Do ponto de vista historiográfico, a história
da diplomacia portuguesa é uma lástima. Excepção feita ao clássico Biker, ao
esforçado Brazão, ao importante Borges de Macedo, assim como aos contemporâneos
Isabel Cluny, António Vasconcelos de Saldanha e Abílio Diniz da Silva, tudo está
por fazer, pois se estudos monográficos esparsos existem - sobre períodos,
relações bilaterais e figuras - falta uma obra magna que permita uma compreensão
latitudinal das constantes da nossa política externa, para lá das
generalizações, da repetição de topos e da mera verbalização. O tentame de
Soares Martinez é um nado-morto, pois nada acrescenta ao rememorar de actos
diplomáticos há muito referidos com propriedade pela historiografia geral, de
Fortunato de Almeida a Veríssimo Serrão. Quem trabalha em assuntos relacionados
com a história das relações externas de Portugal, saberá do que falo. Para lá
das excepções aludidas, o investigador tem de se debater com os caixotes das
Necessidades, da Torre do Tombo e do Arquivo Histórico Ultramarino, dédalos de
silvas jamais desbastadas. Como em tantas outras áreas das Ciências Sociais e
Humanas, no caso vertente os trabalhos sobre relações internacionais são um
oceano de "teorias", "conceitos", "escolas" - tudo regado a Nozik, a Hayek,
Rawls, moda actual depois de esgotados Habermas e Foucalt - mas trabalho de mina
(de biblioteca, de arquivo) nada.
No ano em que se celebram os 300 anos das Pazes
de Utreque e das missões aí despachadas para entabular negociações com vista ao
termo da Guerra da Sucessão de Espanha, nomeadamente as do Conde de Tarouca e de
D. Luís da Cunha, a Biblioteca Nacional preparou uma exposição e um colóquio
sobre o homem e a obra daquele que é, sem dúvida, o maior expoente da diplomacia
portuguesa.. Visionário e inspirador remoto da ideia de um Portugal liberto do
rectângulo peninsular - defendeu a transferência da capital do Reino para o
Brasil - pensador ousado e reformista, adepto entusiasta do predomínio da
aristocracia (que entendia como meritocracia), coube a este homem de excepção,
ouvido pelas cortes, conselheiro e hábil defensor dos interesses da Coroa,
transformar uma derrota militar numa vitória de Portugal em Utreque. Um exemplo
inspirador para os dias de hoje.
Miguel Castelo-Branco
Fonte: Combustões
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