quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

AS CONDECORAÇÕES E O PR


“Foge cão que te fazem barão.
Para onde se me fazem visconde?”
Almeida Garrett

Fez há pouco nove meses, que o Presidente da República (PR) se deslocou a um hospital onde jazia no seu leito de morte, um português com “P” grande a fim de o condecorar, o que fez, atribuindo-lhe o Grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.

O seu nome era Victor Manuel Tavares Ribeiro e estávamos a 23 de Março de 2019.

Victor Ribeiro faleceu poucas horas depois, não sem antes ter sido contemplado com a condecoração maior: ter recebido a graça do Baptismo.

Há poucas semanas (a 19 de Dezembro) Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) deu um salto a outro hospital para condecorar o Almirante Nuno Vieira Matias, desta vez com a Grã-Cruz da mesma ordem.

O Almirante Matias esteve para ser condecorado durante uma visita programada à Sociedade Histórica para a Independência de Portugal, sita no Palácio Almada (vulgo da Independência) no pretérito dia 27 de Novembro, visita entretanto adiada.

O que coincidiu com uma queda do supracitado que o obrigou à baixa hospitalar.

Já a 30 de Dezembro o PR entendeu condecorar o treinador de futebol Jorge Jesus com o grau de Comendador da mesma Ordem, tendo a mesma sido ventilada pública e previamente tendo MRS, na sua incontinência verbal, dito qualquer coisa como “o meu instinto é condecorá-lo já, mas vou consultar o Conselho das Ordens”.

Imagina-se que o Conselho das Ordens há-de ter apreciado muito esta “subtil” maneira de o pressionar…

 A Ordem do Infante D. Henrique foi, recorda-se, criada nos tenebrosos tempos do “Estado Novo” (imagine-se), em 1960, para comemorar o 5º centenário da morte do Infante D. Henrique, destinando-se a (redacção de 1962) “distinguir os que houvessem prestado serviços relevantes a Portugal no país e no estrangeiro e serviços na expansão da cultura portuguesa ou para o conhecimento de Portugal, sua história e seus valores”.

A Ordem do Infante D. Henrique tem vários graus, a saber:

O Grande Colar (apenas destinado a Chefes de Estado); a Grã-Cruz; o Grande Oficial; Comendador; Oficial e Cavaleiro/Dama.

São já imensas as veneras atribuídas pelo actual PR (embora ainda não tenha batido “records” anteriores), o que só tem concorrência no número de “selfies” tiradas e nas deslocações efectuadas.

Bom, é sempre melhor distribuir condecorações e títulos, do que censuras e castigos, mas o que está em causa é porventura a precipitação (veja-se o caso da atribuição do nome do Ronaldo ao Aeroporto do Funchal) e sobretudo a Justiça com que se fazem as coisas. E a Justiça tem dois andamentos: a absoluta e a relativa.

Existe ainda outro ponto assaz importante a ter em conta: a vulgarização. Ora a vulgarização leva ao descrédito, o que na sua vertente extrema levará a que uma condecoração seja tida como um “castigo” e à descredibilização de quem a atribui, o que levará naturalmente a que qualquer agraciado, com vergonha na cara, possa recusar a “distinção”.

Os casos de várias (são já muitas) personalidades condecoradas, nomeadamente em cerimónias do 10 de Junho (Dia de Portugal e portanto a data mais importante para se condecorar alguém, o que já de si deveria constituir uma distinção adicional), que mostraram e, ou veio a saber-se, não serem dignas de as terem recebido, com a dúvida pública instalada, se as mesmas deveriam ser retiradas aos agraciados, não tem ajudado nada.

Mesmo nada.

Ora se atentarmos nos exemplos apontados – e não queremos com isto estar a comparar as pessoas como tal – verificamos que Victor Ribeiro que foi um ex-combatente do Ultramar, que nunca virou as costas ao perigo; muito competente profissional da Aviação Civil (Comandante de Linha Aérea) e a quem o país deve uma parte da vitória do 25 de Novembro, pois estando já fora do serviço activo militar, foi convocado para os “Comandos” e comandou uma das companhias que ajudou a salvar Portugal de uma guerra civil e de uma ditadura odiosa de esquerda, está ao mesmo nível de um treinador de futebol que ao fim de 50 anos aprendeu que o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral (esquecendo-se de acrescentar “oficialmente”).

Não tenho nada contra os treinadores de futebol, mas tenho mais-valias a acrescentar a muitas outras coisas. Nomeadamente ao que Victor Ribeiro e Vieira Matias fizeram. Neste último a disparidade é um pouco menor dado que foi contemplado com dois graus acima (Grã-Cruz). Mas mesmo assim a diferença afigura-se muita.

Vieira Matias foi um muito bom e considerado marinheiro e oficial da Armada, com duas comissões em Angola e na Guiné, que acabou a sua carreira militar como Chefe de Estado-Maior da Armada, que entre muitas outras coisas (positivas) que fez, teve a presciência de colocar de alerta e pronta a zarpar, uma força naval para actuar na Guiné-Bissau, numa altura crítica em que nacionais e interesses portugueses estiveram em risco, e o Governo Português estava a dormir na forma.

Tem lutado sempre pela importância do Mar na vida nacional portuguesa e é sem dúvida um patriota, um homem de saber, de carácter e um académico distinto.

Comparar estes exemplos profissionais de vida com outros que dirigem uns quantos atletas que têm jeito para dar chutos numa bola, por mais que isso divirta a mole humana e nos massacre nas pantalhas da televisão, parece-me um pouco como confundir a “estrada da Beira com a beira da estrada”…

E cabe às entidades de maior hierarquia do Estado, dada a sua responsabilidade, dar o exemplo e promover os bons exemplos.

Mas o que mais choca nestes eventos é que, enquanto a Jorge Jesus – de quem estimamos a simplicidade e autenticidade – foi dada ampla promoção mediática (abertura de telejornais!) com a distinção da mesma ter sido efectuada no Palácio de Belém, perante muitos convidados e as duas outras condecorações terem sido atribuídas quase em segredo, perante meia dúzia de pessoas mais chegadas, tendo sido ignoradas pela comunicação social. Apesar também da distinção que a deslocação do PR comporta.

Será que os serviços da presidência se esqueceram de avisar os homens da pena, do microfone e da câmara?

Porque é que não há uma coisa que bata certo nesta malfadada III República?

As palavras de Garrett fazem-nos pensar que a natureza humana não muda mesmo e aquilo que se vai aprendendo não é lá grande coisa.


João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)

Fonte: O Adamastor

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