sábado, 2 de maio de 2020

1420-2020: 600 anos da Madeira, laboratório da Portugalidade

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Se bem que a existência do arquipélago da Madeira fosse conhecida desde a Antiguidade, tais referências eram vagas e a localização exacta envolta em mistério. A Madeira teria sido tocada por embarcações gregas, fenícias e romanas que percorriam a rota comercial que ligava o Mediterrâneo e às Ilhas britânicas (Cassitérides) e à Irlanda (Hebérnia), mas ali parece não ter havido assentamento perdurável de populações. Não tendo sido achado, nem descoberto, mas redescoberto, o arquipélago a que chegaram João Gonçalves Zarco, Bartolomeu Perestrelo e Tristão Vaz Teixeira em 1420 foi, desde o início do seu povoamento, em 1425, um verdadeiro viveiro de experiências que depois se alargariam a todo o espaço Atlântico ao longo dp século XVI.

Inicialmente desbravada por minhotos e algarvios, recebeu muitos africanos trazidos de Marrocos, das Canárias e da costa da Guiné - cerca de 10% do total da população no século XVI - aplicados na cultura da cana-de-açúcar. Seria, nos meados de Quinhentos, um dos mais importantes pólos económicos do Reino, produzindo açúcar destinado à Flandres, cereais, produtos de tinturaria, mas também o afamado vinho da Madeira que chegou a ser a bebida por excelência das cortes europeias antes da afirmação do vinho do Porto.

Geograficamente bem posicionada nas relações entre o Mediterrâneo e o Mar do Norte, entre a Europa e África e entre a Europa e o Novo Mundo, foi no arquipélado que se operou a mutação social, administrativa, eclesiástica e económica que levaria à assunção do modelo luso-atlântico, depois aplicado e ampliado no Brasil. Desta "nova sociedade senhorial" que reproduzia a do Reino até na estruturação administrativa disposta em donatarias, nasceu o sistema das capitanias do Brasil, regime jurídico não perpétuo que era um passo avante de um "feudalismo" que oferecia já elementos de "capitalismo mercantil" sempre vigiado pela Coroa. Tal regime de cedência por contrato, mas também de doações régias, foi sempre acompanhado de perto e, pois, com o dealbar do Estado Moderno, essas marcas desapareceram.

Por fim, foi no Funchal que se realizou a transposição do mundo fechado do cristianismo europeu para o de religião ecuménica vocacionada para o apostolado ultramarino, americano, africano e asiático. A diocese do Funchal, criada em 1514, exercia jurisdição sobre África ocidental e oriental, sobre o Brasil e Índia, pelo que o seu titular recebeu o título de primaz.

Parcela fecundíssima e pioneira de Portugal mundializado, a Madeira é, aceitemo-lo , a jóia mais antiga da Portugalidade. Produto do trabalho árduo, da aventura e da coragem de sucessivas gerações de desbravadores e colonizadores, as duas primeiras estrofes do hino da RA da Madeira são justa lembrança dos tempos heróicos em que a Madeira foi o centro da expansão portuguesa:

"Do vale à montanha e do mar à serra,
Teu povo humilde, estóico e valente.
Entre a rocha dura te lavrou a terra,
Para lançar, do pão, a semente.

Herói do trabalho na montanha agreste,
Que se fez ao mar em vagas procelosas:
Os louros da vitória, em tuas mãos calosas
Foram a herança que a teus filhos deste".

É pois com justíssima razão que as armas da Madeira, encimadas pela esfera armilar [da Portugalidade], inscrevem no centro a Cruz de Cristo e o elmo de D. João I, o rei que iniciou em Ceuta o alargamente ultramarino de Portugal.

MCB

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