domingo, 20 de dezembro de 2020

Afonso de Albuquerque: Leão dos Mares

 


O Grande Afonso de Albuquerque foi filho segundo de Gonçalo de Albuquerque, Senhor de Vila Verde, e de Dona Leonor de Menezes, sua mulher, filha de Dom Álvaro Gonçalves de Ataíde, primeiro Conde de Atouguia. Foi Estribeiro-mor d'El-Rei Dom João II e fazia este excelente Príncipe merecida estimação da sua pessoa, porque descobria nele singular valor e generosidade, juízo e descrição. El-Rei Dom Manuel o mandou à Índia juntamente com Tristão da Cunha, e ambos com acções ilustres fizeram temido e respeitado naquelas partes o nome Português; Feito depois Governador daquele Estado, lhe deu novo ser e nova grandeza; Até então andavam os Portugueses por todo o Oriente dominantes, mas vagos; Não havia lugar firme, onde estivesse firme e permanente o novo Império; O grande Albuquerque lhe deu firmeza e duração na conquista de Goa, Malaca e Ormuz, empórios os mais célebres de toda a Ásia; Conquistou cada uma destas Cidades, primeira e segunda vez, para que fosse três vezes duplicada a glória do seu nome. Os Mouros e Gentios o viram sempre vencedor e o reputaram de invencível. Era de proporcionada estatura, o rosto alegre e gracioso, mas nas ocasiões de importância, se mostrava severo e grave. A barba toda branca, e tão comprida que lhe chegava à cintura, lhe conciliava excessiva veneração. Tinha ditos mui prontos e engraçados, e nas coisas mais sérias, sentenciosos. Governou a Índia seis anos, sempre com igual valor, com igual prudência, com igual fortuna. Não responderam os prémios aos seus merecimentos: Voltando de Ormuz para Goa, achou notícias de que El-Rei Dom Manuel havia mandado novo Governador e novas direcções, encontradas ao que ele entendia e aos avisos que havia feito ao Reino; daqui conjecturou o pouco que nele se estimavam os seus grandes serviços, e rompeu naquela sentença, tão discreta como verdadeira: Mal com El-Rei por amor dos homens, mal com os homens por amor d'El-Rei. Esta consideração, sobre uma grave enfermidade que já padecia, lhe acelerou a morte, e conhecendo então com vista desembaraçada o quanto são mentirosas as esperanças do mundo, repetia muitas vezes estas palavras: Tempo é de acolher à Igreja. Desejava com grandes ânsias chegar a Goa, a que chamava a sua terra da Promissão. Poucas horas antes de morrer, escreveu uma carta a El-Rei, que merece copiada, até na concisão do nosso assunto; Dizia assim: Senhor, esta é a derradeira, que com soluços de morte escrevo a Vossa Alteza, de quantas, com espírito de vida, lhe tenho escrito, pola ter livre da confusão desta hora, e muito contente na ocupação do seu serviço; Nesse Reino deixei um filho, por nome Brás de Albuquerque, peço a Vossa Alteza o faça grande como meus serviços merecem: Quanto às coisas da Índia, ela falará por si e por mim. Mal pôde assinar esta carta por estar já muito no cabo, mas tanto em seu juízo, como da mesma carta se prova; Chegando à barra de Goa, recebidos os Sacramentos, com suma devoção faleceu neste dia [16 de Dezembro], em Domingo, pela manhã, ano de 1515, com sessenta e três de idade, quatro de Capitão e seis de governo da Índia. Foi recebido seu corpo na Cidade de Goa com pomposa ostentação, acompanhada de lágrimas universais, que são a circunstância mais estimável de um enterro. Com grande repugnância da Cidade de Goa, foi trazido para Lisboa e sepultado na Igreja de Nossa Senhora da Graça dos Religiosos de Santo Agostinho, onde jaz em limitado túmulo o que apenas cabia em toda a Ásia. Não foi casado, teve um filho chamado Brás de Albuquerque, a quem El-Rei D. Manuel fez algumas mercês, e lhe mandou que se chamasse Afonso de Albuquerque, em memória de seu pai, e o fez casar ilustremente.

Pe. Francisco de Santa Maria in «Ano Histórico, Diário Português: Notícia Abreviada de pessoas grandes e coisas notáveis de Portugal», 1744

Fonte: Veritatis

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