‘Juro e prometo com a graça de Deus vos reger e governar bem e direitamente e vos administrar inteira justiça quanto a humana fraqueza permite e de vos guardar vossos bens e costumes e privilégios, graças e mercês, liberdades e franquezas que pelos Reis meus predecessores vos foram dadas, outorgadas e confirmadas.’
Desde que o Primeiro Rei de Portugal fundou esta tão grande Nação com o auxílio dos Infanções Portucalenses; foi através de um Alevantamento, ou Alçamento no Trono que o Rei de Portugal assegura o apoio de toda a Comunidade Portuguesa reunida em Cortes, onde estavam representadas as diferentes classes sociais estabelecidas em três Ordens: o Primeiro Estado, fronde do Clero; o Segundo Estado, fronde da Nobreza; e o Terceiro Estado, fronde do Povo.
Assim, se torna por Aclamação Rei de Portugal, prometendo reinar sempre de acordo com a vontade expressa de todos os Portugueses.
Dom Miguel de Bragança, terceiro filho varão de D. João VI e de D. Carlota Joaquina de Borbón, nasceu a 26 de Outubro de 1802, no Palácio de Queluz, e faleceu em Brombach, Alemanha, a 14 de Novembro de 1866.
Foi o 29° Rei de Portugal (1828-1834) e foi o último Rei Tradicional.
Aquando da 1ª Invasão francesa, em 1807, embarcou com a Família Real para o Brasil Quando voltou, a Lisboa a 3 de Julho de 1821, com os pais - o irmão D. Pedro a governar o Brasil – encontrou um Portugal muito diferente em termos políticos, pois um novel regime, de cariz liberal, havia nascido em 1820.O Infante Dom Miguel, prontamente avoca a chefia dos partidários do antigo regime, aglutinados em volta de D. Carlota Joaquina, e assume a direcção dos movimentos contra-revolucionários da Vila-Francada, em 1823, que provoca à dissolução das Cortes liberais e marca o fim da vigência da Constituição de 1822. D. Miguel torna-se, então, o Comandante-em-chefe do Exército português. Os liberais reagem, e em 1824, D. Miguel dirige novo movimento, a Abrilada, mas desta feita sem sucesso. Após o pronunciamento, D. João VI demite D. Miguel da função que exercia desde a Vila-Francada e o Infante abandona o País, estabelecendo-se em Viena de Áustria, durante 4 anos.
Em 10 de Março de 1826, D. João VI morre e D. Miguel escreve para o Brasil, afirmando aceitar D. Isabel Maria como regente do reino e seu irmão como legítimo herdeiro do trono. D. Pedro abdica do trono português a favor de sua filha D. Maria da Glória, sob a dupla condição de ser jurada a Carta Constitucional e da Princesa casar com o tio, D. Miguel. Dom Miguel, de boa vontade jura a Carta Constitucional outorgada pelo irmão e celebra os esponsais com D. Maria da Glória, casando por palavras futuras com a sobrinha, pelo que D. Pedro nomeia, em 1827, D. Miguel como seu lugar-tenente e regente na menoridade de D. Maria (II).
Regressado a Lisboa, em Fevereiro de 1828, D. Miguel jura mais uma vez a Carta, contudo, decorrido pouco tempo, diante do surto jacobino e da onda liberal que grassava e ameaçava o País antigo, o regente nomeia um novo Ministério, dissolve as Câmaras das Cortes e, convoca Cortes à maneira antiga. As Cortes eram assembleias políticas, Gerais ou Extraordinárias, os órgãos políticos de carácter consultivo e deliberativo das Monarquias orgânicas, e representavam as diferentes classes sociais estabelecidas em três Ordens: o Primeiro Estado, fronde do Clero; o Segundo Estado, fronde da Nobreza; e o Terceiro Estado, braço do Povo. Assim, com o poder real legitimado pelas Cortes Gerais da Nação Portuguesa, a 11 de Julho de 1828, Dom Miguel I é aclamado Rei pelos Três Estados do Reino:
'Juro aos Santos Evangelhos, corporalmente com a minha mão tocados, que eu recebo por meu Rei e Senhor verdadeiro e natural ao mui alto e poderoso Rei Dom Miguel e lhe faço preito e menagem segundo foro e costume deste Reinos.’
Os liberais expatriam-se aos magotes e os que ficam e não aceitam o regresso à antiga ordem são alvo de represálias.
Dom Miguel não era um Rei Absoluto, como injustamente ficou conhecido, mas representava sim um velho jeito de ser português, arraigado à tradição. Restabelece a Monarquia de Tradição Portuguesa segundo o qual o poder era entregue ao Rei por um pactum subjectionis para governar de acordo com o bem comum, não sendo nunca um poder pessoal, mas extirpado de qualquer forma de absolutismo, uma posição de privilégio com a obrigação de servir, governando com Justiça, sendo do ofício do Monarca manter os direitos e interesses de cada um dos súbditos e o bem comum do Reino de Portugal com a promulgação das competentes Leis justas e respeitando as liberdades fundamentais, regalias e seguranças, comummente consagradas em carta de Foral - que definia as matérias respeitantes à liberdade das pessoas, à defesa dos direitos em juízo, à tributação, à inviolabilidade do domicílio. Com Sua Majestade Fidelíssima, verifica-se o regresso da vocação de serviço da Monarquia Portuguesa em que o Monarca aceita que o seu poder é limitado pelas Leis Fundamentais do Reino, que foram expressas nas Actas das Cortes de Lamego – que apesar de serem apócrifas, se tornaram na Lei Fundamental do Reino, uma vez que o seu teor jurídico é aquele que correspondia ao Costume, e por isso se tratam da codificação do direito da Monarquia Portuguesa: ‘Estas são as Leis da herança do nosso Reino: boas são, justas são, queremos que valham por nós, e por nossos descendentes, que depois vierem.’
