sábado, 30 de setembro de 2017

Agostinho da Silva, o português errante



O nome assentou-lhe bem. Agostinho, como o Santo colossal, como o pensador íntimo e metafísico, como a voz do fim do mundo Antigo; da Silva, popular, português por antonomásia, igualitário de tão comum. Agostinho da Silva tem o seu naco de tudo isto: uma aura de santo cenobítico, mais espiritual do que doutrinário, obra como pensador e como divulgador, mestre do povo ignaro, e a vida meio pícara que tanto encantou Portugal nos anos oitenta e noventa.
Não tem todos os elementos na mesma proporção, é certo: o pensador deve ao pedagogo e o profeta errante, que lembra Diógenes a passear pela Grécia, mais do que na candeia, precisava de luz que iluminasse algumas das suas passagens mais obscuras; a figura, no entanto, tem a sua originalidade e o mestre a sua importância.
Agostinho da Silva tinha o espírito indicado para um pedagogo. Não o dizemos apenas pela obra neste campo. É certo que os seus cadernos de divulgação cultural, os cursos para o povo, as traduções de obras maiores da literatura e do pensamento, são uma obra assinalável. Agostinho da Silva tanto biografou Da Vinci como Lamennais, tanto apresentou Cervantes como escreveu sobre ciência. Nisto é herdeiro de uma tradição que vem do século XIX, que já na sua altura parece um pouco datada e ingénua mas que dá ainda alguns frutos interessantes. O “pedagogismo radical”, como lhe chamou a dada altura o “Comércio do Porto”, da geração de 70, a ideia de que uma educação completa iria elevar o povo, que é possível uma educação abnegada nos vários campos do saber, ainda tem eco em Agostinho da Silva e no seu companheiro de Seara Nova António Sérgio (embora de modos diferentes) ou na Biblioteca Cosmos de Bento de Jesus Caraça.
Os textos de divulgação de Agostinho da Silva têm, assim, uma espécie de candura progressista, um tom entre o paternal e o conhecedor, próprios desta ideia de educação. As suas biografias são breves, os seus temas variados, como quem julga que, antes de mergulhar no conhecimento profundo, é preciso que o povo chapinhe por todas as áreas do saber. Pouco interessa se uma versão demasiado simples deturpa a percepção de um assunto; Agostinho da Silva, como Herculano ou Oliveira Martins, é capaz de reduzir um tema ao seu ponto de compreensão mínimo; não expõe, certamente, todos os problemas. Escolhe os mais conhecidos e trata-os com didactismo e uma clareza exemplares.
É no seu método, aliás, mais do que no conjunto dos seus cadernos, que se percebe o seu espírito de professor. Agostinho da Silva não é apenas um simplificador no sentido mais vulgar do tempo, como uma espécie de tesoureiro avaro que corta a enxúndia do pensamento sem pudor. A sua curiosidade voraz, o interesse que foi manifestando, primeiro pela Civilização Grega, depois pelo Cristianismo, pelo Islão ou pelo Budismo, a busca de temas portugueses e lusófonos, mostram a sua vocação de instrutor. Agostinho da Silva tinha um traço comum a vários Homens de cultura, que consiste em admirar e fascinar-se ao mesmo tempo com as coisas mais contraditórias. E se nalguns casos este fascínio produz sínteses admiráveis (a síntese de S. Tomás entre Aristóteles e o Cristianismo, ou a sínteses de Maurras entre o positivismo e o pensamento contra-revolucionário), noutros manifesta-se sobretudo numa vocação pedagógica. Agostinho da Silva podia ensinar tudo com a mesma paixão porque de facto admirava tudo.
Esta, que é uma das suas boas qualidades como mestre, é talvez um dos seus principais defeitos como mestre. Agostinho da Silva não sintetiza os seus vários campos de interesse numa forma nova de pensar; no máximo, redu-los a uma espécie de mínimo denominador comum. Assim, o seu interesse pelas religiões acaba por estar na apologia comum da bondade, o seu interesse pelo pensamento de diferentes épocas na procura do Bem, enfim: Agostinho da Silva não procura o que há de específico em cada pensamento, mas sim o que há de comum; o seu pensamento acaba, assim, por tratar no mais das vezes do vulgar. Mais do que doutrinas, interessam-lhe sentimentos, daí que o seu pensamento, embora pareça eclético, acabe por ser monótono. É óbvio que a busca do Bem tanto se pode encontrar na tradição judaica como na Cristã, em Platão e em Uriel da Costa; o método de cada um o procurar é que faz a diferença. Agostinho da Silva prefere realçar a pergunta comum e não fazer caso das respostas; daí que critique todo o tipo de ortodoxias, que a sua ideia de pensamento Português possa incluir tanto o Leal Conselheiro como Leão Hebreu ou que a condenação de Lamennais lhe pareça injusta.
A sua heterodoxia (mesmo que na sua boutade recuse a heterodoxia para lhe chamar paradoxia) consiste mais em agregar do que em divergir. Mesmo que, a páginas tantas, se pareça dar conta da impossibilidade de juntar tudo aquilo que quer juntar, mesmo que, a partir daí, tenha desenvolvido a tese de que se não devia preocupar com uma coerência e com uma lógica Aristotélica que a vida não tinha, é ainda deste espírito associativo que lhe vem grande parte da aura.
Isto porque, reduzido à pergunta pelo Bem, Agostinho da Silva parece ter devolvido a sua vida a uma espécie de pureza filosófica inicial. A sua vida aventurosa, os cargos modestos, o ensino aos pobres, tudo isto tem uma aura Grega de amor pelo pensamento e de crença naquilo que professa. Agostinho da Silva encarnou à vez a ideia do sábio puro, do sábio incómodo e do sábio louco. As suas tiradas à Diógenes ou a sua dialética às tantas incompreensível têm sempre o tom de quem quis fazer da sua uma vida verdadeiramente dedicada ao saber, à custa do conforto e sem medo do ridículo. E isto, mesmo que o pensamento não nos atraia, mesmo que não acreditemos nos seus métodos, é suficiente para fazer da sua uma figura curiosa.
Carlos Maria Bobone é licenciado em Filosofia. Colabora no site Velho Critério.
Fonte: Observador

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

LANÇAMENTO DO LIVRO SOBRE AFONSO DE ALBUQUERQUE



ACADEMIA DE MARINHA, 21 DE SETEMBRO DE 2017.


