29 de Junho de 2021
SS. Apostolorum Petri et Pauli
Scitote quoniam Dominus ipse est Deus:
Ipse fecit nos, et non ipsi nos.
Ps 99, 3
Os inimigos da nossa alma são sempre os mesmos e sempre iguais são as emboscadas que esses nos armam. O mundo, com as suas seduções; a carne, corrompida pelo pecado original e inclinada ao mal; o Diabo, eterno inimigo da nossa salvação e que se serve da carne para nos assediar. Dois inimigos externos e um interno, sempre prontos a fazer-nos cair no momento da distracção, da fraqueza. Estes inimigos espirituais acompanham cada um de nós desde a infância até à velhice e a humanidade ao longo das gerações e dos séculos.
Os aliados com os quais podemos contar para vencer o mundo, a carne e o Diabo são a Graça de Deus, a assiduidade aos Sacramentos, o exercício das Virtudes, a oração, a penitência, a consideração dos Novíssimos, a meditação da Paixão do Senhor e o viver na Sua presença.
Nesta época rebelde e descristianizada, em que a sociedade não apenas não ajuda na persecução do nosso fim último, mas faz de tudo para nos afastar dele, a autoridade civil impõe-nos que sigamos o mundo, que satisfaçamos os desejos da carne e que sirvamos o Inimigo do género humano. Uma autoridade perversa e pervertida, que falhou no seu dever de reger e governar o corpo social para conduzir os indivíduos à salvação eterna; pelo contrário: que nega a salvação eterna, rejeita o Autor divino e adora o Adversário.
Não admira, pois, que esta modernidade apóstata, em que a arbitrariedade é a norma e o vício modelo a seguir, queira eliminar todos os vestígios de Deus e do Bem na sociedade e nos indivíduos, fazendo um pacto infernal com o mundo, a carne e o Diabo. É o que vemos acontecer na descarada promoção da sodomia, da perversão e do vício em todas as suas formas mais abjectas; e no escárnio, na deslegitimação e na condenação da pureza, da rectidão e da virtude.
Mas se a nossa luta quotidiana contra os nossos inimigos inclui, hoje, um esforço titânico para lutar também contra o Estado, que deveríamos considerar nosso amigo e que, em vez disso, opera para nos corromper desde tenra idade, é doloroso e trágico ver que outros traidores e mercenários se unem a este cerco: maus Pastores que abusam da sagrada autoridade recebida de Nosso Senhor para empurrar-nos para a condenação, convencer-nos de que o que, até ontem, era considerado pecaminoso e indigno daqueles que foram redimidos pelo Sangue de Cristo, tornou-se, hoje, lícito e bom.
O espírito mundano, a escravidão à concupiscência e – aquilo que é mais grave – a renúncia a combater contra o Maligno contaminaram grande parte da Hierarquia da Igreja Católica, desde o seu topo, tornando-a inimiga de Deus, da Sua Lei e da nossa alma. Assim como aconteceu com a autoridade civil, a autoridade religiosa também abdicou do seu papel, renegando o propósito para o qual foi querida pela Providência divina.
A novidade desta perversão da autoridade, que é prelúdio do embate epocal dos Últimos Tempos, está, precisamente, na corrupção dos Pastores e no facto de que os fiéis, como rebanho sem guia, se vêem obrigados a resistir heroicamente a um ataque, em várias frentes, à Cidadela, no qual são deixados sozinhos pelos seus líderes, que abrem as portas e deixam entrar as hordas inimigas para nos exterminar.
A discussão do DDL Zan, a imposição da ideologia LGBTQ+ e a doutrinação da teoria do género, na Itália, seguem um plano direccionado organizado a nível global, que em muitas Nações já foi concluído. Países em que, depois de dois séculos de revoluções, sobrevivera a marca do Catolicismo no tecido social, estão, hoje, completamente paganizados. As bandeiras arco-íris flutuam não apenas nos edifícios das instituições públicas, mas também nas fachadas das Catedrais, nas varandas dos Bispados e até no interior das igrejas.
Nos tempos recentes – ainda há apenas trinta anos – poder-se-ia dizer que, para apoiar uma minoria de pessoas iludidas pelo vício e defendê-las da discriminação, o Estado devia intervir com formas de protecção e com garantias das suas liberdades. Uma afirmação irrazoável e ilógica, vendo bem, porque a liberdade da pessoa humana consiste na adesão da vontade ao bem, para o qual a sua natureza é ordenada, e na persecução do seu fim material e sobrenatural. Mas no grande engano que o Diabo tende, desde sempre, ao homem, aquele aparente pretexto seduziu muitos. Parecia que era preciso coragem para reivindicar o direito ao vício e ao pecado, contra a dureza implacável de uma “maioria conformista” ainda ligada aos preceitos da Religião. Reivindicava-se o orgulho de ser diferentes num mundo de iguais, de ter direito a um espaço de vício num “mundo virtuoso”.
