“O tempora! O mores!”
“Ó tempos! Ó costumes!”
Exclamação de Cícero
(Contra a depravação dos seus contemporâneos)
Deve ser para esquecer.
As agruras da vida…
Reparem caros concidadãos como a coisa está entranhada (como diria o Pessoa).
Chusmas de jornalistas, sendo a maioria radialistas (pelo menos pelos “sound bytes” que me chegam), ficam deliciados com os dias de calor, que logo associam à praia. Daí o incentivo para ir para a praia, congratular-se com o estar na praia, é um passo curto…
A que corresponde, já agora, a abominação da chuva que, como se sabe não faz falta nenhuma…
Até aqui se vê a diferença entre uma cultura citadina, quiçá, suburbana infecciosa – cuja alternativa invernosa é ir passear de fato de treino para os centros comerciais – e a ruralidade do interior cada vez mais abandonado e despovoado.
A última frase que nos feriu os tímpanos foi pronunciada na Rádio Renascença no pretérito 28 de Abril: “ter areia no carro não é tão bom? É sinal que estamos perto da praia…”
Bom, ir à praia, apesar de ser um hábito relativamente recente – inaugurado pela Corte Inglesa em fins de setecentos, mas apenas verdadeiramente assumido e generalizado, no século XX e por fases – não tem nada de mal e eu não me eximo a fazê-lo.
A questão está em que para se ir à praia, outros ou os mesmos, têm que assegurar que o podem fazer.
Ou seja, tem a ver com bom senso e o trabalho (melhor dizendo produtividade) realizado.
Ou seja o bom senso deve dizer-nos que o trabalho vem primeiro que o lazer; que os direitos devem derivar dos deveres cumpridos (ao contrário do que prescreve a nossa douta Constituição); que a praia serve para retemperar as forças físicas e anímicas para continuar a vida, mas não é um fim em si mesmo. A praia não educa, nós é que devemos ser educados para ir à praia. Outros exemplos (e não só de praia) se poderiam dar.
Quanto ao trabalho, e à produtividade, quem quer saber dele? É tido como uma canga!
Uma chatice.
Quem lhe louva os méritos? Quem lhe sobressai a necessidade? Quem incensa o bem -fazer?
Pois parece que ninguém.
Antes pelo contrário, tudo se faz para o depreciarem, denegrir e evitar.
Criou-se o mito das boas e das más profissões, em vez de se justiçar os bons e os maus profissionais; estimula-se a preguiça através do subsídio de desemprego (de que se abusa); do rendimento mínimo garantido (de que se abusa) e de outros apoios sociais (de que também se abusa!).
O resultado é que os nacionais (e, sobretudo, os europeus) deixaram de querer fazer determinados ofícios e tarefas, resultando as incongruências da emigração e da imigração (de que se abusa); a ociosidade (com o seu cortejo de consequências/vícios) e estarem os centros de emprego cheios de desempregados e uma quantidade enorme de vagas de emprego por preencher…
Para tal muito contribuiu o fim das Escolas Técnicas e Comerciais; o nivelar por baixo e a estúpida mania de que toda a gente tem que ter uma licenciatura!
Acontece, porém, que a Natureza surtiu imperfeita no âmbito do ócio e do trabalho, ou seja, obriga – desde a Idade da Pedra Lascada - a que, o “homo sapiens sapiens” tenha de respirar; comer e beber qualquer coisa diariamente; tem de se proteger das intempéries; acumule algumas reservas para dias piores; garanta uma forma qualquer de energia; consiga sobreviver através da reprodução e se organize e estude um pouco o que se passa à sua volta, a fim de aprender alguma coisa. Só para ficarmos por aqui.
Azar dos Távoras, não é que tudo isto dá um trabalho dos diabos? E que dizer de todos aqueles que são a maioria, que passam a vida a labutar, a aspirar pela reforma (que é outra modernice com poucos anos – refiro estas coisas para situar devidamente as questões) e depois se esquecem de a preparar e estiolam pelos cantos, sem sequer lhes apetecer ir à praia? Ora a “praia” parece que se traduziu nesta sociedade moderna numa obsessão, enquanto não há quem elogie o trabalho.
Mais ainda, passou a trabalhar-se para ir de férias e, quando se regressa destas, precisa-se de novo ir para a praia descansar. Das férias e da “depressão” de se ter que ir trabalhar novamente…
Os próprios feriados passaram a ser “ilhas” para se ir para a praia, em vez de se comemorar a razão da sua origem. Sendo assim, como justificar a sua existência?
Os jornalistas, os comentadores, a escola, e por arrastamento (aqui põe-se a questão do ovo e da galinha) os políticos, vão na onda da demagogia e do “laisser faire, laisser passer”.
Os sindicalistas e os Partidos Políticos, além de não valorizarem o trabalho reivindicam constantemente, não a sua melhor organização e produtividade, mas o trabalhar menos, recebendo mais. Por sua vez os empresários dão prioridade ao lucro em detrimento da elevação moral e da “alegria” no trabalho. Preferem a distribuição de dividendos à liderança e ao investimento.
No início dos tempos, o trabalho revertia para o próprio e as trocas eram directas através de produtos, ou em troca de segurança.
Até se inventar o dinheiro.
Um “cómodo” muito eficaz que permite trocar trabalho ou a aquisição/venda de um produto ou serviço, por uma retribuição monetária.
Mas, para além de se manter esta relação em desequilíbrio constante, conseguiu - se desestabilizar as relações sociais e entre Estados, para todo o sempre e fomentou - se os piores instintos da natureza humana, como a cupidez, a avareza ou a ganância.
Mas isso já é outro âmbito de discussão e já ninguém se lembra de como tudo começou.
Se calhar o melhor mesmo é ir para a praia.
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
Fonte: O Adamastor
Sem comentários:
Enviar um comentário