Como temos vindo a explanar em publicações anteriores, a bibliografia eduardina é repleta de surpresas e dotada de categórica originalidade. Se já se falou que o Leal Conselheiro foi escrito apenas para um círculo restrito, o monarca quis compor, para além desta, outra obra absolutamente inovadora que pensava vir a atingir maior divulgação. Infelizmente a sua morte inesperada, com quarenta e seis anos, não o permitiu terminar. Porém, um frade, ou alguém que conseguiu obter o manuscrito, copiou-o e finalizou-o com o tradicional “Deo gracias”, como se a obra estivesse acabada. Não sendo, ao que se sabe, mais copiada, andou como perdida até ao século XIX, restando dela apenas uma vaga memória; considerando-a mesmo perdida, Barbosa Machado no século XVIII, na sua monumental Biblioteca Lusitana, escreveu que o Rei teria escrito um livro sobre “domar cavalos”, que desconhecia. Tratava-se portanto de o Livro da Ensinança de bem Cavalgar Toda a Sela.
Desenhado para ser composto por dezasseis partes, ficou apenas com sete redigidas. Não obstante uma obra inacabada, é muito mais que um tratado puramente técnico, pois a há nitidamente uma promoção das capacidades tanto físicas como emocionais. Desenvolve temas como a vontade humana para cavalgar, o poder do corpo, os requisitos materiais para a aprendizagem da arte equestre, princípios elementares da técnica de montar, formas como saber lidar com o medo, a segurança no cavalo, a elegância ou os preceitos do torneio. Estamos diante de “o nosso primeiro tratado completo, perfeito, científico, de pedagogia desportiva”, escreveu Joseph Peil, responsável pela excelente edição da obra. Mais, Rodrigues Lapa acrescentou ser um tratado de equitação escrito por um psicólogo. O zelo da sua actividade física e a paixão pelos cavalos, a sua fervorosa vida religiosa - própria de alguém conhecedor do psicológico pela ultrapassagem de uma depressão, e daí saber do que lhe valia a sua dimensão espiritual -, foram os condimentos para esta obra, que começou a escrever apaixonado, logo quando ainda era infante. “Insisto numa ideia: o Livro de Cavalgar, como o Leal Conselheiro, foram terminados pela mesma altura, remetem constantemente de um para o outro, de forma explícita, reproduzindo capítulos ou passagens, ou indirecta, e comungam das mesmas preocupações, dos mesmos gostos, dos mesmos objetivos.” O pensamento é de Luís Miguel Duarte, que biografou este Rei.
Escarneceu com refinado talento os fidalgos que se arrastavam obesos e inúteis, preocupados com jogos e intrigas palacianas, com o vestir e com o calçar, quando deveriam cavalgar, caçar javalis pelos montados, exercitar o físico e respirar ar puro. Lembra o seu saudoso pai, apresentando-o como paradigma, que com setenta anos ainda subia para a sela do cavalo sem qualquer tipo de ajuda, exercício que muitos homens de cinquenta anos já não era capazes de fazer.
Peça da nossa literatura, jóia da cultura medieval europeia, seja o pioneiro Livro da Ensinança de bem Cavalgar Toda a Sela, exemplo da essência dos homens que construíram este Portugal.
Tomás Pinto Bravo
Fonte: Nova Portugalidade
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