sábado, 9 de outubro de 2010

Cem anos de mentira

Não podia ter calhado melhor este centenário de comemorações da república, que para alguns é também o centenário da resistência monárquica ao estado desta república. República esta que nos ofereceu a I república, um dos períodos mais negros da nossa história e posteriormente o Estado Novo, objectivamente o período mais negro da nossa história recente - em cem anos de regime que alguns agora comemoram tivemos mais de metade de anarquia e de ditadura, e é triste verificar que os historiadores do regime nada dizem sobre o assunto, limitando-se a fazer a apologia de ideais sobre uma chefia do estado que nada tem de ideológico.

Hoje sabemos que estamos em crise profunda, e temos a noção que esta crise não apareceu do nada, nem nos chegou via correio internacional dos E.U.A. ou do BCE. Sabemos que a crise que vivemos teve responsáveis, foi fruto de más práticas de gestão da coisa pública, logo foi essencialmente fruto dos políticos que nos governaram nas últimas décadas. Políticos que nos governaram em república, com um chefe de estado, ou seja, o mais alto magistrado da nação e o nosso supremo moderador, comprometido com os partidos, com as influências financeiras e com todos os outros lobbys. E não falo de nenhum presidente em concreto, falo de todos - não houve na história da república nenhum presidente independente, que moderasse a nação acima dos interesses dos partidos que o ajudaram a eleger, dos interesses económicos que financiaram a sua campanha e das personalidades e amigos que o fizeram subir na vida política e lhe permitiram chegar à presidência da república.

Neste regime em que vivemos está tudo comprometido com as más práticas políticas que infelizmente afundaram o nosso país, as nossas empresas e principalmente as nossas famílias. Este comprometimento vai da Assembleia da República até à Presidência da República, passando pelos conselhos de administração das grandes empresas e pelos gestores públicos com honorários que envergonham aquilo que devia ser um estado de direito democrático. No meio de tudo isto ninguém consegue dizer basta. Nem mesmo o chefe de estado consegue ser o timoneiro de uma mudança das práticas políticas, isto por apenas um motivo: o Presidente da República é o primeiro nesta teia de compadrio e comprometimentos.

Comemorar a república neste 5 de Outubro é o mesmo que baixarmos os braços e aceitarmos o estado a que o nosso país chegou, é negarmos às próximas gerações o direito a serem felizes e a serem bem governadas por políticos sérios, que sejam moderados por um chefe de estado isento, com um sentido de missão patriótica e que esteja acima dos interesses partidários, pessoais e financeiros que nos fizeram chegar até aqui. Cem anos de regime, devem merecer da parte de todos pelos menos cinco minutos de reflexão.

João Gomes de Almeida

Fonte: Real Associação de Lisboa

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