quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O último discurso da Coroa de S. M. El-Rei D. Carlos I (1906)


Dignos Pares do Reino e Senhores Deputados da Nação Portuguesa:

No cumprimento do Meu dever de Rei Constitucional venho hoje abrir uma nova época legislativa, felicitando-Me por poder consignar perante os representantes da Nação a cordialidade das relações de Portugal com todas as outras potências.

Com algumas delas existem, dependendo da aprovação parlamentar, convenções e acordos de interesse recíproco sobre que oportunamente tereis de deliberar; com outras estão pendentes negociações para a realização de tratados de comércio.

Tendo sido dissolvida a Câmara dos Senhores Deputados, procedeu-se a novas eleições gerais, aprazendo-Me constatar a perfeita ordem e inteira liberdade com que foram realizadas.

Na execução do seu programa político e administrativo, cujo desenvolvimento na parte dependente do Poder Legislativo sucessivas propostas de lei irão acentuando, o Meu Governo começará por vos apresentar importantes medidas que carecem da vossa atenção e estudo. Assim, à proposta de lei aprovando o contrato provisório celebrado com a Companhia dos Tabacos de Portugal, que, pela urgência do assunto, vos será em primeiro lugar apresentada, seguir-se-ão, como bases fundamentais da regularização da administração pública, as propostas de lei sobre responsabilidade ministerial e reforma da contabilidade, procurando assegurar por esta forma a ordem moral e material nos serviços do Estado.

Pela pasta do Reino, na parte propriamente administrativa e política, vos serão apresentadas propostas: - reconhecendo a urgência da reforma de alguns artigos da Carta Constitucional e Actos Adicionais; estabelecendo um novo regime eleitoral, com o regresso ao sistema dos círculos uninominais, alargamento da elegibilidade aos membros das classes trabalhadoras e entrega do recenseamento e das operações eleitorais ao Poder Judicial; remodelando o Juízo de Instrução Criminal, de forma a tornar eficaz a responsabilidade dos seus funcionários e instituindo o princípio da instrução contraditória; dispensando a autorização do Governo para o prosseguimento dos processos criminais contra funcionários; garantindo a liberdade de associação; e abolindo os passaportes, excepto para os emigrantes.

Ainda pela mesma pasta, no capítulo da instrução, a que o Meu Governo dedica o maior interesse, vos serão submetidas duas propostas de lei: - tendo uma por fim a reorganização dos serviços da instrução pública na sua parte directiva e dando ao Conselho Superior uma acção mais larga e eficaz, tanto na organização do ensino como na escolha e garantias do professorado, e à Universidade de Coimbra, às escolas superiores e ainda a outros institutos principais de ensino uma autonomia e independência não só pedagógica, mas económica; - e ficando, pela outra, autorizado o Governo a mandar ao estrangeiro, para complemento da sua instrução não só os estudantes pobres que hajam dado provas distintas de capacidade e aplicação, mas também os professores primários e de algumas disciplinas do ensino secundário que se mostrem especialmente aptos para adquirirem o conhecimento e prática dos melhores processos pedagógicos.

Pela pasta da Justiça, além da lei de responsabilidade ministerial, ser-vos-á apresentada uma proposta assegurando melhor a independência do Poder Judicial, separando as duas magistraturas - Judicial e do Ministério Público - e fazendo reverter para o Estado as custas dos processos criminais em Lisboa e no Porto, com a respectiva compensação para os magistrados e empregados de justiça. Também pela mesma pasta vos serão presentes medidas reformando a lei de liberdade de imprensa, remodelando a legislação actual sobre delitos de anarquismo, e estabelecendo um processo especial para a cobrança das pequenas dívidas.

Não descura o Meu Governo o progressivo aperfeiçoamento das instituições militares, e neste sentido, pelas pastas da Guerra e da Marinha, vos apresentará uma proposta de lei para a organização do Supremo Conselho de Defesa Nacional, tendo por fim assegurar a preparação da guerra e a estabilidade das organizações militares de terra e mar.

Pela pasta da Guerra vos serão apresentadas propostas: remodelando os tabeliães de vencimentos dos oficiais do exército e da readmissão das praças de pret; reorganizando a Escola do Exército e o Curso do Estado-maior; criando um colégio para filhos dos oficiais inferiores; modificando as condições da reforma dos sargentos e sargentos-ajudantes; remodelando a lei das servidões militares; alterando provisoriamente as condições de promoção dos tenentes de artilharia; reorganizando o Campo Entrincheirado de Lisboa; e difundindo a instrução militar preparatória em todo o país.

Igualmente chamo a vossa atenção e solicitude para as importantes questões dependentes da pasta da Marinha, tanto no que respeita aos serviços propriamente marítimos, como aos problemas da administração ultramarina. Quanto aos primeiros o Meu Governo vos apresentará medidas para a organização da marinha colonial; para a instalação do Arsenal de Marinha na margem esquerda do Tejo; para a organização da defesa móvel; para a supressão das Escolas de Alunos Marinheiros, organizando, em sua substituição, a instrução profissional da marinha mercante nos departamentos marítimos e preparando o início dos trabalhos da carta hidrográfica e das cartas de pesca; e, finalmente, para a protecção e desenvolvimento, da indústria nacional da pesca.

