terça-feira, 12 de junho de 2012

Haja paciência


Passou mais um dia de comemorações oficiais do 10 de Junho e quem tenha escutado os discursos de ocasião, poderia pensar serem os oradores gente acabada de chegar à politica e completamente isenta quanto a responsabilidades. Ao contrário da maioria dos agentes políticos, os portugueses são pacientes e a tudo se têm sujeitado, agarrando-se à esperança de um melhor porvir. Não se trata de desinteressa ou de uma proverbial moleza que alguns nos apontam. Existe aquele sentido das realidades que pelo contrário, totalmente falta a quem devia ser um exemplo a seguir pela comunidade. Alguns "indignados" políticos enchem o peito e invariavelmente proferem aquela frase própria da adolescência e que sumariamente diz "exijamos o impossível".
Portugal passou por crises tremendas e quase fatais, fossem elas financeiras, económicas ou decorrentes de intervenções estrangeiras, essas sim, intoleravelmente humilhantes e a que o país deu a devida resposta. Estamos hoje numa situação distinta das demais, sublinhando-se a evidência da falta do Império que outrora servira para o jogo diplomático dos governos de Lisboa e onde era possível encontrar uma alternativa para diversos problemas que afligiam o pequeno rectângulo. O Império era mesmo a justificação para a teimosa persistência da soberania do Estado. A ele já não podemos recorrer, seja como válvula de escape para os cíclicos períodos de desemprego, ou para o fornecimento de matérias primas que invariavelmente privilegiavam um sistema em que o erro se institucionalizava sob a forma da autarcia. Há cento e vinte anos, os mesmos que oportunamente organizaram a "indignação" nacional pelo Ultimatum, foram precisamente aqueles que poucos anos decorridos e perante a bancarrota, sugeriam um "vendam-se as colónias!", num daqueles brados que hoje poderiam traduzir-se das mais variadas formas e entre as quais "os ricos que paguem a crise!" faz escola.
Os acordos de adesão à então CEE, foram um desastre que alguns - entre os quais sobressai S.A.R. o Duque de Bragança - anunciaram, advertindo os surdos agentes políticos para a futilidade da entrada portuguesa na Comunidade, sem que o tecido empresarial e os sectores tradicionais da nossa produção fossem devidamente acautelados. Foi uma adesão política e poucos terão a necessária coragem para acusar o desastre. Optou-se pelo caminho fácil do betonismo - "ainda não temos auto-estradas!" - que logo teria reflexo na especulação imobiliária e respectivas bolhas que mais tarde ou mais cedo trariam o país a uma situação que bem conhecemos. Ao contrário dos espanhóis, o mesmo se passou quanto ao sempre citado mar, abandonando-se as frotas mercante e pesqueira. Um país de turistas como é Portugal, não possui uma companhia de navegação digna desse nome e já há muito não existem os paquetes hoje popularizados pelos cruzeiros de massas e que em Lisboa têm um ponto de referência. O mesmo poderemos dizer quanto a outros sectores da nossa vida económica e há ainda a acrescentar um correspondente crescer da corrupção que os dinheiros europeus trouxeram e o enraizar de um vergonhoso sentimento de impunidade que corrói a sociedade. Todos recordamos a proliferação de cursos falsos e promovidos por entidades que jamais dedicaram uma hora que fosse à formação, vendo as respectivas contas bancárias engordarem de forma escandalosa. O próprio Estado enveredaria por esse tipo de feira de farturas, fazendo multiplicar gabinetes e institutos de obscura competência e sem qualquer outro argumento válido que não fosse a colocação dos "fiéis da casa".
Não há dinheiro e quem no-lo empresta, exige garantias. Poderá ser fácil dar alguma atenção e satisfazer os instintos recorrendo a frases ocas ou a exigências deste mundo e arredores, mas a verdade é que jamais o país esteve tão só e desorientado. Já chegámos ao ponto em que se pondera a institucionalização da indecência como forma de organização social. Caímos numa armadilha mortal que não se circunscreve à desnecessária loucura que foi a entrada no Euro e há que afirmar sem qualquer rebuço, a insólita situação de totalmente nos encontrarmos à mercê dos estrangeiros. Se é certo ser agora um tempo para várias globalizações - não existe apenas uma -, também há que afirmar a imperiosa necessidade de corrigirmos erros crassos cometidos durante os últimos trinta anos, entres os quais a "integração ibérica" consistiu numa flagrante falta de visão e total inconsciência política.
Talvez ainda estejamos a tempo para um lento, doloroso mas desejável renascer, mas para isso é necessária a calma e paciência que apenas confirmarão a solidez desta nação e do seu Estado.
Existirá talvez uma alternativa, mas a população não está preparada para a mesma, pois envolve países não europeus.
 Nuno Castelo-Branco 

Fonte: Estado Sentido 

1 comentário:

Carlos Gomes disse...

Salvo erro, as companhias da marinha mercante foram extintas precisamente no ano anterior à assinatura da adesão de Portugal à CEE, o que parece sintomático!...