Oliveira Martins diz isso:
‘D. Miguel e o seu franco plebeísmo eram a genuína expressão do Portugal Velho que, de crises em crises sucessivas, atingia agora a última. O Rei passava, a cavalo, a galope, com a vara entalada na sela, moço e radiante; e agente das ruas parava a adorá-lo, com um ar de júbilo ingénuo nos rostos; os mendigos de uma cidade mendicante avançavam ajoelhando e o príncipe abria a bolsa, dava-lhes dinheiro; as mulheres rezavam, pedindo a Deus a conservação de um rei tão belo, tão bom, tão amigo do povo. Corriam pequenos catecismos, orações em que Portugal, repetindo Jerusalém, era o motivo de salmos e antífonas ardentes, invocando-se a Virgem-Puríssima-Nossa-Senhora para que protegesse o augusto e amado rei, defendendo-o de todos os seus inimigos, livrando o reino do pestilento e infernal contágio da seita maçónica…etc. Sempre que aparecia em público, D. Miguel era vitoriado, levado em triunfo, entre bênçãos e aclamações delirantes: de um a vez, passando na Carreira dos Cavalos, caminho de Queluz, achou-se rodeado, sem poder avançar. Eram oficiais do Exército, eram voluntários realistas, eram paisanos, homens, mulheres, gente de todas as idades e classes, que puxando a carruagem o levou em triunfo, entre vivas espontâneos e ardentes, até Val-de-Pereiro. Ninguém dirigia, ninguém ordenava essas festas sem programa, que brotavam como viva expressão do entusiasmo popular. Respirava-se o ardor de uma cruzada: D. Miguel era um Pedro- Eremita. Criava-se uma cavalaria nova e sagrada, para opor à seita maçónica: era a Ordem de S. Miguel da Ala de que o Rei tinha o grão- mestrado, para defender a Santa Religião católica, apostólica, romana, e restaurar a legitimidade portuguesa’.
Mas os auto-exilados liberais, congregam-se na Ilha Terceira, nos Açores, e em Junho de 1828, acontece uma revolução anti-miguelista em Angra do Heroísmo. Em 3/3/1832 D. Pedro, tendo já abdicado do trono imperial do Brasil, aportou aos Açores como Regente em nome da sua filha D. Maria, e dali embarcou em direcção ao continente à frente de um exército de 7 500 homens – uma larga maioria mercenários estrangeiros contratados -, desembarcando no Pampelido, em 8 de Julho de 1832.
No dia seguinte os ‘bravos do Mindelo’ ocuparam o Porto, onde sofreram um longo cerco do exército miguelista. Em 20/6/1833 mais um desembarque liberal, agora no Algarve, tem melhor sorte e depois de vencerem os miguelistas em Cacilhas avançam até Lisboa. Somam mais vitórias, o exército miguelista chefiado pelo Duque de Cadaval, que cercava o Porto, destroça, e no ano de 1834 e sob a ameaça das forças da Quadrupla-Aliança que invadem Portugal, os realistas transigem, tendo Dom Miguel I assinado a capitulação, para não ver derramado mais sangue português, pelas armas estrangeiras, assinando, em 26 de Maio de 1834 a Convenção de Évora-Monte. Entrega as suas jóias ao irmão D. Pedro, Duque de Bragança, como contribuição para o esforço de reconstrução do País após a guerra, e que suscitou de D. Pedro o comentário emocionado: "Isto são mesmo coisas do mano Miguel".
No dia 1 de Junho de 1834, D. Miguel parte do Palácio de Vila Viçosa para embarcar num navio de guerra britânico em Sines, com destino a Génova, tendo pernoitado pela última vez em solo português na vila alentejana de Alvalade, e de manhã deixa definitivamente Portugal, seguindo para Itália, mas ainda ao largo da costa portuguesa, D. Miguel denuncia a Convenção, redigindo uma carta em que declara que firmara o acordo sob coacção. No dia 20 de Junho impetra um protesto formal contra a renúncia que fora forçado a fazer dos seus direitos à Coroa de Portugal. Ainda viveu depois em Londres.
Escreveu, Camilo Castelo Branco:
'Rei! no dia em que descestes
Do Vosso throno real
Apagou-se a luz da gloria,
Cerrou-se o livro da história
Do Reino de Portugal.'
O sobrinho-neto D. Pedro V encontra-se com D. Miguel na sua viagem a Londres, ficam muito amigos e trocam assídua correspondência.
Dom Miguel, acaba por se fixar na Alemanha, onde, em 1851, contrai matrimónio com D. Adelaide de Loewenstein-Wertheim-Rochefort-Rosenberg, de quem teve sete filhos. Aproxima-se das correntes da Maria da Fonte e da Patuleia. O sobrinho-neto D. Pedro V aproxima-se ainda mais, e correm rumores de que chega a acontecer um encontro secretíssimo entre os dois Reis, em Mafra, a 5 de Outubro de 1859, pois Dom Miguel fez questão de vir consolar D. Pedro V aquando da morte de D. Estefânia. Com a morte de D. Pedro V, D. Miguel volta a afastar-se dos seus parentes que agora reinavam.
Dom Miguel falece a 14 de Novembro de 1866, após uma paralisia pulmonar, e Dom Luís I decreta luto nacional por 20 dias. Reis são Reis, política é outra coisa!
Miguel Villas-Boas
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