“Quem como Deus? (“Quis ut Deus”?).
Perguntou São Miguel, erguendo a espada.
Depois lançou Lúcifer no abismo.
Caiu nos “média” ocidentais (onde nos incluímos), a notícia – se é informação ou não, já é outra história – de que os Talibãs – uma rapaziada barbuda, oriunda de universitários, que alguns apelidam de medievais – hoje no Poder em Cabul, cidade milenar e capital de um país, o Afeganistão, que os talibãs, dizia, tinham proibido as mulheres de frequentarem a Universidade.1
Para enquadrar sucintamente a questão, deve dizer-se que os talibãs estão no Poder, por causa da saída das numerosas tropas de ocupação (ou seriam outra coisa?) lideradas pelos EUA. Portugal também participou na operação durante anos, com vários contingentes militares.2
Foi a Administração Biden que, numa atitude célere e criticada a vários níveis, pôs fim à presença das tropas, que começaram por ser apenas americanas e depois se alargaram aos países da OTAN.
Já deviam estar fartinhos de lá estar e pelos vistos não conseguiram mudar grande coisa…
Convém lembrar que tal operação se desenvolveu após o chamado ataque às “torres gémeas” em Nova Iorque, em 11 de Setembro de 2001 (algo me diz que houve aqui algo de cabalístico), um evento que não parece nada bem dilucidado até hoje – tendo sido acusado um príncipe saudita, de seu nome Ossama Bin Laden, que terá planeado e ordenado o ataque que, de facto, lançou ondas de choque por todo o mundo. Também já cá não mora para contar como foi (e os seus restos estão em parte incerta, não vá o diabo tecê-las).
Como aparentemente o dito cujo estava escondido algures no Afeganistão, os EUA pediram às autoridades locais que o prendessem e extraditassem.
A recusa a tais exigências espoletou o ataque americano ao Afeganistão.
É de referir ainda que os EUA – única potência que tem capacidade para atacar nuclear e convencionalmente, qualquer país do mundo (e até na estratosfera) – accionou pela primeira vez na História, o célebre artigo 5, da OTAN e pediu ajuda aos restantes países que fazem parte da organização. Foi significativo e de grande alcance político.
Bom, voltemos à tal proibição do mulherio assentar praça naquelas instituições que dão acesso a cursos ditos superiores, logo de seguida extensiva, ao que consta, a poderem trabalhar em ONG (organizações não governamentais – aproveitadas, aliás, para todo o tipo de coisas).
Foi um coro de virgens ofendidas, de condenações, a começar pela inefável Comissão Europeia; o Secretário-Geral da ONU (“Mister Guterres”), interrogado sobre o assunto
mostrou-se “profundamente alarmado”, etc.
A “indignação” promete durar mais algum tempo (pouco).
A questão que quero levantar é esta: o que é que nós aqui em Portugal (por exemplo) temos que estar a condenar ou deixar de condenar, que as mulheres afegãs sejam proibidas de
frequentar uma Instituição antiga (a Universidade), nascida ainda no século XIII, na velha Europa e hoje transformada maioritariamente num negócio, nivelado por baixo, massificado e sem alma nem “pedigree”, frequentada por gente mal preparada, abandalhada e sem maneiras?
Nós podemos gostar mais ou menos da medida, como de outras (amputar partes do corpo, por ex.), mas que direito é que isso nos dá para a condenarmos? Já se lembraram de admoestar a União Indiana – tida como a maior democracia do mundo (deixem-me rir) por ter castas?
O fulcro da questão parece-me ser cultural, isto é, na sociedade afegã (que é mais antiga do que a que aquelas pertencem os maiores críticos) ainda se refletem costumes antigos, que
então enraizados, e que são os deles. A eles cabe evoluir ou não. Quem somos nós para nos metermos com eles, a não ser dar-lhes conselhos (se os pedirem)? O caso mudaria de figura,
obviamente, se “eles” nos quisessem impor o seu sistema. Achariam graça a isso? Bom, é o que eles devem pensar das críticas que lhes foram feitas.
Será muito diferente desta maldita “moda” de nos quererem impor a nojice das causas LGBT+ etc., e a pouca vergonha do ensino de género às crianças?!
Muitos dos problemas que se passam no mundo, têm justamente a ver com tentar impor-se modelos de comportamento, que não estão ao nível, ou são aviltantes, do grau civilizacional
dos povos onde os querem implantar. Por isso ficar à espera que o modelo democrático seja imposto no Ruanda, não parece nada que vá dar certo. Vejam bem, até o tentaram fazer na
Rússia (que tem mil anos), após a queda do muro de Berlim e vejam no que deu; o “ADN” totalitário está lá enraizado há muito…
E já repararam que nem o Estado Novo (onde havia autoridade e a lei era para cumprir) se atreveu a acabar com os toiros de morte em Barrancos (e teve a inteligência para saber tornear a questão)?
É claro que há coisas inadmissíveis, com as quais não se pode pactuar e os portugueses foram dos primeiros a tentar erradicá-las, como foi o canibalismo e o “sati” (cerimónia hindu, em que a viúva era queimada numa pira, depois de perder o marido), mas fizeram-no por razões religiosas e morais – que naquele tempo imperavam – do que de modernices relativas a “Direitos Humanos” e apenas o fizeram em regiões sobre as quais passaram a ter jurisdição.
E não deixa de ser curioso que aquilo que deu origem à Declaração Universal dos Direitos Humanos – a Revolução Francesa – tivesse triunfado após esta ter cortado a cabeça e afogado, centenas de milhar de franceses e ter lançado a Europa e parte do mundo, num dos piores períodos de guerra de todo o sempre…
Perguntem, porém, às mulheres afegãs se elas estão interessadas em ter direito a matar através da legalização do aborto, quem está para nascer, ou a “despachar” os seus anciãos, pela “eutanásia”, como passou a ser regra geral e moral, nos civilizadíssimos países ocidentais e verão qual é a resposta. Também por exemplo.
Ou então copiem a prática de fechar os olhos à pedofilia, como é usual em países (povos) do Médio e Extremo Oriente, de modo a legalizá-la por cá, como de resto, já muitos adiantados mentais defendem; ou a legalizar o casamento entre uma mulher e um cavalo, porque não? E não, não lhes estou a dar ideias…
Não percebo, pois, porque é que o senhor Guterres que preside, hoje em dia à versão moderna (e pior) da Torre de Babel, só se preocupa com umas coisas e não com outras? Sei lá, porque é que os primo-republicanos tão caros ao seu partido de estimação, não deram logo o direito de voto às mulheres, em 1911?
Como disse Camilo ao despedir-se “Que cento e nove impávidos marotos”.3
Quis ut Deus?
João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador (Ref.)
1 O início da construção do Afeganistão como país, remonta ao século IV A. C., mas deve-se considerar o Afeganistão “moderno” a partir de 1747, data em que Ahmed Sha Durran estabeleceu o seu domínio.
2 “Talibãs, (“Estudantes”) é um movimento fundamentalista e nacionalista islâmico, que se difundiu no Paquistão e, sobretudo, no Afeganistão, a partir de 1994, tendo governado cerca de três quartas partes deste país, entre 1996 e 2001. Apenas três países, na altura, reconheceram este governo, os Emiratos Árabes Unidos; a Arábia Saudita e o Paquistão. É considerado um movimento terrorista pela UE, EUA, Canadá, Rússia, EAU e Cazaquistão.
3 Camilo Castelo Branco, “Um Adeus Português”.
Fonte: Inconveniente
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