Amigos, se tivermos sorte, se o altíssimo assim quiser, se o belzebu cancerígena for pregar para outra freguesia, nós vamos comemorar o 900.º aniversário de Portugal. Em 2043, Portugal vai fazer 900 anos. Este meia-leca à beira-mar plantado vai assim cumprir nove séculos de impertinente soberania. Na ONU, se os países fossem ordenados pela antiguidade, Portugal só seria suplantado pela China e Inglaterra. E se o critério fosse a imutabilidade das fronteiras, então, até os chineses teriam de se curvar perante o ancião tuga. Isto, meus amigos, conta. A idade é um posto. E, reparem, eu não estou a invocar a ladainha manuel-alegrista da 'missão universal'. Nada disso. Estou apenas a falar desta calma serena, desta paz que nasce da simples constatação: estamos aqui há 900 anos. Quando lhe resta um mísero século para atingir um milénio de existência, um país deixa de ser um país e passa a ser uma civilização, essa coisa que funde a história com o mito. E Portugal é uma civilização. Confusa, caótica e suicidária, mas uma civilização.
Esta idade milenar devia encher de orgulho os portugueses. Afinal, não é todos os dias que uma nação atinge esta idade profética, chinesa, bíblica. Ora, se bem repararam, eu escrevi "devia encher de orgulho", e não 'enche de orgulho'. Por que razão fiz isso? Porque os portugueses, na verdade, estão desligados da fundação do seu próprio país. Portugal foi fundado em 5 de Outubro de 1143. Sim, não me enganei no dia. Portugal foi fundado num mui medieval 5 de Outubro, o mesmo 5 de Outubro do golpe de Estado que implementou um regime antidemocrático e violento vulgarmente conhecido pelo eufemismo de 'I República'. Como já perceberam, estas contas querem dizer uma coisa: na terça-feira, Portugal fez 867 anos, mas a nossa elite comemorou os 100 anos de um golpe de Estado.
Ao comemorar o 5 de Outubro de uma certa esquerda e não o 5 de Outubro de todos os portugueses, a III República está a privilegiar um regime em detrimento do país. E é um absurdo esta coisa de comemorarmos uma ideologia enquanto desprezamos a fundação de Portugal. O país é anterior às ideologias. O país precede os regimes. Os regimes e as ideologias existem para servirem o país, e não o contrário. Ao celebrar 1910 em vez de 1143, a III República está a dizer que Portugal existe para servir a ideologia da esquerda jacobina. Para a nossa classe dirigente, a ideologia da Lisboa carbonária é mais importante do que o país. E isto, meus amigos, é imperdoável. É imperdoável que 16 anos de caos e violência (1910-1926) sejam mais importantes do que 900 anos de história. Imperdoável. Mas, calma, amigos: em 2043, fazemos contas com esta amnésia jacobina.
PS: não, não sou monárquico. Mas também não sou parvo.
Fonte: Expresso
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