Passadas as conquistas de Abril, as alegrias da modernidade e as patacas da Europa, chegou a hora da realidade e das contas. Porque, apesar da retórica dos ‘estadistas’ que se sucederam à frente dos pátrios destinos em quarenta anos de regime não há almoços grátis.
Veio tudo ao mesmo tempo: a crise internacional e a interna, a confusão do euro e os escândalos de figuras e figurões da política. Percebeu-se que a globalização também globalizou crises e prejuízos; que os alemães querem mandar nos nativos; que alguns políticos democráticos, eleitos, roubam mais e são mais incompetentes que os oligarcas do fascismo.
Não sei se, como dizia o desolado Herculano, «isto dá vontade de morrer». Mas já não dá vontade de rir, e chorar não vale a pena. Mas indigna ver a mesma gente que foi conduzindo o país a enganar os desgraçados que lhes davam os vivas e os votos, a lamentar-se, a culpar os ‘mercados’ e os anglo-saxões das nossas desgraças.
E há os que, para a cura, querem o reforço do vírus que trouxe a doença. Neste caso, mais Europa, mais integração. Em vez de nos sujeitarmos temporariamente às inspecções da troika e arrumar as contas sob o controle dos credores, vamos mesmo pôr-nos nas mãos deles e entregar a gestão das finanças e da política do Estado português a Berlim e a Bruxelas. Ser uma ‘taifa’, um protectorado, com os políticos locais cipaios do novo Reich.
O mais espantoso é que aqueles que respondem aos protestos com a cara sábia e cínica das inevitabilidades trágicas, são precisamente os mesmos que indicaram e prepararam estes caminhos, como caminhos de esperança e de salvação.
Eram eles – todos – que nos diziam que a África e o Atlântico não passavam de mitos ‘medievais’ e obsoletos; que a Europa era o nosso destino manifesto; que entrar para este clube de gente rica e próspera, era a felicidade.
Agora quando a senhora Merkel, com o seu ar de dona de casa da Avenida de Roma lhes corta os subsídios, quando os homens das Regiscontas inspeccionam as imparidades bancárias, quando se vai chegando à conclusão que não há nada para ninguém, o que é que fazem?
Fazem muitas coisas, de manifestações a introspecções, de tiradas à ‘pai nobre’ a lamentações. Com o ar do incendiário que se mete na fila dos bombeiros com o balde de água, solícito e aos gritos enérgicos de orientação.
E propostas. Uma das coisas que querem é reduzir os feriados. Óptimo. Eles, os inventores das ‘pontes’ (além da Ponte 25 de Abril), dos carnavais, do crédito para férias. E que feriados políticos querem sacrificar? O 5 de Outubro e o 1.º de Dezembro. O 5 de Outubro é um feriado político, ideológico como o do 25 de Abril. Equivaleriam ao 28 de Maio, se o Estado Novo tivesse querido comemorar a sua instauração.
Mas o Primeiro de Dezembro, não havendo um dia da Independência da Fundação ou o 14 de Agosto, dia de Aljubarrota, é o dia da independência de Portugal, o dia da libertação do país da tutela da Espanha.
Foi um esforço corajoso, com grandes riscos (os conjurados de 1640 se perdessem acabavam na forca ou no cadafalso, segundo a condição social e desgraçavam as famílias) e que foi depois coroado com uma inteligente acção política, militar e diplomática. E graças a ele Portugal existe.
As comunidades vivem de mitos e de ritos, que as identificam, individualizam, tornam solidárias e independentes.
O dia da Restauração – celebrando o 1 de Dezembro de 1640 – é o nosso dia da Independência.
Acabar com ele é – simbolicamente – reduzir a independência nacional a zero.
Naturalmente é isso mesmo que eles acham. E querem.
Jaime Nogueira Pinto
Fonte: SOL
Sem comentários:
Enviar um comentário