Exmº Senhor Almirante Vidal Abreu
Restantes membros da mesa
Caros académicos
Minhas senhoras e meus senhores


Bem hajam por se terem dado à maçada de virem assistir ao nascimento deste meu último descendente, já que o livro ora lançado perpetua uma parte do meu pensamento, logo da minha existência.
Vou falar-vos um pouco sobre Afonso de Albuquerque, pois é dele que trata o livro que agora dá à estampa.
E vou começar por dizer um poema de Miguel Torga, a ele dedicado e que foi musicado para o CD “Portugal Sempre”, por José Campos e Sousa. Reza assim:

“Quando esta escrevo a Vossa Alteza
Estou com um soluço que é sinal de morte.
Morro à vista de Goa, a fortaleza
Que deixo à India a defender-lhe a sorte.

Morro de mal com todos que servi,
Porque eu servi o rei e o povo todo.
Morro quase sem mancha à tona deste lodo.

De Oeste a Leste a Índia fica vossa;
De Oeste a Leste o vento da traição
Sopra com força para que não possa
O rei de Portugal tê-la na mão.

Em Deus e em mim o império tem raízes
Que nem um furacão pode arrancar…
Em Deus e em mim, que temos cicatrizes
Da mesma lança que nos fez lutar.

Em mais alguém, Senhor, em mais ninguém
O meu sonho cresceu e avassalou
A semente daninha que de além
A tua mão, Senhor, lhe semeou.

Por isso a índia há-de acabar em fumo
Nesses doiros paços de Lisboa;
Por isso a pátria há-de perder o rumo
Das muralhas de Goa

Por isso o Nilo há-de correr no Egito
E Meca há-de guardar o muçulmano
Corpo dum moiro que gerou meu grito
De cristão lusitano.

Por isso melhor é que chegue a hora
E outra vida comece neste fim…
Do que fiz não cuido agora:
A índia inteira falará por mim.”

O fidalgo Afonso que foi governador da índia, também conhecido pelo ”Grande”, o “Leão dos Mares”, o “César do Oriente”, o “Marte Português”, o “Tirribil”, e a quem D. Manuel i, depois da sua morte e arrependido do modo como o tratara, fez vice-rei daquela e distinguiu com os títulos de Duque de Goa, Senhor do Mar Vermelho e, ainda, concedendo-lhe o tratamento de “Dom”.
E a quem, um notável ancião de Orfação ofereceu um livro em persa, sobre a figura de Alexandre Magno – de quem Albuquerque era admirador – tendo considerado os portugueses mais valentes do que aquele grande - capitão.
Não me parece vã e desajustada esta asserção.
De facto Albuquerque reunia todas as qualidades de um estadista, para além das de chefe militar que foi o seu mister inicial e mais prolongado no tempo. Onde revelou sempre serena e ponderada coragem e energia debaixo de fogo, e nas circunstâncias mais extremas.
Como guerreiro combateu em Toro, e esteve duas vezes em Arzila. Foi na armada a Taranto e participou na tomada de Graciosa e em todas as campanhas militares onde Portugal esteve contemporaneamente envolvido.
Foi à Índia pela 1ªvez sem piloto e foi o primeiro europeu a penetrar no Mar Vermelho.
Como administrador e político, a Índia fala por ele. Foi inovador e estava à frente do tempo.
Tinha senso diplomático e era de uma argúcia sibilina.
Era um geoestratega de alto gabarito, tendo delineado um plano de dominação do Índico que até hoje não foi superado!
E complementava tudo com uma humanidade que tocava os simples, sem quebra do seu escrúpulo de justiceiro implacável, afastado de toda a cupidez que tantos demonstravam ter. Conhecia a natureza humana e não tinha ilusões sobre os homens.
Albuquerque via tudo e atendia a tudo!
Que exemplo para todas as gerações! E é desse exemplo que é mister falar na actualidade.
Esta é a razão principal para a elaboração deste pequeno ensaio – que será a sua eventual mais-valia - já que não pretende ser uma obra de fôlego, sobre esta grande figura da história dos portugueses, muito menos uma “obra definitiva”.
Que exemplo pode então ser Afonso de Albuquerque para os portugueses de hoje, sobretudo para aquelas gerações completamente arredadas e desconhecedoras da História dos seus maiores?
A História dos países é feita pelos grandes vultos desses países: os estadistas, os chefes militares, os jurisconsultos, os filósofos, os artistas, os cientistas, os escritores, enfim todos aqueles que se destacam positivamente nos diferentes campos e profissões em que se distribui a actividade humana. Onde se avantajam os santos e os heróis.
Por todos aqueles que se atêm aos princípios elevados e â prática do bem.
E também pela qualidade da generalidade do povo, que vive, trabalha, luta e muitas vezes morre e, quando devidamente liderado e enquadrado, sustenta os maiores sacrifícios em prol da pátria comum.
A História não é feita, como defende o compêndio marxista por lutas de classes; movimentos de massas; baseado em factores de estipendio económico.
Muito menos por anti-heróis.
Tão pouco explicada e distorcida por correntes ideológicas; ou orientada por uma pseudo União Europeia que se esforça em ocultar tudo aquilo que pode dividir os países membros em prol de uma mestiçagem histórica, postiça, mentirosa e apócrifa.
A História é feita por homens e mulheres que em função das suas crenças, posição, oportunidade e circunstância, decidem actuar de um modo e não de outro.
Ora Albuquerque é um paradigma de tudo isto.
Ele representa uma ideia de vida com dimensão espiritual; um defensor de causas; um lutador determinado sem desfalecimentos; a lealdade consciente e lúcida ao seu país e ao seu rei, apesar de todos os vilipêndios de que foi alvo.
Este homem, da confiança de D. João II, era uma força da natureza; era culto, era competente e era bravo. Tinha consciência das suas capacidades – ou seja conhecia-se a si próprio e aos outros - mas não exorbitava, sem embargo de alguns acessos de cólera que tinha, que eu diria compreensíveis face a tudo por que passou.
E como disse aquele que foi provavelmente o maior estadista português de todos os tempos: ”existem santos entre os homens, mas os homens não são santos”…
Significando a perfeição estar longe dos humanos.
Uma realidade que todos nós e sobretudo os legisladores, teimamos em ignorar!
Albuquerque é um exemplo extraordinário de militar, cujos feitos e actuação nos emocionam, fazem correr o sangue mais depressa nas nossas veias e nos impelem a saltar da cadeira onde estejamos sentados!
Ao ler a descrição dos seus combates percorre-nos uma corrente eléctrica incontrolável que nos põe a epiderme em “pele de galinha” e nos enche de um orgulho incontido.
Albuquerque gozou do raro privilégio de ser respeitado e admirado, para além de temido, pelos seus inimigos (que não os da Corte…).
E um homem cuja memória ainda hoje é venerada no principal território que refundou, que se manteve 450 anos português, mesmo 60 anos após a nossa lamentável partida, não pode ser um homem qualquer.
E tem de ser um homem com “H” maiúsculo e um homem bom.