Quanto ao ultramar apresentar-vos-á o Meu Governo medidas de carácter geral, como é a organização administrativa das diversas províncias, com uma descentralização diferenciada; e a correlativa organização militar, em bases mais económicas e com a separação das funções que correspondem às tropas ultramarinas das que só podem competir ao exército da metrópole; e medidas de interesse e fomento especial de certas províncias e regiões, como são a organização dos serviços e melhoramentos do porto de S. Vicente de Cabo Verde e as tendentes ao alargamento da irrigação agrícola no Estado da Índia e à construção do caminho-de-ferro de Quilimane.

Como fundamento imprescindível e essencial para orientar e coordenar a intervenção dos corpos legislativos nos problemas do fomento nacional, oportunamente vos será presente pela pasta das Obras Públicas o relatório económico em que, coligindo-se numerosos elementos de informação dispersos por varias repartições e serviços, pela primeira vez se procura, de uma forma geral, estudar e definir as forças naturais, industriais e de acumulação que constituem a economia do país, precisar a influência da acção directa ou indirecta do Estado e formular as conclusões que se antolhem mais conformes ao proveitoso movimento dos variados factores económicos. Como seu complemento e natural corolário, vos serão presentes propostas actualizando a legislação sobre propriedade industrial; modificando o ensino agrícola em proveito de uma melhor difusão das noções elementares de técnica rural, por meio das cátedras ambulantes; procurando a maior utilização profissional do nosso ensino industrial; e outras moldadas no mesmo intento de fazer coincidir a legislação com as características peculiares à nossa organização económica.

Dentro da mesma convergência de propósitos, como satisfação imediata a instantes razões de conveniência pública, serão primariamente submetidas ao vosso exame propostas regulando a exportação e comércio de vinhos generosos, que o Douro tanto e tão justamente reclama; fixando o regime para exploração e administração do porto de Lisboa; e providenciando sobre classificação, conservação e reparação das estradas nacionais.
Atendendo a uma alta questão de justiça social e de utilidade pública, no seu mais largo sentido, propor-vos-á o Governo a criação de uma caixa de aposentações para as classes operárias e trabalhadoras, seguindo assim na esteira das reformas sociais iniciadas em todos os países cultos.

E atendendo também às precárias condições económicas do funcionalismo público vos apresentará uma proposta de lei extinguindo o imposto de rendimento da lei de 26 de Fevereiro de 1892 sobre vencimentos não superiores a 600$000 reis e reduzindo a metade esse imposto sobre todos os outros. No mesmo intuito vos será presente uma proposta elevando os ordenados dos aspirantes, amanuenses e segundos oficiais das Secretarias de Estado, começando assim o Governo a realizar o seu pensamento de melhorar sucessivamente, sem ocasionar perturbações financeiras, as condições de algumas classes do funcionalismo, especialmente nos graus inferiores.
Não tendo sido aprovado ainda o orçamento para o actual ano económico, entrou em execução, como o estabelecem as leis constitucionais, o orçamento de 1904-1905, último que obteve a sanção legislativa. Ainda no cumprimento dessas leis o Meu Governo vos submeterá o orçamento para o ano económico corrente, no qual tanto as receitas como as despesas vão calculadas por forma rigorosa e exacta e se descrevem em capítulo especial, para melhor estudo do parlamento, as despesas que o Governo encontrou criadas em virtude de diplomas susceptíveis de discussão.

A conversão da Dívida Pública Interna, a reforma do contrato vigente com o Banco de Portugal, a remodelação das disposições relativas a Companhias de Seguros, a desamortização dos bens da Companhia das Lezírias do Tejo e Sado, o estabelecimento de uma carreira de navegação nacional para o Brasil - são outros tantos problemas de carácter financeiro e económico para a solução dos quais o Governo vos apresentará propostas de lei.

A renovação da proposta sobre a pauta das alfândegas dará ensejo a que possa ser devidamente apreciado e resolvido um assunto que, pela sua importância, complexidade e larga incidência sobre os mais variados ramos da actividade nacional, reclama a mais acurada atenção e a mais ampla cooperação e iniciativa parlamentar.
Dignos Pares do Reino e Senhores Deputados da Nação Portuguesa:
O simples enunciado dos trabalhos e problemas que nesta sessão vão ser submetidos ao vosso estudo e aprovação marca bem a grandeza da tarefa que vos está confiada. Espero, porém, que, com o auxílio de Deus, a vossa ilustração e a própria consciência das responsabilidades que tendes para com o País vos animarão a colaborar numa obra de larga regeneração nacional que abra à nossa Pátria uma nova era de prosperidade e grandeza moral.

Está aberta a sessão.

Fonte: Sábado

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