Um museu, de acordo com a definição dada pelo dicionário Priberam, é um lugar destinado ao estudo das ciências e das artes e que tem actividade museológica ou especial interesse turístico devido ao seu valor artístico, patrimonial ou histórico.
Ontem pude ouvir uma conferência com Lonnie G. Bunch III intitulada de “Racismo na praça pública: o papel dos museus em conversas difíceis, mas necessárias”. Bunch é um historiador que, pelo Smithsonian Institution, fomentou a criação do Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana. Esta conferência foi dinamizada pela Culturgest, uma entidade cultural financiada maioritariamente pela Caixa Geral de Depósitos (entenda-se, financiada maioritariamente pelos nossos impostos).
Como estudante de História, foi interessante ouvir de um colega que leva mais tempo de investigação e trabalho na área do que eu dizer e concordar que os brancos – em especial os portugueses – são “maus” por terem permitido e fomentado a escravatura negra ao longo do Atlântico. Que Lisboa e os seus monumentos deveriam ser recontados sob a perspectiva africana. E que o grande objectivo do museu que ajudou a criar seria mostrar a escravatura e como ela foi racista.
Mas, terá sido a escravatura racista? Não é preciso estudar-se História em grande profundidade ou ter uma vasta carreira de investigação histórica para se saber que os maiores comerciantes de escravos eram muçulmanos. Que as próprias elites tribais africanas vendiam escravos. Que os escravos por excelência na Europa, durante um período de tempo considerável, eram os escravos eslavos. A escravatura só é racista quando foi praticada por brancos europeus que comercializavam africanos? Interessante que estas afirmações sejam feitas ou apoiadas por alguém que é racista ele próprio – recentemente o Smithsonian esteve envolvido numa polémica por considerar que o trabalho árduo e o pensamento racional são “cultura branca”. Como se os não brancos fossem incapazes de trabalhar arduamente pensarem racionalmente…
Sobre este tema, vi o Instituto Trezeno, do qual faço parte e representei nesta conferência, perguntar que direito teria Lonnie G. Bunch de moralizar o racismo tendo em conta o seu próprio racismo. Aparentemente foi uma conversa difícil, mas não necessária, visto que desconversou e não respondeu. Também considerou “difícil” e “desnecessária” a pergunta feita sobre se iria aos países da África meridional falar sobre o racismo das sociedades que discriminam os brancos (tal como acontece na África do Sul). Além de “difícil” e “desnecessária”, foi ainda considerada “desonesta”. A História é feita com questões. A melhor História é feita com as perguntas difíceis e necessárias efectivamente – e não apenas com aquelas que nos convêm, como parece ter sido o caso.
Além de me entristecer a desonestidade intelectual que pude assistir, entristece-me mais que os impostos dos portugueses sejam usados para financiar estas conferências que tenho a certeza que muitos não tiveram conhecimentos e que muitos não se revêm nas palavras ditas. E que a Culturgest possa abrir portas – com o dinheiro dos portugueses – a conferências que diminuem o nosso país e legado histórico, sendo, assim, tendenciosa e politizada. Entristece-me também que tenha sido admitido por uma das moderadoras, Paula Cardoso, que o Ministério da Cultura negoceia em privado a passagem do espólio histórico recolhido ao longo dos anos de volta aos seus países de origem. Das muitas questões que este facto levanta, creio que a mais relevante será o porquê de ser feito em privado. Será para uma “melhor negociação” ou será porque a maioria dos portugueses, independentemente da sua cor de pele, não se reveria nessa medida? Acredito, ao contrário do Smithsonian Institution, que todos somos capazes de trabalho árduo e pensamento racional – não será isto uma afronta contra os que, com o seu trabalho árduo, pagam impostos e cujo pensamento racional se iria opor a esta medida? Numa aula, José Varandas disse que a História tem um tempo e um espaço. Devolver o espólio, seja de um modo mais ou menos honesto, faz com que não respeitemos o tempo (os séculos em que os Descobrimentos e a expansão marítima se deram), nem o espaço (Lisboa e Portugal – englobando os territórios pelo mundo fora – como um dos pólos globalizantes e multiculturais desse período).
Por fim, na resposta à última questão que lhe foi feita, Bunch afirma que o seu objectivo é criar uma nova geração de activistas. Presumo que quis dizer que fossem activistas a favor de uma deturpação da História. Deste lado, diria que criou uma que fará precisamente o contrário: investigar e lutar pelo ensino de uma História fiel à realidade.
Cátia Borges
Fonte: Inconveniente
Sem comentários:
Enviar um comentário