                                                                       *****

Afonso de Albuquerque é, porém, para a maioria da sociedade moderna e modernaça, uma espécie de anacronismo!
E, todavia, ele representa um pilar da sobrevivência dos povos.
A Honra, de que as suas barbas representavam uma espécie de penhor, valia mais do que todas as riquezas do mundo.
Mas só quem tem o desapego das coisas materiais e, até da vida – entendida como terrenamente finita – pode realizar grandes coisas e, mesmo falhando, é invencível.
Só um crente pode comportar-se assim e Albuquerque era-o. E pertencia à mui nobre ordem militar/religiosa de Santiago da Espada.
E, caros compatriotas aqui presentes, nós estamos a necessitar de “ordens” como aquela, como de pão para a boca.
As Ordens Militares foram transformadas e depois extintas e substituídas, primeiro pelo absolutismo real; depois pelos partidos políticos.
Só as ditaduras de "nuances" marxistas e aquelas dos financeiros capitalistas apátridas conseguiram e conseguem, ser mais funestas que aquelas!
Ora um país que se esquece, por ignorância, diletantismo ou má-fé, de evocar, comemorar e exaltar os 500 anos do passamento desta figura maior da História Pátria, é um país e uma sociedade profundamente doente e a caminho da auto - destruição.
Que é o caminho que levamos, até em termos demográficos.
É dos feitos deste nosso ilustre antepassado provavelmente o maior combatente português de todos os tempos, que trata este meu livro cuja chegada a bom porto – não podemos esquecer que estamos numa casa da Marinha - devo agradecer sinceramente e com gosto, à editora “Nova Vega”, na pessoa do Sr. Assírio Bacelar, à Academia de Marinha, na pessoa do seu presidente Almirante Vidal Abreu e ao seu Secretário-Geral, Comandante Zambujo, que operacionalizou a cerimónia, e ao Almirante Vieira Matias, a quem saúdo especialmente, pela consideração demonstrada, por ter escrito o prefácio e feito a apresentação.
Desse modo o livro também passou a ser seu.
A V.Ex.ª que com a vossa presença, deram o brilho necessário ao evento e que aguentaram firme tudo o que aqui foi dito e, com a vossa generosidade se espera fazer face aos custos da edição, o meu muito obrigado.
Como faço anos daqui a dois dias, creio ter usufruído, por antecipação de uma boa prenda.
E que viva Afonso de Albuquerque!
Muito obrigado.


João José Brandão Ferreira


Fonte: O Adamastor

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Roteiros pelo Alto Minho - Real Associação de Viana do Castelo


“Roteiros pelo Alto Minho… Circuito Mariano das Terras da Nóbrega”
7 de Outubro de 2017

Esta iniciativa, será a primeira dos “Roteiros pelo Alto Minho”, que pretende divulgar o património e cultura desta zona do país.

O Padre Dr. António de Magalhães Sant'Ana, jesuíta, irá guiar o percurso no que diz respeito às questões relacionadas com o culto Mariano. Haverá também guias locais para explicar a história dos monumentos visitados e a sua importância nas Terras da Nóbrega.

O percurso, com partida às 10h00m, é o seguinte:

- Encontro no Largo do Corro em Ponte da Barca (junto à ponte Medieval) a partir das 9h30 para saída às 10h.
- Seguida para Ventoselo (Sampriz), com passagem por Santa Rita.
- Visita à Igreja da Nossa Sra. do Livramento e ao Castelo da Nóbrega (este último só para quem conseguir subir a pé).
- Visita ao Mosteiro de São Martinho de Crasto.

- Almoço no Restaurante Toca do Lobo em Aboim da Nóbrega (o prato principal acordado serão Rojões à Minhota, mas quem desejar outro menu poderá combinar previamente com a organização).

- Visita à Vila de Aboim da Nóbrega, primeira Sede das Terras da Nóbrega.
- Visita ao Santuário da Senhora da Paz (onde Nossa Senhora terá aparecido a um pastorinho a 10 e 11 de Maio de 1917) e ao Museu do Quartzo.
- Passagem pelo Mosteiro de Vila Nova de Muía.
- Regresso a Ponte da Barca com visita à Capela da Sra. da Lapa.
- Hora prevista para o final do percurso - 17h.

