domingo, 3 de junho de 2012

Nada é novo, só a ignorância


Estava Portugal; mas não estava;
Jazia Portugal; mas não jazia:
Que o estado e o sepulcro em que se achava
De vida nem de morte lhe servia.
Para sofrer, a vida sustentava,
Para viver, da vida carecia,
Provando cada instante em triste abismo
Um golpe, uma ruína, um paracismo.

(Vicente Gusmão Soares, Lusitânia Restaurada, 1641)

Ao consultar ontem pela noite os Poemas Narrativos Portugueses, de Cabral do Nascimento, uma dessas pequenas grandes obras que desterram para os confins do ridículo e da pobreza aquilo que se vai fazendo pelas universidades portuguesas, dei com a oitava que acima transcrevo. A ruína mortal, o abandono, a iminência do abismo. Assim era em 1640; assim o é no presente. Para quem lida com documentos de velhas chancelarias, com memórias e velhos textos literários - isto é, para quantos não perdem tempo com os senhores jornalistas e os plumitivos que adornam os escaparates das livrarias - nada do que hoje enche de medos e ódios os nossos pobres e tolos contemporâneos é motivo de surpresa. A história não se repete, é certo, mas os homens são sempre os mesmos. Às trevas e ao abismo sucederão o renascimento e a ascensão. Tudo está nas mãos dos homens. Que os haja, com o mínimo de amor-próprio de quem não quer ser escravo para sempre. Voltaremos a fugir às mão da morte. Basta que acordemos e não queiramos viver mais nesta apagada e vil tristeza.
 
Miguel Castelo-Branco