"À noite, nas Necessidades, o Conselho de Estado reunido persuade o novo Rei, Infante Dom Manuel, a afastar João Franco e a formar ministério novo. Faz-se a vontade ao inimigo, abatem-se bandeiras perante o crime. «Os regímenes sucumbem e desaparecem, menos pela força do ataque que pela frouxidão da defesa» - dirá o próprio João Franco. Resume, muito exactamente, um jornal, meses depois: - ' O Rei morreu na tarde de 1 de Fevereiro, no Terreiro do Paço. A Monarquia morreu nessa noite, no Paço das Necessidades ', precisamente quando a Realeza se erguia unida a um governo sério e forte. Eliminado da cena e lançado para o exílio o único homem de pulso, não há em torno de Dom Manuel II senão os velhos homens dos partidos, sempre envolvidos em querelas de vaidades, sempre obcecados pelo fito de conquistar o mando para si e para os seus amigos. Os partidos que aquele chamara de ‘rotativos’, aproveitam-se assim da inexperiência bem-intencionada do Infante adolescente para voltarem ao mesmo ‘regabofe’, depois dos esforços do rei e do seu 1º Ministro para fazerem de Portugal um país decente.”, escreveu assertivamente o doutrinador monárquico António Sardinha.
De facto, a noite e os dias seguintes ao hediondo Regicídio trouxeram, não um clamor de justiça e resgate pela afronta do assassínio daquelas vidas cortadas do Rei Dom Carlos de 44 anos e do Príncipe Real Dom Luís Filipe de 22 anos, mas um torpor revoltante.
‘Que País é esse onde matam um rei e um príncipe e a primeira medida que se toma é demitir o Ministério?!’, vociferou o Rei britânico Eduardo VII descontente com a responsabilização, demissão e degredo de João Franco, após o trágico Regicídio.
João Franco e o seu Gabinete foram demitidos, e se de facto, o Presidente do Conselho podia ser culpabilizado de negligência na segurança da Família Real, que quase sem escolta percorreu os 100 passos até à morte num laudau, expostos à mercê dos terroristas carbonários, e se, também, podia ter comprometido a Coroa quando levantou inoportunamente a falsa Questão dos Adiantamentos à Casa Real, não podia ser admoestado pela política que desenvolvia em consonância com o Rei - cada vez mais executivo -, pois o rotativismo partidário tornara impossível governar com o Parlamento. O afastamento do Presidente do Governo seria uma opção de consequências trágicas para a Monarquia, porque a estabilidade governamental só voltara com a reforma que El-Rei Dom Carlos I estava a empreender com o governo de João Franco que perdurou entre Maio de 1906 e Fevereiro de 1908 – antes disso, nos anos anteriores sucediam-se governos um atrás do outro.
Além disso, com a queda do Governo de João Franco Ferreira Castello-Branco as forças militares fiéis à Monarquia sofreram um rude golpe, quando o novo governo de Acalmação presidido por Ferreira do Amaral afastou o Ministro da Guerra General António Carlos Coelho V.B. Vasconcellos Porto, considerado o ‘travesseiro militar de Franco’ (Raul Brandão, Memórias, p. 227) e o Ministro da Marinha Ayres D’Ornelas – um dos últimos heróis de África ao lado de Mouzinho e Paiva Couceiro. Foi um desacerto fatal, pois o ministro da guerra e o ministro da marinha, respectivamente, para além de brio e fidelidade à Coroa, eram excelentes estrategos e possuíam um forte ascendente sobre as altas e médias patentes militares, para além de serem especialistas nessa subestimada arte das nomeações. Somam-se ainda outras tolices imputadas ao novo governo: a substituição no comando militar de Lisboa de Pimentel Pinto por Rafael Gorjão; no dia 6 de Fevereiro é revogada a Lei de Imprensa e ressurgem os jornais republicanos embargados por anteriormente terem sido acusados de incitamento à revolução, como o Correio da Noite, o Diário Popular, O País e o Liberal; em 12 de Fevereiro são amnistiados, os revolucionários do 28 de Janeiro de 1908, Afonso Costa, António José de Almeida, Egas Moniz, França Borges e João Chagas, e ainda os marinheiros implicados nas revoltas de 8 e 13 de Abril de 1906.
Deste modo, com a demissão de João Franco, Vasconcellos Porto e Ayres D’Ornelas, o novo governo assina, como primeiro Decreto, o do Fim da Monarquia!
Com o novo Gabinete Ministerial do Governo de Acalmação, no qual cabiam todos, penetravam no Ministério, além dos dissidentes Regeneradores e Progressistas, diz-se que, sub-repticiamente, os ideais republicanos, consequência das ligações sobejamente conhecidas do novo presidente do Conselho com o Clube Makavenko. Mas o governo durante algum tempo manteve uma certa estabilidade.