- Para quem assim o desejar, haverá de seguida Missa na Capela da Sra. da Lapa, pelo Padre Dr. António de Magalhães Sant'Ana.

O preço por pessoa, que incluiu o transporte em autocarro e almoço, é de 20 €, 

As inscrições deverão ser feitas para o e-mail da Real Associação de Viana do Castelo, real.associacao.viana@gmail.com , ou para o Fax n.º 258 743 840, devendo ser enviada a indicação do nome, ou nomes dos participantes e um telefone de contacto, acompanhadas do respectivo comprovativo de depósito ou transferência bancária efectuada para:

Caixa de Crédito Agrícola
NIB: 0045 1427 4002 6139 2424 7
IBAN: PT 50 0045 1427 40026139242 47
SWIFT: CCCMPTPL 

As inscrições terminam no dia 1 de Outubro. 

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Os portugueses da Birmânia, um povo de soldados

Foto de Nova Portugalidade.


Chegaram a Myanmar (o nome por que o birmaneses designam o seu país) na terceira década do século XVI, servindo sucessivamente as dinastias de Ava, Toungoo e Konbaung. Ao longo de 300 anos, a minoria luso-birmanesa especializou-se como grupo social estratégico, desempenhando funções administrativas relevantes no palácio, no comércio internacional e no exército.

Em Merguy, Tavoy e Dagon (hoje Rangum, capital histórica do Myanmar), principais portos de mar, a função de shabandar, ou seja, de capitão portuário, foi sempre desempenhada por estes católicos habilitados para o uso das duas línguas francas então usadas no Sudeste-Asiático, o malaio e o português. Depois, com a afirmação do poder britânico a partir de meados do século XVIII, passaram a dominar o inglês e ganharam uma nova competência; transformaram-se em tradutores e intermediários em todas as embaixadas enviadas pelos britânicos à corte birmanesa. Posto que Calcutá, então sede do poder britânico na Índia, se transformara lentamente em importante pólo comercial, os governantes birmaneses ali procuraram estabelecer agentes comerciais e diplomáticos. Assim, coube aos portugueses da Birmânia tal importante tarefa. Não é, pois, de estranhar que a sua influência fosse crescendo, ao ponto de um dos últimos reis da dinastia Konbaung ter tomado como uma das suas mulheres uma rapariga luso-birmanesa.

Mas foi como comunidade marcial que os nossos luso-birmaneses ganharam notoriedade. Nas lutas com o Sião, com o império chinês e, finalmente, durante as três guerras com os ingleses - primeira guerra anglo-birmanesa (1824-1826), segunda guerra anglo-birmanesa (1852-1853) e terceira guerra anglo-birmanesa (1885) - as unidades católicas do exército real birmanês, armadas à europeia, transformaram-se na espinha dorsal do dispositivo birmanês. Para além de unidades de atiradores, constituíram-se unidades de artilharia de campanha cuja eficácia foi repetidamente comprovada nos campos de batalha, em assédios e operações defensivas.

Na imagem, uma força de infantaria composta por portugueses da Birmânia. A portugalidade do contingente é-nos revelada pela bandeira, uma cruz negra sobre fundo vermelho.

MCB

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Duques de Bragança exaltam Património de Angra - Terceira



Na passagem pela Terceira, os Duques de Bragança, D. Duarte Pio e Dona Isabel de Bragança, visitaram a cidade de Angra do Heroísmo e conheceram a costa sul da ilha a bordo de um veleiro. 
A Vitec esteve à conversa com o casal e, ainda, com o presidente da Real Associação da Ilha Terceira, Fernando Sieuve de Meneses. 

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Até sempre, João Ferreira Rosa




Portugal Foi-nos Roubado
Popular/João Ferreira-Rosa


Portugal foi-nos roubado
há que dizê-lo a cantar
para isso nos serve o fado
para isso e para não chorar


cinco de Outubro de treta
o que foi isso afinal
dona Lisboa de opereta
muito chique por sinal


sou português e por tal
nunca fui republicano
o que eu quero é Portugal
para desfazer o engano


os heróis republicanos
banqueiros, tropa, doutores
no estado em que ainda estamos
só lhes devemos favores


Outubro Maio e Abril
cinco, dois oito, dois cinco
reina a canalha mais vil
neste branco verde e tinto


Sou português e por tal
nunca fui republicano
o que eu quero é Portugal
para desfazer o engano

domingo, 24 de setembro de 2017

Amor de Mãe

Por uma muito feliz e providencial coincidência, as minhas duas mães fazem anos no mesmo dia: 8 de Setembro! Embora a Mãe do Céu seja muito anterior, não é mais velha porque, como já alcançou a bem-aventurança celestial, vive uma eterna juventude.

Quando, há já algum tempo, comentei à minha mãe cá de baixo que não me lembrava de nenhuma vez que me tivesse batido, logo me respondeu, com a sua habitual vivacidade: “Levou e não levou poucas!” Apesar de não ter o imaculado cadastro que supunha, este meu esquecimento não significa apenas um excesso de autoestima, nem tão-só uma deplorável falta de memória. Se não recordo esses castigos, se não deixaram marca na minha memória, nem nenhum trauma, é porque foram justos e moderados; em caso contrário, decerto que os não teria esquecido.

Não sou especialmente partidário de castigos corporais, mas sou levado a crer que uma palmada, no momento certo e por uma razão justa, não só não faz mal nenhum como pode até fazer muito bem. Muitas outras pessoas têm, decerto, a mesma experiência, sem guardar também nenhum ressentimento, nem qualquer lembrança sequer desses episódios porventura menos gratos, mas não menos salutares.