Naqueles anos, a Igreja ainda levantava, talvez com menos convicção, mas sempre fiel ao seu mandato divino, a voz do imutável Magistério para condenar a legitimação de comportamentos intrinsecamente desordenados. Atenta à salvação eterna das almas, via quais calamidades se abateriam sobre a sociedade com a aprovação de estilos de vida totalmente antitéticos à Lei Natural, aos Mandamentos e ao Evangelho. Os Pastores sabiam ser corajosos defensores do Bem e os Papas não temiam ser alvo de indecorosos ataques da parte daqueles que viam neles o kathekon que impedia a definitiva corrupção do mundo e o estabelecimento do Reino do Anticristo.
Hoje, aquela batalha heróica – e que sabemos já estar enfraquecida pela corrupção interna generalizada de bispos e sacerdotes – parece já não ter sentido, assim como parece já não ter sentido o ensino da Sagrada Escritura, dos Santos Padres e dos Romanos Pontífices. Quem se senta em Roma rodeou-se de pessoas imorais, que piscam o olho aos movimentos LGBTQ+ e que simulam hipocritamente um acolhimento e uma inclusão que trai a sua escolha de campo e as suas tendências pecaminosas. Já não há coragem, já não há fidelidade a Cristo, e chega-se a insinuar que, se Bergoglio foi capaz de modificar a doutrina sobre a pena capital – coisa inaudita e absolutamente impossível –, poderá, certamente, tornar lícita também a sodomia, em nome de uma caridade que nada tem de católico e que é repugnante à divina Revelação.
Os cortejos blasfemos que desfilam pelas ruas das capitais do mundo e que chegam a blasfemar e a escarnecer perversamente o Sacrifício de Nosso Senhor na Cidade Santa, consagrada pelo sangue dos santos Apóstolos Pedro e Paulo, são saudados pelos mercenários da seita conciliar, que se cala ante as bênçãos sacrílegas das parelhas homossexuais, mas condena como “rígidos” aqueles que desejam permanecer fiéis ao ensinamento do Salvador. E enquanto os bons bispos e sacerdotes se confrontam quotidianamente com a demolição que vem do alto, vemos publicadas as palavras encantadoras e sedutoras de Bergoglio a James Martin, S.J., em apoio a uma ideologia perversa e perversora que ofende a Majestade de Deus e humilha a missão da Igreja e a sagrada Autoridade do Vigário de Cristo.
Como Sucessor dos Apóstolos e Doutor da Fé, num espírito de verdadeira comunhão com a Sede do Beatíssimo Pedro e com a Santa Igreja de Deus, dirijo-lhes uma severa advertência, recordando que a sua autoridade deriva de Jesus Cristo e que tem força e valor unicamente se permanecer orientada para o fim para o qual Ele a constituiu. Que esses Pastores considerem os escândalos que causam aos fiéis e aos simples, e as feridas que infligem ao martirizado corpo eclesial; escândalos e feridas pelos quais terão que responder à Justiça divina no dia do Juízo particular e, perante toda a humanidade, no dia do Juízo Universal.
Exorto os tantos fiéis escandalizados e desorientados diante da apostasia dos Pastores a multiplicarem, com espírito sobrenatural, as orações e as penitências, implorando ao Senhor que se digne converter os mercenários, reconduzindo-os a Si e à fidelidade ao Seu divino ensinamento. Rezemos à Mãe puríssima, a Virgem das virgens, para que inspire sentimentos de arrependimento nos Ministros corrompidos pelo pecado e pela impureza, para que considerem o horror dos próprios pecados e as terríveis penas que os aguardam: possam esses refugiar-se nas Santíssimas Chagas de Cristo e ser purificados pelo lavacro do Sangue do Cordeiro.
Aos nossos irmãos seduzidos pelo mundo, pela carne e pelo Diabo, dirijo um apelo aflito, para que compreendam que não há orgulho em ofender a Deus, em contribuir conscientemente para os tormentos da Sua paixão, em perverter a própria natureza e em rejeitar desgraçadamente a salvação que Ele conquistou do Pai mediante a Sua Morte no madeiro da Cruz. Fazei das vossas fraquezas uma ocasião de santidade, um motivo de conversão, uma oportunidade para fazerdes brilhar a grandeza de Deus nas vossas vidas. Não vos deixeis enganar por um Inimigo que, hoje, parece secundar-vos nos vossos vícios, com a única intenção de roubar-vos a alma e condenar-vos por toda a eternidade. Sede orgulhosos não da escravidão ao pecado e à perversão, mas de terdes sido capazes de resistir às seduções da carne por amor de Jesus Cristo. Pensai na vossa alma imortal, pela qual o Senhor não hesitou em sofrer e morrer. Rezai! Rezai a Maria Santíssima, para que interceda junto do Seu divino Filho, dando-vos a graça de resistir, de combater, de vencer. Oferecei ao Senhor os vossos sofrimentos, os vossos sacrifícios e os vossos jejuns para obterdes aquela libertação do Mal que o Sedutor vos quer tirar com o engano. Este será o vosso, o nosso verdadeiro orgulho.
† Carlo Maria Viganò, Arcebispo
Fonte: Dies Iræ
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