Há que reconhecer o mérito da imprensa quando denunciou os casos de pedofilia na Igreja católica. Embora essa sua iniciativa tenha sido muito humilhante e terrivelmente dolorosa para todos os fiéis, a acção dos meios de comunicação social, nomeadamente nos Estados Unidos da América, foi providencial para pôr termo ao escândalo do abuso de menores por membros do clero. Sem a revelação desses crimes, talvez não tivesse havido a coragem de cortar o mal pela raiz, porque também alguns membros da hierarquia foram cúmplices desses comportamentos, quer negligenciando a protecção devida às vítimas, quer encobrindo e favorecendo a impunidade dos abusadores. Se o caso não tivesse ganho, por via da sua mediatização, dimensão mundial, talvez não se tivessem posto todos os meios necessários para ultrapassar esta crise. Graças a Deus, bem como a São João Paulo II, Bento XVI e ao Papa Francisco, este escândalo está agora em vias de extinção, devido às normas entretanto emanadas da Santa Sé e em vigor em todas as dioceses e instituições católicas do mundo. Por virtude dessas medidas, a Igreja é, decerto, a instituição religiosa que mais protege os menores.
Se é verdade que aquela vergonhosa situação já está, felizmente, praticamente superada, ainda persiste, em alguns órgãos da comunicação social, uma preconceituosa desconfiança em relação à Igreja católica e aos seus ministros. É salutar que a imprensa se mantenha atenta em relação ao Cristianismo, bem como às outras religiões, mas não que promova uma inquisitorial perseguição do clero católico: uma nova ‘caça às bruxas’ em que, desta feita, as bruxas são os padres.
Um sacerdote infame não faz infames todos os membros do clero, como um político corrupto não faz corruptos todos os políticos. No caso Casa Pia foram condenados, entre outros, um conhecido jornalista, um provedor dessa instituição, um médico e um diplomata – nenhum sacerdote, por sinal! – mas não seria razoável considerar como suspeitos de pedofilia todos os jornalistas, provedores, médicos ou diplomatas.
No princípio de 2019, foi aqui noticiada, bem como por mais alguma comunicação social portuguesa, uma injuriosa suspeita relativa ao pároco de Cacilhas, na diocese de Setúbal. Mas a mesma imprensa, que foi tão rápida em publicitar o infundado rumor, não teve a mesma diligência na divulgação do recente comunicado do Departamento de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, que iliba, absolutamente, o referido padre.
Como noticiou Filipe d’Avillez, a 30 de Maio último, no site da Rádio Renascença, “o caso remonta a Janeiro, altura em que uma mãe apresentou queixa contra o sacerdote responsável pela paróquia que gere o centro paroquial de que a creche depende. Na altura o padre acusado pela mãe alegou inocência, dizendo que, no dia indicado, nem tinha estado na creche. A diocese comprometeu-se a colaborar por inteiro com as autoridades”.
A acusação era, como é óbvio, gravíssima e, por isso, era exigível alguma prudência por parte da imprensa, até porque o caso já era do conhecimento das competentes autoridades. O seu conhecimento pela comunicação social indicia fuga de informação, com violação do segredo de justiça. Por outro lado, o processo fora motivado por uma única queixa, por sinal inverosímil, porque o dito presbítero, como publicamente declarou, nem sequer se encontrava na creche no dia em que teriam ocorrido os alegados crimes. A propósito, não faz qualquer sentido dizer que a denunciante não foi ouvida, como pretendeu o seu advogado, porque foram, precisamente, as suas declarações que provocaram a posterior investigação policial.
A identificação do presumível criminoso, como sendo o padre “que gere o centro paroquial de que a creche depende” equivale, na prática, à divulgação do seu nome, porque é pública e notória a identidade do pároco de Cacilhas, a quem uma tal notícia causou, necessariamente, um gravíssimo dano moral. Em vez de se supor a inocência, até prova em contrário, pressupôs-se o crime em relação ao padre “que gere o centro paroquial de que a creche depende” e, de certo modo, a todos os sacerdotes diocesanos porque, quem não soubesse de quem se tratava, podia julgar suspeito desses abusos qualquer outro padre da mesma diocese.
Sei que, graças a Deus, ante esta impiedosa perseguição de que foi alvo o seu pastor, a respectiva comunidade eclesial e outras paróquias da mesma diocese reagiram com caridade cristã. Estou certo de que a este presbítero, em tão dura prova, não lhe faltou o consolo de Deus, que nunca deixa de assistir aos bem-aventurados “que sofrem perseguição por amor da justiça” (Mt 5, 10), nem a ternura de Nossa Senhora que, quando todos abandonaram o seu divino filho, permaneceu fielmente junto à sua Cruz (Jo 19, 25). Sei que, para além do apoio dos seus paroquianos, não lhe faltou a solidariedade dos seus irmãos no presbitério diocesano, nem a paternal solicitude do seu bispo. Este, como é aliás seu dever, pôs-se de imediato à disposição das autoridades policiais e judiciais, em ordem ao total apuramento dos factos, porque a tanto está obrigado pela recente normativa da Santa Sé sobre esta matéria.
Este caso teve agora o seu desfecho. No passado dia 29 de Maio, a Polícia Judiciária emitiu um comunicado que não deixa margem para dúvidas: “A Polícia Judiciária, através do Departamento de Investigação Criminal de Setúbal, concluiu uma investigação com origem numa denúncia apresentada pela progenitora de uma criança de 5 anos de idade, por suspeita da prática de um crime de natureza sexual, numa creche de um Centro Paroquial. A investigação efetuada permitiu concluir, de forma absolutamente inequívoca, tratar-se de uma suspeita infundada, não se verificando a prática de qualquer crime.” Repito: “A investigação efetuada permitiu concluir, de forma absolutamente inequívoca, tratar-se de uma suspeita infundada, não se verificando a prática de qualquer crime.” Ponto final, parágrafo.
E agora?! Quem repara os danos causados ao bom nome e fama do pároco de Cacilhas, injustamente difamado? Quem desagrava a calúnia de que foi alvo? Quem repõe a idoneidade moral da creche em questão e providencia o ressarcimento dos danos morais e económicos entretanto sofridos? Quem restitui a credibilidade roubada ao referido centro paroquial? Quem responsabiliza os meios de comunicação social que veicularam a infamante mentira? Quem investiga a fuga de uma informação que era suposto estar em segredo de justiça? Quem indemniza a diocese injuriada? Provavelmente ninguém porque, quando a culpa não é dos padres, está condenada a morrer solteira.
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