A dona Idalina (nome fictício) tem 81 anos de idade, sofria de grave miopia de nascença e sempre usou uns óculos grossíssimos, precisando de ser seguida com regularidade para os ajustes necessários. Mas com a idade, além da miopia, surgiram as cataratas e já não conseguia ver bem televisão (legendas então nem pensar!).
Mas para ter uma consulta de oftalmologia, a dona Idalina precisava pedi-la no centro de saúde da sua área de residência. Como não tem médico de família atribuído, só indo ao sábado de madrugada para a porta do centro de saúde é que conseguiria ser atendida para obter uma credencial para um oftalmologista – coisa que para um jovem não é difícil, mas para alguém com 81 anos é um enorme sacrifício.
Como estava a perder a visão rapidamente e achava que precisava de novos óculos, Idalina resolveu ir a uma óptica que tinha também um consultório de oftalmologia associado, pagou 40 euros por uma consulta, donde resultou a prescrição de óculos novos que lhe custariam quase 400 euros. Mas a oftalmologista que a viu disse-lhe que ela faria melhor em ser operada a pelo menos um dos olhos, e deu-lhe uma carta para um médico do centro de saúde que a encaminharia de modo a que a operação fosse feita no SNS e não lhe custasse nada. Além disso, se ela pedisse para ser operada num certo hospital público onde ela também trabalhava, poderia ser ela a operá-la. Também lhe disse que uma operação a um olho no privado, poderia custar mais de 2000 euros.
A dona Idalina, depois disto, pediu a um filho que fosse entregar a carta no centro de saúde (podia ser que lhe marcassem uma consulta sem ter de ir de madrugada para a fila e sem certeza de ser atendida). O filho lá foi ao centro de saúde, mas a funcionária nem sequer aceitou a carta, dizendo-lhe que não abriam excepções e que, se a senhora quisesse entregar a carta a um médico, teria mesmo de ir a uma consulta ao sábado, sem garantia de ser atendida, uma vez que só havia 20 consultas e era por ordem de chegada. Havia pessoas que dormiam à porta em sacos-cama.
Claro que assim não podia ser: a pobre senhora desistiu de ir por essa via. Com grande sacrifício, mandou fazer os óculos receitados pela oftalmologista privada que também trabalha no público e tentou adaptar-se. Mas de nada lhe serviu porque continuou a ver mal. Desesperada, a dona Idalina pede ajuda aos seus dois filhos para ser operada numa clínica privada, explicando-lhes toda a situação. Logo eles se prontificaram a ajudá-la com cerca de mil euros cada.
Radiante da vida, a dona Idalina telefonou a uma clínica privada a marcar consulta de oftalmologia com vista à operação. Marcaram-lhe a consulta para dias depois, numa segunda-feira. Levou consigo a carta da oftalmologista privada que trabalha também no público e a operação foi marcada para o sábado seguinte, isto é, menos de uma semana depois da consulta. Pela consulta só pagou 25 euros porque a clínica tinha acordo com o plano de saúde associado à sua conta da luz.
A dona Idalina dirigiu-se então à recepção para saber quanto lhe custaria a operação. Foi informada que o preço de tabela era de 2300 euros, mas que com o plano de saúde só pagaria 1800 euros mais 35 euros de taxa Covid, com obrigatoriedade de um teste PCR que lá custava 100 euros, mas que num laboratório particular só custa 80. Assim fez, porque nem para isso o centro de saúde servia. Perguntou quando devia pagar e foi informada que o pagamento era feito no dia da operação e antes da realização do acto cirúrgico.
Naquele sábado, pelas 8 da manhã, chegou à clínica, pagou o valor pedido de 1835 euros, foi logo encaminhada para o bloco operatório, tendo de lá saído duas horas depois e já operada. A operação foi bem sucedida e resolveu também o problema da miopia do olho operado. Pouco tempo depois, já a dona Idalina conseguia ver bem a televisão, sem óculos, apenas com uma lente de contacto no olho não operado mas que, graças aos filhos e à clínica privada, poderá ainda vir a ser operado.
E que Deus lhe conceda muitos anos de vida – à dona Idalina, à clínica privada e aos filhos!
Henrique Sousa
Fonte: Inconveniente
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