Os adultos que não alcançaram a maturidade que seria de esperar com essa idade, se calhar foram vítimas de uma educação tão benevolente que, na realidade, os não ajudou a forjar uma personalidade equilibrada. Onde falta esse substrato humano, impossível é assentar os alicerces das virtudes cardeais, sem os quais não se pode construir uma verdadeira vida cristã. A formação e educação cristã, a receber na família, na catequese e na escola, não pode ser meramente intelectual, pelo ensino dos conteúdos da fé e da moral cristã, ou piedosa, pelo exercício individual, familiar e comunitário da oração e de outras devoções, mas também prática, ou seja, pela vivência das virtudes humanas.

Logo na primeira aparição na Cova da Iria, Maria faz uma proposta de uma enorme exigência: “Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?”. Ante a resposta afirmativa, Nossa Senhora disse depois: “Ides, pois, ter muito que sofrer …”.

É sabido que a Lúcia, bem como os seus primos, os agora santos Francisco e Jacinta, tomaram muito a sério o convite à penitência que Nossa Senhora lhes fez na sua primeira aparição e que, nos sucessivos encontros mensais, renovou. Nas suas Memórias, a Irmã Lúcia conta que, tendo descoberto uma corda, a atou ao braço e lhe doeu. Logo lhe ocorreu que a podiam usar à cinta, oferecendo a Deus esse sacrifício. “Seja pela grossura e aspereza da corda, seja porque às vezes a apertássemos demasiado, este instrumento fazia-nos por vezes sofrer horrivelmente”. Descobriram depois que, para mais se mortificarem, podiam fustigar as próprias pernas com as urtigas do campo.

Na aparição de Setembro, cujo centenário ocorreu no passado dia 13, a Mãe de Jesus atenuou um pouco o rigor das penitências corporais dos pastorinhos, mas não ao ponto de as suprimir: “Deus está contente com os vossos sacrifícios, mas não quer que durmais com a corda; trazei-a só durante o dia”.

Os pastorinhos foram favorecidos com graças especiais, em virtude das quais foram capazes de sacrifícios que seriam desaconselháveis para outras crianças dessas idades. Não seria prudente, nem razoável, pedir às crianças tão duras penitências, mas também os mais pequenos devem aprender a contrariar a sua vontade, a renunciar aos caprichos, a obedecer aos pais e professores, a respeitar os mais velhos, a dizer sempre a verdade, a cumprir com as suas obrigações cristãs, familiares e escolares.

Em muito pouco tempo, Nossa Senhora fez da caprichosa Jacinta e do pouco piedoso Francisco dois grandes santos, que hoje a Igreja muito justamente venera sobre os altares. Neste começo de um novo ano lectivo, queira Deus que muitas outras mães e pais proporcionem também aos seus filhos uma rija educação cristã. Como ensina a sabedoria popular, é de pequenino que se torce o pepino!


P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA


sábado, 23 de setembro de 2017

Lançamento do livro “Porque sou Monárquico”



A Real Associação de Lisboa, através da sua recém criada chancela Razões Reais, tem o prazer de anunciar que está a preparar o lançamento do livro “Porque sou Monárquico” do Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, uma antologia de textos políticos até agora dispersos, compilada por Vasco Rosa. 

A cerimónia terá lugar no Centro Nacional de Cultura no próximo dia 4 de Outubro, quarta-feira, pelas 18h30 com entrada pela Rua António Maria Cardoso nº 68 – 1º.
Esta iniciativa editorial é uma homenagem ao prestigiado homem de pensamento e doutrinador monárquico e contará com as intervenções do Doutor Guilherme d’Oliveira Martins e do Arquitecto Fernando Santos Pessoa seu biógrafo e colaborador.
Contamos com a presença dos nossos associados e amigos. 

Dada a limitação de lugares na sala agradecemos o favor da sua reserva através do endereço secretariado@reallisboa.pt, pelo telefone 21 342 81 15 ou presencialmente na nossa Sede nos horários habituais.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Descanse em Paz, amigo João...

JMS.jpg


Fazemos nossas as palavras do Presidente da Real Associação de Lisboa, João Távora:

Foi com enorme consternação que ontem dia 17 de Setembro soubemos da morte do João Mattos e Silva, que cedo de mais, sucumbiu na última batalha que lhe cabia enfrentar, desta vez contra um feroz e implacável adversário. 
O João Mattos e Silva foi dirigente da Juventude Monárquica, foi o primeiro presidente da Causa Real e mais recentemente presidente da Real Associação de Lisboa – tendo sido responsável pela adesão de muitos de nós a esta causa. Recordaremos sempre o João, para lá do amigo e companheiro, como o mais persistente dos militantes monárquicos, sempre na primeira fila dos duros desafios que a nossa Causa sempre enfrentou, independentemente do cargo que ocupava, com uma generosidade imensa. Um homem de grande frontalidade, por vezes irascível e de uma inabalável lealdade, toda a vida assumiu uma absoluta dedicação à Família Real Portuguesa. O nosso João Mattos e Silva deixa-nos um legado incontornável na história da resistência monárquica, pautado pelo seu pragmatismo político e dedicação incondicional. Estará hoje na Igreja de São João de Deus acompanhado não só pelos seus familiares e amigos queridos, mas pela bandeira que incansavelmente durante toda a sua vida ousou levantar, fruto da enorme coragem e amor à sua maior Causa: Portugal.
 Obrigado por tudo o que nos deixaste, João, ganhaste a tua luta. Até sempre.


