Marcelo Rebelo de Sousa, na sua qualidade de Presidente da República (que de portuguesa, já tem pouco), foi em visita oficial a Cabo Verde – o que faz recorrentemente, como se fosse tomar uma bica ao café da esquina – e, entre outras actividades, que não deixaram de incluir a visualização do jogo Portugal x Marrocos e respectiva verborreia de comentários – procedeu à condecoração de Amílcar Cabral, com a “Ordem da Liberdade”, em cerimónia ocorrida na Universidade da Cidade do Mindelo, no dia 10 de Dezembro.
E não deixa de ser curioso referir desde já, que a cerimónia se passa em Cabo Verde, sendo que Amílcar Cabral nasceu na antiga província portuguesa da Guiné.
A cerimónia passou praticamente despercebida na comunicação social, que maioritariamente faz (muitas vezes “frita”) a cabeça ao comum dos portugueses.
Convém, para começo de hostilidades, situar os leitores com a figura de Amílcar Cabral – que seguramente 90% da actual população portuguesa, não faz a remota ideia de quem seja (não, não é, ou foi, jogador de futebol) e, talvez por isso, fosse agora relembrado. Ódio velho, não cansa, como diz sabiamente a sabedoria popular.
Amílcar Lopes da Costa Cabral (o nome não desmente a sua portugalidade) nasceu em Bafatá, a 12 de Setembro de 1924 e morreu (assassinado) a 20 de Janeiro de 1973, em Conacri, capital da Guiné com o mesmo nome, e ex-colónia francesa tornada independente, em 1958.
Está sepultado na Fortaleza de São José da Amura, em Bissau, construída pelos portugueses em meados do século XVIII.1
Era filho de Juvenal Lopes Cabral, nascido em Cabo Verde e de Iva Pinhel Évora, nascida na Guiné de ascendência Cabo Verdiana.
Quando tinha oito anos de idade, mudou-se para Santa Catarina, na Ilha de Santiago (no meu tempo de jovem ninguém acabava a 4ª classe sem saber estes nomes todos de cor) e depois para o Mindelo, na Ilha de São Vicente (nomes tipicamente africanos, como se pode constatar…) onde terminou, em 1943, o curso liceal no Liceu Gil Eanes – como se sabe um nome tipicamente crioulo, onde os “colonialistas” portugueses procuravam que a população local permanecesse na escuridão da ignorância…
Mais tarde, em 1945, conseguiu uma bolsa de estudo (imagine-se só a discriminação que existia!), vindo frequentar o Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, onde se formou nessa disciplina.
Sabe-se que passou a adoptar a matriz ideológica marxista e conspirou em Lisboa com alguns opositores ao Regime Político vigente no País (hoje conhecidos como “antifascistas”) e contactou vários estudantes de outros territórios ultramarinos portugueses que habitavam na conhecida “Casa dos Estudantes do Império” (vejam que até tinham uma “casa” para se albergar enquanto estudavam!) entretanto transformada num antro de subversão, onde imperavam as teses da “negritude” e outras de semelhante jaez. Debaixo do nariz das autoridades. E depois os portugueses é que são racistas…
Trabalhou ainda dois anos na Estação Agrícola de Santarém, sendo contratado pelo Ministério do Ultramar como adjunto dos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné, tendo regressado a Bissau em 1952. É, pois, de pasmar, os maus tratos de que foi alvo…
A páginas tantas zanga-se com a situação existente, a modos por ter ganho a antipatia do Governador Melo e Alvim – aparentemente por um motivo menor, a criação da “Associação Esportiva, Recreativa e Cultural da Guiné” – e resolve mudar-se para Angola, onde ajuda a criar o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), em 1956. Já no ano anterior participou na Conferência de Bandung (quem lhe terá pago as viagens?) e envolve-se no Movimento Afro-Asiático. Em 1959, juntamente com Aristides Pereira, Luís Cabral (seu irmão), Fernando Fortes, Júlio de Almeida e Elisée Turpin fundou um partido político (clandestino), que advogava a independência da Guiné e Cabo Verde, o PAIGC, que logo, em 1959, participa na greve do porto do Pidjiguiti, em Bissau; instala-se em países vizinhos, recruta gente, mune-se de uns manuais de subversão comunistas e começa a usar de violência contra os naturais que não os quisessem seguir (que sempre foram a grande maioria) e todas as estruturas representativas do Estado Português, nomeadamente as forças militares existentes e as enviadas de reforço, para manter a ordem e segurança no território.
