O Duque de Bragança, SAR D. Duarte Pio, recebeu no início da semana, em Macau, o Prémio do Património para a Paz, galardão atribuído pela Fundação Sino-Phil Asia International, que distingue o contributo que deu à autodeterminação do povo timorense. Durante a breve passagem por Macau e por Hong Kong, o chefe da Casa Real Portuguesa fez questão de acompanhar a procissão de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos e de visitar o Club Lusitano. D. Duarte Pio em entrevista a’O CLARIM.
O CLARIM – Acaba de ser distinguido pela Fundação Sino-Phil Asia International com o Prémio do Património Para a Paz. Que significado atribui a este prémio, ainda mais tendo a cerimónia decorrido em Macau?
DOM DUARTE PIO – Quando me disseram que me queriam atribuir o Prémio e que estavam a pensar fazê-lo nas Filipinas, onde os demais prémios foram atribuídos, eu pedi que a cerimónia fosse conduzida em Macau, porque achei que era mais interessante do que sendo nas Filipinas.
CL – Como é que convive com esta distinção de pacificador, de obreiro da paz? Não é para todos…
D.D.P. – Eu descobri que a minha posição familiar, de representante da Casa Real Portuguesa, tem um grande impacto, em todo o caso nos países lusófonos e em geral na Ásia e em África, nos países onde ainda prevalecem monarquias fortes. Por exemplo, na Tailândia fui convidado pela Família Real, dado que possui por si só alguma relevância. Lembro-me, por exemplo, de que quando estive no Japão fui fazer uma visita ao Imperador e o Imperador, na despedida, veio comigo à porta de casa. O “chauffeur” do hotel, que me tinha ido levar, ficou tão impressionado que telefonou para a direcção e quando chegámos ao hotel estavam os responsáveis todos à porta para me cumprimentar, porque eu tinha sido cumprimentado pessoalmente pelo Imperador. Depois acabaram por dar ordem para mudar o meu quarto, porque eu tinha procurado o quarto mais barato que havia naquele hotel, porque era um hotel bastante caro. Puseram-me numa suíte pelo preço do quarto mais pequeno. Mas isto ajuda muito, esta posição familiar. Depois, de facto, há as minhas posições pessoais, que em geral, as pessoas de bom senso – algumas podem não concordar, mas pelo menos aceitam – consideram que são válidas. Por isso é que eu sou muito bem aceite, por exemplo, desde o Partido Comunista até aos meios, enfim, mais conservadores. Por exemplo, o meu visto para entrar na Indonésia, que era necessário para ir a Timor, diz “Rajah de Portugal”, e os rajás indonésios são pessoas muito importantes ainda. Representam as antigas famílias reais indonésias. E isto de ser rajá de Portugal dá-me logo uma facilidade de contactos de alto nível que outras pessoas não têm.
CL – É um facto que em relação a Timor-Leste, D. Duarte antecipou de certa forma esta causa, que só depois se tornou uma causa de todo o Portugal…
D.D.P. – Porque os políticos tinham desistido. Achavam que não se justificava continuar em conflito com a Indonésia por causa do caso de Timor, sobretudo quando os Estados Unidos já estavam alinhados com a Indonésia, não estavam contra. Esqueceram-se que, em primeiro lugar, o papel de um governante português é proteger Portugal, muito antes de qualquer outro papel que possa ter. Proteger politicamente, militarmente, economicamente e de todas as maneiras. E isto é algo que muitos políticos, simplesmente, esquecem. Isto, por um lado. Por outro, eu podia ajudar muito mais os nossos Governos se eles aceitassem, exactamente por causa da facilidade de contacto. O único país, digamos importante, que eu não visitei – e tenho algumas dúvidas se vou visitar – é a Coreia do Norte.
CL – Visitou Macau em períodos diferentes. Como vê a evolução do território ao longo dos anos?
D.D.P. – Sim. Há aspectos que são sempre delicados. Por exemplo, eu acho que se devia ter evitado, e devia-se evitar para o futuro, deixar construir demasiado, pelo menos na Península; e se houver construções a fazer, seria preferível fazê-las nas ilhas ou onde entendessem melhor, mas não na parte histórica da cidade. Isso é um cuidado que seria importante ter. No entanto, é notável que políticos que não têm nada que ver com a História de Portugal tenham manifestado este cuidado de preservar, também, o património cultural de Macau.
CL – Património que não é só património físico…
D.D.P. – Não, não. Património espiritual!
CL – Fez questão de participar na procissão de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos…
D.D.P. – É muito emocionante e é muito interessante ver que uma procissão que em Portugal existe há séculos e que aqui existe há mais de quatrocentos anos, continue a ter uma expressão espiritual tão forte. Havia uma rua inteira cheia de gente a seguir a procissão. A devoção a Cristo e à Virgem Maria é algo que, felizmente, os nossos antepassados souberam introduzir aqui de maneira profunda e que ficou até hoje. Muitas das pessoas que vi na procissão, foi-me explicado que nem sequer eram católicas. Eram budistas, eram taoistas ou protestantes, mas para elas é muito importante participar.
CL – Esta componente religiosa, esta componente do Catolicismo, faz parte também do legado que Portugal deixou ao mundo?
D.D.P. – Bem, é o principal e é o pretexto ou o motivo pelo qual os Reis de Portugal se aperceberam que tinham a obrigação de levar essa fé para o mundo. Primeiro, o pensamento do Rei D. Dinis e da Rainha Santa Isabel, depois a ideia do Quinto Império, que era um império espiritual, não era um império político, pois o papel de Portugal não era o de criar um império político, mas desenvolver o Império do Espírito Santo no mundo. Por isso é que, se repararem bem, praticamente não há conquistas portuguesas no desenvolvimento do Império. É tudo por alianças, por acordos. As únicas guerras que tivemos foram contra-ataques, quando fomos atacados, sobretudo pelos aliados dos turcos, do Império Otomano.
CL – Uma última questão, que é também uma pequena provocação. Foi acompanhado neste périplo a Oriente pelo seu filho, D. Dinis, Duque do Porto. Se Portugal fosse uma monarquia, o seu filho mais velho, D. Afonso, seria o próximo Chefe de Estado. Acredita que um dos seus filhos pode vir a ser Rei de Portugal?
D.D.P. – Depende do raciocínio lógico dos portugueses. Se pensarmos com lógica, em Portugal, se procurarmos perceber que instituição funciona melhor hoje em dia na Europa e no mundo, se são os regimes republicanos ou as monarquias, basta comparar. Monarquias com problemas de desonestidade a nível governamental há muito poucas. É muito raro! E em geral são problemas secundários. Repúblicas que não são democráticas e que são muito corruptas, uma grande parte delas.
Fonte: O Clarim
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