Comunicado da Causa Real

Morre Um dos nossos primeiros


Morre Um dos nossos primeiros

Hoje, consternadamente, soubemos da morte do João Mattos e Silva. Foi, entre tantas coisas boas, um dos nossos Primeiros!
Não apenas o primeiro Presidente Eleito da Causa Real;
Não somente um dos Primeiros na militância, na dedicação e na lealdade inquestionável à Casa Real Portuguesa.
Mas, principalmente, um dos Primeiros da Sua geração no pensamento, na reflexão e na acção politica!
A Ele devemos muito do vigor que o Movimento ainda tem. Nunca contemporizou com mediocridade, com a tibieza, com o politicamente correcto…. Sempre foi frontal nas Suas opiniões, integro nas Suas convicções e intransigente nos Seus valores.
Isabel, a Católica disse a propósito da morte do Rei Dom João II, uma frase que a História imortalizou – “ Morreu o Homem!”. Nós, em representação da Causa Real e do Movimento Monárquico dizemos que, pelo menos, morreu um dos Homens Bons de Portugal. E o Primeiro a servir a Pátria e o Rei, na Presidência do Movimento que hoje representamos.
Ao Amigo e correligionário fica o nosso eterno agradecimento e a nossa imensa saudade que, neste momento tão difícil, queremos partilhar com a Família do João e com a toda a “Família” Monárquica que sempre abraçou, apoiou e estimulou.
O João cuja Fé nos permite pensar que hoje goza com Deus as bênçãos da Vida Eterna, será sempre um exemplo eterno de Vida e de Esperança para as Novas Gerações.
Nós não nos cansaremos de O lembrar! Obrigado, João!
A Direcção da Causa Real

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

D. Carlos I – Cientista de Renome Mundial



S.M.F. El-Rei Dom Carlos I de Portugal foi um cientista de renome mundial, uma vez que foi o grande impulsionador do estudo científico do Mar, pelo que é apontado como o responsável pela fundação das ciências oceanográficas em Portugal. Mas era um cientista natural completo, pois consagrou-se com os seus trabalhos na área acima referida, mas também, se destacou na da Ornitologia e foi ainda organizador do Serviço Meteorológico dos Açores. A sua actividade científica notabilizou-O e granjeou-Lhe múltiplos prémios e reconhecimento mundial – como aquela Sessão Solene no Museu de História Natural de Paris, em 1905, onde os mais eminentes cientistas da época o consagraram como Homem de Ciência. Era Presidente de Honra da Sociedade de Oceanografia do Golfo da Gasconha – onde umas das salas do Museu foi baptizada de Charles I -, Sócio do Museu Natural de Paris, Sócio honorário da Sociedade Zoológica de Londres, Sócio honorário da Sociedade Imperial e Real de Geografia de Viena da Áustria, etc.  Recebeu o máximo possível de quatro Grands-Prix na Exposição Internacional de Milão, em 1906, e uma Medalha de Ouro com que, na História da Ciência, só mais três Países foram distinguidos. No importante Museu Oceanográfico do Mónaco, SAS o Príncipe Alberto I do Mónaco, o fundador da Oceanografia Moderna, e companheiro do monarca português nalgumas lides oceanográficas, deu o nome a uma Sala de D. Carlos I.º Re de Portogallo.


Leia-se o relato na primeira pessoa da 1.ª Pesquisa Oceanográfica do Rei D. Carlos I, a ‘Campanha Oceanográfica – 1897 – Yacht Amélia – Diário de Bordo’:
«Ao começar as minhas campanhas oceanográficas, dediquei-me desde logo quase exclusivamente ao estudo dos peixes que obtive, e fui levado principalmente a esta especialização de estudo, por ver a grande importância das pescarias na nossa costa, e acreditar que, talvez, por um estudo metódico da distribuição e das épocas depassagem das diferentes espécies nas nossas águas, melhores resultados pudessem ser obtidos. Hoje, depois de oito anos de observações e de estudos, estou cada vez mais convencido, que se prestaria um grande serviço, à nossa indústria piscatória, publicando um catálogo crítico em que, não só se encontrassem as espécies de peixes que habitam ou frequentam os nossos mares, como também se indicassem com precisão o seu habitat, as épocas de reprodução, as de passagem e os processos de pesca que a experiência aconselhasse preferíveis

Miguel Villas-Boas

terça-feira, 19 de setembro de 2017

As Consequências dos Incêndios


“A informação que temos não é a que desejamos;
A informação que desejamos não é a que precisamos;
A informação que precisamos não está disponível”
                                                        John Peers

