Faz 523 anos que no meio de grande euforia, preces, lenços que acenavam e lamúrias e lágrimas das mulheres e crianças de Lisboa, levantou ferro e saiu da barra do Tejo em direcção à Índia a esquadra comandada por Vasco da Gama. Seria como se hoje assistíssemos à partida de uma expedição destinada às regiões remotas e geladas do nosso sistema solar.
Daquelas quatro naus com ordens para sulcar mares traiçoeiros e desconhecidos, sem mapas e sem quaisquer dos apetrechos náuticos que agora estão à disposição de qualquer marítimo, duas eram tão diminutas que hoje encheriam de receios os mais experimentados lobos do mar. Na singradura da diminuta armada, o horizonte foi recuando e quando mais aqueles 170 homens avançavam oceano adentro, esboroavam-se medos e terrores antigos. Pela primeira vez, fora de águas resguardadas, homens lançavam-se ao desconhecido, desafiavam os elementos e atiravam dos seus pedestais entidades míticas que há milénios submetiam a humanidade.
A viagem mudaria num ápice a história mundial e produziria um verdadeiro terremoto no equilibrio de forças, nas constantes geopolíticas até aí determinantes no sistema euro-asiático, produzindo também consequências geo-económicas, culturais, científicas e religiosas de tamanha amplitude que se pode falar em verdadeira revolução para toda a humanidade. Os mundos fechados iniciaram uma convergência imparável, as galáxias civilizacionais compreenderam que viviam num mundo mais diverso e habitado por outros homens de cores, crenças, e maneiras de ser "desvairadas" (como então se dizia), que o Deus a que oravam tinha vários nomes, que os valores por que outros viviam eram tão merecedores do amor, da paixão e até da guerra.
A viagem do Gama iniciou a era em que vivemos, a de um mundo com consciência dos seus limites, mas de si tão grande, tão diverso e tão rico em humanidade que, sem esse entendimento, não haveria humanidade, mas apenas homens encafuados nos seus pequenos mundos fechados.
MCB
Fonte: Nova Portugalidade
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