Todavia, consequência da demissão dos ministros da Guerra e da Marinha, a Carbonária Portuguesa, liderada por Luz de Almeida, apoiada pelo próprio grão-mestre do Grande Oriente Lusitano Unido, tendo agora terreno fértil, lançou-se no recrutamento de fidelidades nos quartéis, especialmente na Marinha.
Ao 1.º governo do reinado de Dom Manuel II, liderado pelo Almirante Ferreira do Amaral, segue-se o Governo de Sebastião Teles, apoiado por Veiga Beirão e pelos lucianistas, visando pôr ordem no exército, mas já era tarde. As chefias militares, a braços com a densa burocracia, emaranhavam-se em espessos relatórios e na sua análise, assim como da decifração de falsos e elaboradíssimos planos revolucionários idealizados pelos republicanos como engodo, sem que tomassem consciência do verdadeiro perigo: o enraizamento da Carbonária entre sargentos, soldados e marinheiros. Na Câmara Baixa das Cortes o deputado republicano António José de Almeida profere um discurso iníquo: ‘a bomba de dinamite em revolução, e em certos casos, pode ser tão legítima, pelo menos, como as granadas de artilharia, que não são mais do que bombas legais, explosivos ao serviço da ordem.’ Mas o que merecia bastão da Guarda e prisão por apelar à revolução pelo terrorismo nem sequer foi alvo de suspensão. Era a banalização da liberdade, que nada valia porque tudo permitia!
Os governos, que sucederam aos dois primeiros, avaliavam cegamente a lealdade dos militares ao regime através de sucessivas visitas a regimentos por El-Rei que era continuadamente aclamado, pois o problema não residia no Monarca de trato afável.
A 11 de Abril sucede o Congresso do Partido Republicano Português, em Setúbal, com a subida de carbonários ao Directório republicano e que termina com a aprovação do programa que prevê o derrube da Monarquia pela via revolucionária.
Segue-se o Governo de Wenceslau de Lima, mas que sofre forte oposição do despeitado José Luciano de Castro, que o apelida de valido de Teixeira de Sousa e qualifica o Gabinete como o governo da Politécnica do Porto.
Talvez por ser a época de maior liberdade que Portugal gozou, com censura inexistente - lembremos só as caricaturas de Bordallo Pinheiro - e total liberdade de expressão, verifica-se uma forte propaganda republicana em que se insulta o Rei por panfleto e escrito impresso através de pasquins como A Cartilha do Cidadão da Carbonária, e revistas como a Alma Nacional - dirigida por António José de Almeida – e dos mais diversos jornais criados com esse propósito; relembre-se o dito do republicano Brito Camacho: ‘quanto mais liberdades nos derem, mais delas usaremos contra eles’. A propaganda republicana demagógica assentava em mentiras descaradas.
A rede de serviços de informação da Monarquia Constitucional era assegurada pela pouco eficaz Polícia Preventiva, especialmente após a demissão do Juiz Veiga, à qual escapou primeiro o Regicídio, depois, os engenhos artesanais de João Borges, do Valle e do Manuel Ramos, o recrutamento da Carbonária nos quartéis, os tumultos e a organização da comissão militar republicana para o derrube da Monarquia.
No Exército e na Marinha contínua o vazio de fidelidades que já vinha da deposição de Vasconcellos Porto e Ayres D’Ornellas - esta quebra da estratégia reformista levou à confusão, ao imobilismo e à deserção para as hostes carbonárias, que alcança o perigoso número de 20 mil primos. A Carbonária era uma organização política, mas de cariz armado, uma espécie de brigada de artilharia, terrorista e secreta, inimiga da Monarquia, do clero e das congregações religiosas. Oficialmente, foi fundada em 1898 e o seu líder, desde 1900, era Luz de Almeida. Era paralela da Maçonaria, embora sem ligações orgânicas à Maçonaria Portuguesa ou outras Obediências Maçónicas, não obstante ter utilizado algumas lojas do então Grande Oriente Lusitano Unido para aquartelar os seus órgãos superiores, e colaborado oficialmente com esta Obediência para a tentativa de revolução republicana falhada de 28 de Janeiro de 1908 - conspiração urdida pelos republicanos, pela Carbonária e pelos dissidentes progressistas -, para o Regicídio de 1 de Fevereiro de 1908, e, depois para a implantação da República. A Carbonária impunha aos seus filiados que ‘possuíssem ocultamente uma arma com os competentes cartuchos’.
Entretanto, atiravam ao Monarca Dom Manuel II as culpas que eram dos políticos e do sistema que os últimos foram viciando, de sorte que, por parte do rotativismo partidário nos últimos tempos da Monarquia não havia senão interesses e nenhuma sincera dedicação à Coroa – especialmente com a partida forçada de uns poucos aptos e dedicados ao Rei e à Monarquia. Todos diligenciavam as suas comodidades e agenciavam o seu sossego e ninguém dentro do sistema estava disposto ou tinha coragem para sacrificar a vida pela bondade do regímen e do Monarca.
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