Tudo apoiado por estados comunistas inimigos de Portugal (que lhes forneciam o apoio político e a logística), a que se juntaram alguns ditos ocidentais, que nunca foram amigos dos portugueses. Portugueses que se tinham estabelecido na Guiné há mais de 500 anos, sendo que muitas das etnias lá existentes chegaram depois de nós…
A luta armada na Guiné começou em 23 de Janeiro de 1963, com o ataque ao quartel das forças militares estacionadas em Tite.
Em Cabo Verde e até 1974 – data em que toda a situação foi posto em causa e não por ocorrências havidas em África, mas em Lisboa – nunca tinha sido disparado um tiro, ou havido qualquer distúrbio.
Parece que o pensamento mais relevante de Amílcar Cabral foi esta espécie de “boutade”, “a nossa luta não é contra o povo português, mas sim contra o colonialismo português”.
Dá vontade de rir, então durante quase 600 anos toda a Nação Portuguesa, nobres, burgueses, plebeus, religiosos militares e marinheiros, todos, deslocaram-se e fixaram-se, permanentemente por todo o lado, mas para o mal agradecido, agora medalhado, pelos vistos o povo português tinha ficado na “metrópole” e só os colonialistas (não os colonizadores) é que foram para África, a Ásia e as Américas, segundo ele (e agora também o nosso inquilino de Belém), explorar os desgraçados que por lá viviam – o que, naturalmente, também inclui Cabo Verde, onde não vivia ninguém…
Gostava até que me pudessem explicar como se faria a diferença entre o Dr. Baltazar Rebelo de Sousa – que até foi Governador – Geral de Moçambique e pai do actual PR português, certamente um empedernido “colonialista”, e o filho do mesmo, um tal Marcelo Rebelo de Sousa – o qual, estranhamente, nunca cumpriu o serviço militar – que virou um viçoso “anticolonialista” uns anos depois de a situação ter mudado. Isto para já não falar na confusão propositada entre os termos “colonização” e “colonialismo”, que são realidades bem diferentes.2
Deve ser por isso que agora o Governo Português (que de português tem, também, muito pouco) está a elaborar uma lista de “objectos de arte”, trazidos – como dizem – das ex-colónias, passíveis de serem “devolvidos” para o seu local de origem. Uma situação verdadeiramente escabrosa e intolerável!
Ora foi este personagem (o tal de Cabral), aliás, assassinado por gente do seu próprio partido, que o Presidente da República do que resta dos portugueses foi condecorar, a título póstumo, à portuguesíssima cidade do Mindelo, com a Ordem da Liberdade! Salve-se isso, pois trata-se de uma condecoração perfeitamente desqualificada pelo modo como tem sido atribuída. Não passa de um pendericalho a que não se atribui qualquer respeito ou valor. Imaginem a gravidade se a escolha tivesse recaído por exemplo, na ordem de Cristo…3
Por último deve-se pensar ainda na lógica desta homenagem, já que originalmente o PAIGC se destinava à independência da Guiné e Cabo Verde, mas onde os quadros superiores políticos e militares eram ocupados por Cabo-verdianos e os guineenses forneciam a maioria dos combatentes e eram os que andavam no mato. Cedo se geraram tensões e purgas, que exacerbaram a animosidade natural que o preto tem pelo mestiço e vice – versa, e que se prolongaram por todo o período de guerrilha. Por isso não é de estranhar que, após o golpe de estado ocorrido em 1980, em que Nino Vieira destronou o irmão de Amílcar Cabral, o “ramo cabo-verdiano tenha rompido com o PAIGC, dando origem ao PAICV (Partido para a Independência de Cabo Verde), assim se dando origem a dois países e não a um.