Na torrente de palavreado e na esquizofrenia televisiva - ambos muito elucidativos, produtivos e pedagógicos – estamos em crer que muito poucos portugueses se darão conta da verdadeira dimensão da tragédia e das terríveis consequências de toda esta débacle nacional.
                Pois a sua dimensão é nacional e já ultrapassou até as fronteiras estando longe de tal nos ser lisonjeiro.
                Vamos tentar sistematizar todo este âmbito de modo a torná-lo mais compreensível, pondo desde logo de parte as vítimas mortais e a destruição de casas de habitação, que julgo serem as únicas que são evidentes para todos, sem embargo de tal não ter engendrado novos comportamentos e atitudes …
                Em termos materiais os custos dos incêndios florestais têm uma dimensão dificilmente aferível.
                Começa com a perda de floresta, ela própria, e os custos directos e indirectos que comporta.
                Desde logo as exportações derivadas dos produtos lenhosos, que somam anualmente muitas centenas de milhões de euros.
                Existem estatísticas de tudo isto que podem ser consultadas, pelo que não irei perder tempo com esses números. Mas convém, ilustrar os sectores afectados: serrações; pasta de papel; madeira em bruto; lenha e resíduos; frutos secos; cortiça; resina; mobiliário, etc.
                E lembramos que o pequeno país que hoje somos, apenas tem um terço do território com apetência agrícola (em constante diminuição, devido a construção de vias de comunicação algo descoordenada; urbanização em terrenos que deviam ser preservados para a agricultura e abandono); outro terço é improdutivo e o restante terço é de grande aptidão silvícola. Ora é este que, fundamentalmente arde…
                A destruição de floresta e das árvores e arbustos mais ou menos isolados acarreta a destruição de muita vida animal e vegetal associada (selvagem e doméstica); prejudica a actividade cinegética, polui os rios, as albufeiras e a própria atmosfera!
                O desaparecimento do coberto vegetal além de demorar muitos anos a ser reposto, deixa a superfície do terreno escalavrada e completamente exposta à erosão e ao arrastamento da camada mais úbere, aquando das primeiras chuvas, sobretudo se forem intensas.
                Esta catástrofe ajuda à desertificação do interior, à perda de postos de trabalho e à pobreza e miséria forçada de muitas famílias.
                O combate aos incêndios causa acidentes, mortes, perda e desgaste de material; desperdício de milhares de horas de trabalho que melhor seriam aproveitadas noutras áreas e cansaço extremo induzido em milhares de pessoas envolvidas no combate a esta verdadeira praga.
                Para já não falar nos milhões de euros vertidos nos meios aéreos o que constitui um negócio chorudo, que bom seria fosse terminado.
                Além disso e parece que ninguém quer reparar nesse “pormenor”, o combate aos incêndios consome milhares de quilómetros cúbicos de água que muita falta fazem ao abastecimento das populações, ao regadio e ao abastecimento dos níveis freáticos, numa altura em que as reservas estão no seu ponto mais baixo!
                Os incêndios pela mácula que causam são ainda prejudiciais ao turismo e à imagem do país. Parece a cultura do feio…
                Mas se os níveis de prejuízos materiais são difíceis de contabilizar o que se pode dizer dos morais?
                De facto esta repetição absolutamente inacreditável e inverosímil é sintoma de uma sociedade doente que olha, a nível das autoridades e do comum do cidadão, com ar contemplativo o desfiar das desgraças.
                Ninguém reage!
                As causas dos incêndios, cuja maioria tem origem em 99%, em erro, descuido ou acção criminosa, todos perpetrados por humanos, não abonam nada a nós mesmos.
               Quando a complementar tudo isto, existir quem se aproveite da desgraça para fazer negócio, ainda piora as coisas.
                Por outro lado assistir ao “espectáculo” das chamas, quer ao vivo, quer nas pantalhas das televisões, causa uma dor psicológica, revolta e desespero em muitas mentes, mais susceptíveis a estes eventos.
                Percorrer a seguir os campos e ver toda a paisagem devastada, triste e negra representa uma dor de alma que deprime os mais fortes.
              E, qual “cereja em cima do bolo” o granel relativo à distribuição dos donativos – a que, em muitos casos, se cobra 23% de IVA, não há adjectivos para qualificar: infama - nos!
                E tudo isto dura há 40 anos e ninguém faz nada! Nada, nem na prevenção, na educação, na repressão, na legislação, etc.
                A única coisa que sabem fazer é despejar dinheiro na compra e aluguer de meios a fim de apetrecharem um serviço de Protecção Civil, que não tem escola, estrutura, carreira, organização e sobretudo cadeia hierárquica capaz, e que se tornou um feudo das organizações partidárias que dominam os governos!
                Outra tragédia!
                Pois senhores, quanto mais dinheiro verterem no combate aos incêndios, mais incêndios haverá!
                Os incêndios, como o terrorismo têm de ser considerados uma acção de guerra.
                E guerra é guerra.
                Se estes governantes se portam como totós (e fico por aí), há que correr com eles e pôr lá outros.
                E, como pelos vistos, o actual sistema político só páre (do verbo parir) totós destes, torna-se urgente mudar o sistema político.


João José Brandão Ferreira

Oficial Piloto Aviador


Fonte: O Adamastor

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

A pedra dura que defendeu Portugal: o castelo de Torres Novas

A imagem pode conter: céu, árvore, casa, atividades ao ar livre e natureza


Fundada por gregos na palavra de uns e por celtas na de outros, as origens de Torres Novas perderam-se nos séculos. A Hélade, sua conquistadora ou fundadora, chamou-lhe Neupergama; mais tarde, com a vinda de Roma, a cidade passou a conhecer-se como Nova Augusta. As invasões bárbaras e a queda do império do Ocidente causaram, como por toda a parte, o definhamento das cidades, e Nova Augusta, agora "Turris", não foiexcepção no processo. Não é de crer que fosse localidade muito grande quando Afonso Henriques, rei dos portugueses, a tomou dos mouros durante a sua imparável marcha para sul. Os novos detentores do sítio chamaram-lhe Torres "Novas", de maneira a que o castelo se distinguisse de outro "Torres" - Torres "Vedras", ou Velhas - que Afonso conquistara perto de Lisboa. A evolução toponímica é marcada pela documentação régia de então: simples "Torres" em carta datada de 1159, a localidade apareceria já como "Torres Vedras" no testamento de Dom Afonso, vinte anos posterior.

Por ocasião das Guerras Fernandinas, Torres Novas foi sitiada por Henrique II de Castela. A hoste castelhana chegou vinda de Santarém, que conquistara a Portugal, para impor cerco a Torres Novas e forçá-la à capitulação. A história lembra a do castelo de Faria, e narra a captura do filho do Alcaide de Torres Novas, Gil Pais, que defenderia a vila. Henrique II terá exigido a rendição a troco da vida do moço, o que o pai, fiel ao Rei, recusou. O rapaz foi enforcado, e Torres Novas resistiu. Depois da guerra, Dom Fernando mandou reparar aquela e outras fortalezas, reerguendo-se a de Torres Novas com um total de onze torres.

A fortaleza sofreu fartos estragos ao longo dos séculos. Linha da frente com os mouros, sofreu deles repetidas contra-investidas e, dos portugueses, as consequentes reparações; saiu muito danificado do grande sismo de 1755, que o destruiu em parte. No século XIX, conheceu a fúria da França imperial e foi quartel-general de Massena. Na guerra civil, ainda, foi vitimada por grande destruição. Fiel a Dom Miguel, Rei Absoluto, Torres Novas foi conquistada pelo Duque de Saldanha e submetida a novo episódio de violências. Extremamente enfraquecida e muito diminuída, a fortaleza foi salva na década de 1940 pela Direcção-geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais como parte da notável campanha de restauro patrimonial da instituição.

