De quando em vez, obedecendo a critérios de oportunidade nem sempre descortináveis e consensuais, o presidente da república, por outra via que não o facebook, decide oferecer a sua autoridade aos portugueses. Ele já tinha avisado. Já tinha dito. Já tinha denunciado. Admito que sim. Houve quem tivesse avisado, dito e denunciado. Mas sinceramente não me lembro de ouvir a voz do senhor presidente. Aliás, desde os tristemente famosos casos das escutas e do estatuto dos Açores que me pergunto se vale a pena seguir o raciocínio presidencial. É como aquela de chamar a atenção para a necessidade de nos voltarmos para o mar depois de ter promovido, anos antes, o abate da nossa frota pesqueira. Os que não têm vergonha só existem politicamente porque há os que não têm memória. A própria república, enquanto regime, é prenhe destes absurdos. Fala-se dela, homenageando a liberdade, quando devíamos saber que ela foi um retrocesso democrático. A república é, neste sentido, das maiores farsas dos últimos 100 anos. E árvores que não são boas não podem dar frutos bons.
É evidente que o sistema republicano não é o culpado de todos os males que vivemos. Mas também é certo que não é irrelevante a forma como se organizam os Estados. A república, respaldada na pretensa superioridade ética do voto directo e universal, vive da transitoriedade. Do efémero. Da ausência de memória. Semeia a fractura, o divisionismo, a suspeita, a reserva mental. A táctica da sobrevivência. Deixa-se minar pelo compadrio e aceita sufocar-se pelas clientelas.
A instituição real, por seu lado, umbilicalmente ancorada na raiz da nacionalidade, faz parte integrante da essência do que é permanente. Da continuidade. Potencia a união, promove a harmonia e facilita a concórdia. É alheia aos apetites dos que vivem dos favores públicos. O Rei, encarnando a sua missão histórica, assume uma legitimidade muito própria e diversa da que anima os demais órgãos do Estado. É, por força dessa mesma legitimidade, completamente livre. Não precisa de afinar pelo diapasão dos partidos. Não depende deles e tem um horizonte de magistério que lhe permite libertar-se da conjuntura. Neste sentido, a instituição real é o garante último da nossa existência, da estabilidade e de uma perspectiva de futuro.
As marcas distintivas da chefia monárquica do Estado são particularmente relevantes no actual contexto conjuntural. Agora, melhor se percebe a vantagem que uma genuína independência apresenta face ao que me parece ser um mero reflexo formal dela. Por muito que ambicione a neutralidade, o presidente da república é fruto do jogo partidário. Emerge dessas lutas. E esse é o seu pecado original. Sempre haverá quem veja nas decisões presidenciais e nas suas tomadas de posição um frete aos amigos de sempre ou uma traição. Com o actual panorama, não difícil conceber cenários em que seria imprescindível a superior autoridade do chefe do Estado. Ora, o presidente da república, seja ele quem for, não a tem. Não tem autoridade nem a podia ter. E a genética eleitoral que a impede. De certo modo, o maior inimigo da propalada ética republicana é a própria república.
No topo da hierarquia institucional do Estado deve figurar quem pode afirmar-se independente. Quem possa exibir uma independência que lhe vem de uma legitimidade verdadeiramente nacional. Quem não se deixe afogar no pântano em que se podem tornar as vontades de facção. Não tenhamos dúvidas: um chefe de Estado que não emirja de voláteis maiorias episódicas é um chefe de Estado mais forte, mais credível e que pode exercer com maior e mais qualificada autoridade a sua magistratura. Um chefe de Estado que não está preso à conjuntura é livre. E sendo o Rei é livre está também garantida a nossa liberdade.
Nuno Pombo In Correio Real nº 6
Fonte: Real Associação de Lisboa
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