'(…)
Por onde vamos? Sim, há parlamento, mas com debates espaçados. Sim, há liberdade de expressão, mas, nos estúdios das televisões subsidiadas, só para toda a gente poder expressar a mesma opinião. Sim, há pluralidade partidária, mas quase sempre com o mesmo partido no governo desde 1995. Sim, há mercado, mas o Estado é que diz onde se põe o dinheiro. Sim, há justiça, mas não para incomodar os políticos. Estão surpreendidos? As leis não vivem de si próprias. Uma democracia supõe uma sociedade civil forte e uma massa de cidadãos independentes perante o poder, isto é, uma economia aberta e dinâmica. Que deveríamos esperar de uma sociedade empobrecida e dependente, onde só o Estado tem dinheiro, extorquido aos contribuintes e à “solidariedade europeia”? A certa altura, é fatal que a oligarquia comece a achar irrelevantes todos aqueles procedimentos que sujeitam o poder ao escrutínio de deputados ou à escolha dos eleitores. Para quê, se os deputados não tem independência e os eleitores também não? Os oligarcas já começaram a ver “o que hoje isto é”. Não se admirem se amanhã, sem serem precisos dramas, tanques ou racismos, “isto” se transformar noutra coisa.'
Rui Ramos in Observador de 24 de julho 2020
(com a devida vénia)
Fonte: Interregno
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