RPB

domingo, 17 de setembro de 2017

Publicidade enganosa

Uma cadeia de supermercados alemã, para evitar o “uso de símbolos religiosos”, decidiu suprimir, na sua publicidade, as cruzes de duas cúpulas de uma igreja ortodoxa da paradisíaca ilha grega de Santorini. Em esclarecimento posterior, pelo seu porta-voz na Bélgica, a empresa, que comercializa iogurtes e outros produtos helénicos, afirmou: “Evitamos o uso de símbolos religiosos, porque não queremos excluir nenhuma crença religiosa. Somos uma empresa que respeita a diversidade, daí o design dessas embalagens”. Caso para dizer: pior a emenda do que o soneto.
As reacções, como era de supor, não se fizeram esperar, a começar pela declaração indignada de um arcebispo grego ortodoxo, que vive no Reino Unido e que exigiu a reposição das cruzes retiradas através de Photoshop: “Eles ofenderam todos os cristãos, não apenas os gregos, embora a igreja seja grega. Espero que muitos mais se manifestem contra esta estúpida decisão”. Escusado será dizer que, nas redes sociais, a empresa foi alvo dos mais mortíferos comentários porque, como é sabido, o ridículo mata.
Que me desculpe o reverendíssimo metropolita helénico, mas concordo com a dita cadeia de supermercados quando afirma que é seu princípio não usar “símbolos religiosos” na sua publicidade, embora também lamente a incoerência de utilizarem uma igreja ortodoxa no referido anúncio. Sem ofensa do princípio da liberdade criativa e de expressão que a todos assiste, há limites éticos a respeitar na publicidade: não é legítimo utilizar crianças, sem o consentimento expresso de seus pais ou tutores; não se deve expor a fotografia de um adulto, sem a sua expressa autorização; não são admissíveis imagens chocantes, ou indecentes; etc.
Também não se devem utilizar figuras públicas, ou seja, personagens cuja carga institucional ou simbólica deva ser respeitada. Com efeito, recorrer à figura do Sumo Pontífice para publicitar um sumo, como já aconteceu, é, pelo menos, muito deselegante. Também seria ofensivo usar uma imagem do Dalai Lama, com um braço ao léu, para promover um desodorizante; ou o nosso sorridente chefe de Estado, como publicidade de um qualquer dentífrico … Outra coisa, muito diferente, é que alguma personalidade pública – um atleta, um artista, etc. – aceite, gratuitamente ou não, promover publicitariamente alguma causa ou produto comercial.
É uma contradição usar uma fotografia de uma igreja ortodoxa e, ao mesmo tempo, afirmar que não se pretende fazer “uso de símbolos religiosos” pois, salvo melhor opinião, um templo cristão é isso mesmo, um símbolo religioso por excelência! Usar uma fotografia de duas cúpulas ortodoxas é recorrer à simbologia religiosa, mesmo que se retirem as respectivas cruzes, como é óbvio.
Mais caricato foi ainda dizer que não queriam “excluir nenhuma crença religiosa. Somos uma empresa que respeita a diversidade”. Não querer “excluir nenhuma crença” significa que, doravante, vão incluir referências a todas as religiões na publicidade que fizerem?! Por exemplo, no Natal, para além das tradicionais figuras judaico-cristãs, também vão representar no presépio o Buda, ao lado de Maomé?! E, para satisfação dos hindus, vão promover a sagrada a vaca tradicional?! Deverá o burro ostentar, por maliciosa hipótese, a honrosa representação dos ateus, cuja exclusão do presépio seria não só inconstitucional, por discriminatória, como contrária a um Natal política e comercialmente correcto, ou seja, verdadeiramente inclusivo e multicultural?!
Também tem o seu quê de ridícula a suposição de que um símbolo de uma religião é, necessariamente, ofensivo para as restantes. Se este abstruso princípio vingar, onde houver uma estátua de um rei, dever-se-ia erigir um monumento a um presidente da república; junto de um herói militar, plantar um Gandhi ou um Nelson Mandela; nas imediações de um busto de um maçon, levantar um altar a um santo católico; ao lado de um memorial a um literato, erigir um obelisco em honra de algum analfabeto, não seja que os iletrados se sintam insultados … Mas, será a estátua do marquês de Pombal um ultraje à república, por ter sido o dito um feroz defensor do regime monárquico?! Ou, tendo sido Sebastião José de Carvalho e Melo um déspota, a sua efígie insulta a democracia?! Será que a mesquita de Lisboa é ofensiva para os católicos e para todos os outros crentes não muçulmanos?! Por que razão o argumento só funciona em detrimento dos católicos, mas nunca a seu favor?! Será apenas um pretexto – mais um – para impedir a presença pública da Igreja e confiná-la às sacristias?
Não é preciso que as empresas sejam ecuménicas nas suas abordagens publicitárias: basta que sejam verdadeiras e respeitadoras da cultura nacional, em todos os seus valores, também religiosos. A supressão das cruzes das cúpulas da igreja ortodoxa, antes de ser uma ofensa religiosa, é uma falsificação histórica e, portanto, uma mentira que a todos os gregos insulta e engana, não apenas aos ortodoxos. Também os partidários de um regime totalitário, de triste memória, eram peritos em retirar, das fotografias oficiais, os camaradas que iam caindo em desgraça porque, como diziam, o passado era deles e era como eles queriam que fosse. Não é aceitável, em caso nenhum, essa manipulação da verdade, quer seja por razões políticas ou por conveniências publicitárias.
Do ponto de vista científico, a falsificação da história é uma desonestidade intelectual. Em termos comerciais, a manipulação fraudulenta das imagens reais até é passível de coima porque é, pelo menos, publicidade enganosa.
Fonte: Observador