As razões de uma irresolúvel incompatibilidade
A extensão portuense da Universidade Católica Portuguesa, ao apadrinhar o lançamento de uma obra maçónica, que ocorreu nas suas instalações, cometeu um acto de uma enorme transcendência mediática, de que fez eco um artigo de opinião publicado num jornal de referência. Se é de crer que só se convida para casa própria quem se tem por amigo, não deixa de ser preocupante este estranho compadrio da Universidade Católica Portuguesa portuense com a maçonaria, tanto mais quanto o derriço não se ficou por esse acto de aparente cumplicidade e ameaça avançar para um congresso sobre as relações entre a Igreja e a maçonaria.
A maçonaria fez saber, pela voz do autor do referido artigo, a finalidade que pretende alcançar nesse congresso: «estudar seriamente, sem anátemas nem preconceitos recíprocos, hoje em vias de ser superados, as causas e as consequências dos mal-entendidos, até um passado muito recente, entre duas formas convergentes de espiritualidade». Não deixa de ser curiosa a condição prévia que a maçonaria impôs à discussão: a exclusão, a priori, de quaisquer anátemas, ou condenações. Portanto, se a Igreja corresponder ao convite maçónico, deverá aceitar também esta mordaça à sua liberdade: não é um congresso para estudar ou debater livremente a questão proposta, mas uma mera encenação para a já programada aprovação da maçonaria pela Igreja.
Registe-se a contradição: pretende-se uma discussão sem preconceitos, mas impõe-se à partida um preconceito maçónico, qual é o de entender que a incompatibilidade entre as duas instituições é um mero mal-entendido. O beco onde a maçonaria quer meter a Igreja não terá outra saída que não seja a de cumprir uma inevitabilidade histórica, qual seria a superação dos seus próprios preconceitos e mal-entendidos, em relação a uma «espiritualidade convergente», como seria a maçónica. É óbvio que, onde se afirma a superação de preconceitos, deve entender-se a alteração da doutrina da própria Igreja.
Note-se ainda que, segundo o mesmo maçon, esses preconceitos e mal-entendidos estariam «hoje em vias de ser superados» e chega mesmo a dizer depois, contradizendo-se mais uma vez, que são coisas «de um passado muito recente». Mas, se são obstáculos que estão «hoje em vias de ser superados», o que é manifestamente falso, como podem ser simultaneamente coisas «de um passado muito recente»?! E, se não são coisas do passado e, portanto, subsistem razões de peso que impedem uma impossível aprovação da maçonaria pela Igreja, como partir para o debate sério se, a priori, se exclui a eventualidade de reconhecer essa incompatibilidade e, portanto, a pertinência das correspondentes sanções? Mais uma vez se vê que a maçonaria não quer a verdade, mas comprar o silêncio da Igreja e, já agora, a sua bênção.
Nem o Concílio Vaticano II nem o «Bom Papa João XXIII» alteraram em nada o discurso e a prática da Igreja em relação à maçonaria, ao contrário do que, numa infeliz manobra de desinformação, se pretendeu insinuar no texto em análise. Pelo contrário, o Código pós-conciliar reiterou, em termos inequívocos, a total incompatibilidade entre a fé cristã e o ideário maçónico, reafirmando que os fiéis que pertencem a associações maçónicas estão em estado de pecado grave ou mortal e, por isso, não podem receber a comunhão eucarística. Incorrem também numa pena justa, sem que se exclua a excomunhão.
Insiste-se no diálogo e aponta-se o exemplo precursor de D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, que se entrevistou com Raul Rego, que viria a ser grão-mestre da maçonaria. Contudo, ao contrário do que se supõe, do diálogo não se infere qualquer aprovação: Cristo também dialogou com escribas e fariseus, sem nunca deixar de condenar a sua hipocrisia. Não consta, por outra parte, que D. António Ferreira Gomes tenha emitido nunca qualquer juízo de valor positivo em relação à maçonaria, e, mesmo que o tivesse feito, nada poderia daí concluir-se, porque a opinião de um bispo nada vale se for contrária à fé da Igreja. Com efeito, bispos houve que foram hereges e apóstatas, nomeadamente por pertencerem à maçonaria.
Bem lhe fica à maçonaria reconhecer que a lei de 1935, contra as associações secretas, lhe diz directamente respeito, assumindo assim o seu carácter sigiloso. Não lhe ficaria também mal afirmar que essa sua natureza secreta impede, ainda hoje, um conhecimento cabal do fenómeno maçónico, muito embora o que dos seus princípios e praxes se saiba seja mais do que suficiente para concluir, como fez recentemente o cardeal Paul Poupard, a total e absoluta incompatibilidade entre a fé cristã e o ideário maçónico. Impondo-se ao maçon, no rito de iniciação, com solene juramento e promessa, a obrigação grave de «não revelar nunca os segredos e mistérios da maçonaria» e de «não dizer, nem por qualquer forma divulgar, o que puder ver e ouvir, ou acidentalmente descobrir dentro ou fora das assembleias maçónicas», é óbvio que não cabe «estudar seriamente» a realidade da maçonaria e as suas relações com a Igreja a partir das declarações dos próprios maçons, dado o secretismo a que estão obrigados.
Dois séculos e meio de perseguição maçónica à Igreja em Portugal - do marquês de Pombal até à actualidade, passando por Afonso Costa e pelo «Latoeiro», que perseguiu e encarcerou os pastorinhos de Fátima - chegam e sobram para que se conheça «seriamente» a relação entre a Igreja e a maçonaria. Contra factos, não há argumentos: um congresso sobre o tema, com participação maçónica e na Universidade Católica, só poderia servir os interesses dos que agora pretendem branquear a sua história e ignorar mais de duzentos e cinquenta anos de intolerância e de anticlericalismo. Não seria razoável que a Igreja, através do pólo nortenho da Universidade Católica Portuguesa, se disponibilizasse para colaborar nessa farsa hipócrita. À Esposa de Cristo, mais do que à mulher de César, não lhe basta ser honesta, precisa também de parecê-lo aos olhos da opinião pública.
Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada
Livro: Histórias e Morais
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