No passado dia 7 de Julho, a Basílica, Convento e Palácio Nacional de Mafra e o Bom Jesus do Monte, em Braga, passaram a fazer parte do património cultural mundial, por decisão tomada em Baku, no Azerbaijão da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
É muito de saudar que mais dois monumentos nacionais tenham sido – a par, entre outros, dos mosteiros de Alcobaça, da Batalha e dos Jerónimos e do convento de Cristo, em Tomar – reconhecidos como expoentes máximos, não apenas da cultura nacional, mas mundial. É particularmente significativo que estes dois monumentos nacionais, agora incluídos no património mundial, sejam essencialmente religiosos: Mafra é, sobretudo, uma basílica e um convento, para além de palácio nacional; e o Bom Jesus é um conjunto arquitectónico constituído por uma basílica e várias capelas.
Segundo Paulo Pereira, professor da FAUL e historiador de arte, o Bom Jesus é “o maior e mais monumental sacro-monte do mundo; e é também um exemplo, o último de uma ‘espécie’ que se extinguiu” (Público, 8-7-2019). Já Manoel António Vieira, na sua Descripção do Prodigioso Augusto Santuário do Bom Jesus do Monte da Cidade de Braga, o equiparara às sete maravilhas do mundo.
Se, para Paulo Pereira, o Bom Jesus é “o maior e mais monumental sacro-monte do mundo”, o Real Edifício de Mafra – que compreende a basílica, o convento e o palácio – é “uma das maiores superfícies cobertas pré-modernas da Península Ibérica!” Com efeito, até excede o monumental palácio e convento de El Escorial, em Espanha, cujas enormes dimensões ficam, contudo, aquém da gigantesca construção planeada e edificada por João Frederico Ludovice, ao serviço de el-Rei D. João V. Ludovice foi, como muito acertadamente se escreveu no mais recente e documentado estudo sobre a sua vida e obra, a mão direita do Magnânimo (Leopoldo Frederico de Drummond Ludovice, A mão direita de D. João V, João Federico Ludovici, O arquiteto mor do reino, Edição do Autor, Lisboa 2019).
Como Leopoldo de Drummond Ludovice demonstra, a obra do seu ilustre antepassado, João Frederico Ludovice, é profundamente teológica. A sua arquitectura, na transição para o iluminismo laico é, por definição, uma aplicação da teologia católica, plasmada nas pedras que, segundo a mente do Magnânimo e o risco da sua ‘mão direita’, deveriam ser um perene testemunho da fé do fidelíssimo monarca. Recorde-se, a propósito, que o barroco nasce como resposta católica à heresia luterana e, por isso, esse estilo não pode ser dissociado da contrarreforma, nem da doutrina do Concílio de Trento.
“Neste sentido – escreve-se no preâmbulo dessa obra – o convento palácio de Mafra inscreve-se na tradição das grandes catedrais góticas, cuja grandiosidade servia, certamente, um propósito de engrandecimento pátrio, mas também um intuito devocional. A monumentalidade destas empresas deve ser, portanto, lida e interpretada à luz da pneumatologia católica, porventura no esteio das profecias de um novo messianismo, também intimamente relacionado com o mito do quinto império, tão do agrado dos heraldos da presença lusitana em terras de aquém e além-mar. Sobre este particular, é relevante a tradicional devoção ao Espírito Santo, particularmente incentivada nas ilhas do arquipélago açoriano, também relacionada com as principais obras arquitectónicas de Ludovice.”
Se este desígnio transcendente inspirou algumas das magnas construções que se ficaram a dever ao risco de João Frederico Ludovice, também influenciou as suas construções civis, como o seu palácio em São Pedro de Alcântara, ou a sua quinta de Alfarrobeira, na freguesia lisboeta de Benfica. Com muito acertada intuição, Leopoldo de Drummond Ludovice descobriu na traça desses edifícios sinais que permitem concluir, com bastante probabilidade, uma mística afinidade com a sempre presente devoção ao Espírito Santo.
Se o Bom Jesus do Monte é uma obra tipicamente portuguesa, o mesmo já não se pode dizer do Real Edifício de Mafra, porque o seu arquitecto nasceu alemão e, só depois de uma estadia em Itália, passou a Portugal, onde foi o principal arquitecto de D. João V. Nestes tempos de construção do ideal europeu, em que as barreiras fronteiriças tendem a transformar-se em pontes de intercâmbio cultural, quem melhor do que Johan Friedrich Ludwig, aliás Giovanni Federico Ludovici, ou ainda João Frederico Ludovice, para dar nome a este ideal?! Seria bom que a Comunidade europeia, atenta a este exemplo de excepção, promovesse o conhecimento da sua personalidade e obra, na medida em que antecipou e realizou, de forma excelente, o que de melhor se fez na Europa. Não seria, porventura, o seu nome, uma excelente denominação para um prémio que galardoasse a melhor obra de um arquitecto europeu noutro país da comunidade europeia?!
Talvez alguém possa pensar que houve, na escolha destes dois monumentos nacionais, pouco respeito pela laicidade do Estado: com efeito, foram premiadas duas basílicas, ambas católicas! Até é de estranhar que uma organização internacional, como a UNESCO, em geral tão avessa à Igreja, tenha seleccionado dois templos construídos expressamente para o culto cristão. Teria sido mais politicamente correcta uma decisão que beneficiasse também grandes monumentos laicos nacionais … se os houvesse. De facto, a julgar pelo ridículo repuxo que, no cimo do parque Eduardo VII, celebra o 25 de Abril, não os há, talvez com a excepção de alguns castelos e da emblemática Torre de Belém, já declarada pela UNESCO, em 1983, património mundial. A verdade, porém, é que mesmo este monumento, essencialmente militar, de laico tem pouco.
Com efeito, o Castelo de São Vicente a par de Belém – assim foi a Torre de Belém oficialmente designada por D. Manuel I, em 1521 – conta com capela; imagens de Nossa Senhora no terraço do baluarte e num nicho exterior; de São Vicente, padroeiro de Lisboa; e de São Miguel arcanjo, também identificado como o anjo da guarda de Portugal; para além das inúmeras ameias, em forma de escudo, com a Cruz de Cristo (José Manuel Garcia, A magnífica Torre de Belém, Edição Verso da História, Vila do Conde 2014). Portugal católico, no seu melhor.
A conclusão é óbvia: o Cristianismo está na matriz e na essência da cultura portuguesa e, negá-lo, seria negar a nossa história e identidade nacional. Quer isto dizer que, se se destruíssem todos os edifícios religiosos, se se retirassem das bibliotecas nacionais todas as obras de inspiração cristã, se se banissem todas as esculturas e pinturas religiosas dos nossos museus, Portugal não seria muito diferente, culturalmente, do Sáara. Com algumas excepções, como as medonhas, embora excelentemente executadas, pinturas de Paula Rego; ou as obras da colecção Berardo que, graças a Deus, não são confessionais, nem portuguesas.
Fonte: Observador
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