua liberdade; é tudo. Isto merecia uma coprodução épica luso-tailandesa ou o nome de uma avenida lisboeta: Avenida dos Heróis de Ayutthaya. Há quem pretenda espezinhar, ridicularizar e até fazer esquecer aos portugueses a grandeza e a honra de o serem. Só quem não for digno do nome de Portugal pode persistir em negar a esta nação as mais vibrantes páginas da história da nossa civilização.

MCB

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