Em súmula, vamos a ver se consigo sintetizar este acto (grave) digno de uma ópera bufa e revelador de absoluto desnorte (de um ponto de vista nacional, que é aquele que exclusivamente nos interessa).
O PR (será que a Assembleia da República também o autorizou a fazer isto?) vai, com o dinheiro dos contribuintes, a país dito estrangeiro (sem nunca se ter cumprido qualquer acto verdadeiro de descolonização), aterrar no meio de uma cerimónia que em nada nos diz respeito – será que foi convidado ou se fez de convidado? – condecorar um ex-cidadão português, que traiu a sua Pátria, por defender por palavras e actos, a maioria dos quais violentos, a secessão de uma parte do território nacional, sendo por isso um traidor – a definição nem sequer é minha, está plasmada em qualquer código penal, incluindo aquele actualmente em vigor em Portugal – que criou um partido político que praticou a subversão, a guerrilha, o terrorismo e nos emboscava as tropas.4
Justifica a condecoração considerando, corrijam-me se estou errado, serem os actos atrás apontados como louváveis e por lamentar que “não chegou a Chefe de Estado por uns meses”!
E faz e diz isto tudo, em “nome de Portugal”.
Pois senhor presidente, eu como português e oficial da Força Aérea com os seus deveres e direitos em dia, sinto-me ultrajado, abomino e não me revejo nos seus actos. A mim jamais me representará.
E deixo aos leitores qualificar um chefe de estado que condecora traidores ao seu próprio país.
Uma pergunta ainda (entre muitas possíveis): os militares portugueses que estiveram prisioneiros do PAIGC – em prisões que faziam parecer o Tarrafal, uma estância de férias – em Conacri, e libertados na audaciosa operação “Mar Verde” e que ainda estão vivos, como reagirão a esta condecoração? Ou será que ainda vão ser julgados e condenados por terem andado a combater os guerrilheiros de Amílcar Cabral? Sim, porque só pode…
Resta aos bons portugueses (é o mínimo) que receberam alguma venera deste Presidente, a devolvam e àqueles que, por ventura, venham no futuro a ser agraciados, o recusem. Há que ter alguma vergonha na cara.
A situação do país é confrangedora e revoltante. E há muito que vivemos uma “alucinação” colectiva.
Afinal este triste caso, é apenas mais um episódio da realidade.
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto aviador (Ref.)
1 A Fortaleza actual (a primitiva remonta a 1696) foi construída em 1753, conforme planta de Frei Manuel de Vinhais Sarmento, com alterações introduzidas, em 1766, de autoria do Coronel Manuel Germano da Mota.
2 Ainda gostava de ver a cara do Dr. Baltazar, se pudesse ver o seu filho entregar esta condecoração…
3 A “Ordem da Liberdade” é uma ordem honorífica portuguesa, criada a 4 de Outubro de 1976, e que se destina a distinguir serviços relevantes prestados em defesa dos valores da Civilização em prol da dignificação do homem e à causa da Liberdade. Eu sinceramente ignoro o que Amílcar Cabral fez em prol da Civilização (a não ser o que possa ter aprendido sobre Agronomia; idem sobre a dignificação do Homem, a não ser o sofrimento que as suas “tropas” infligiram nas populações e tropas portuguesas, e quanto à liberdade, resta saber se isso tem a ver com alguma causa portuguesa. Não parece que teve nada. Por isso tal suposta distinção pode fazer sentido em quem se apossou do poder, mais tarde na Praia, ou em Bissau, mas nunca a um qualquer órgão de soberania português.
4 ARTIGO 308, TRAIÇÃO À PÁTRIA: Aquele que, por meio de usurpação ou abuso de funções de soberania: a) Tentar separar a Mãe – Pátria ou entregar a país estrangeiro ou submeter à soberania estrangeira todo o território português ou parte dele; ou b) Ofender ou puser em perigo a independência do País; é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos.
Fonte: Inconveniente
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