domingo, 18 de abril de 2010

Revisão Constitucional - uma ocasião que não pode ser perdida

Os poucos republicanos convictos da imprescindibilidade do regime para a manutenção da democracia e o alcance do progresso, tentam colar aos que defendem o regresso ao regime que durante quase oito séculos presidiu aos destinos de Portugal evoluindo e adaptando-se aos tempos, o rótulo de passadistas, retrógrados, defensores de privilégios e outros epítetos semelhantes.

São quase sempre os mesmos que neste ano do centenário da República, falam dos primeiros anos do regime imposto revolucionariamente em 1910, como de um paradigma, mesmo de um paraíso perdido, onde a onda avassaladora da liberdade, da paz social, das novas conquistas civilizacionais, se impôs pela bondade das suas ideias e realizações. Tem sido esse o tom das conferências, palestras, publicações e exposições que, um pouco por todo o país, o Estado, as autarquias e algumas escolas e universidades têm realizado, no afã de agradar às clientelas nuns casos, aos poderes públicos noutros.

A comunicação social, geralmente ignorante da História – tanto a da Monarquia como a da República – subserviente perante o Estado republicano, independente por força da lei, mas enfeudada a interesses que não confessa, faz-se eco das louvaminhas comemorativas, sem sequer as questionar nem, na esmagadora maioria dos casos, procurar quem possa fazer o contra-ponto, numa prática da sua ética profissional. Verdade seja dita que também não se tem preocupado em demasia com o centenário do regime. O que tenta – e o programa televisivo Nobre Povo, da RTPN é um claro exemplo – é descortinar dissensões e divisões entre os que defendem a Monarquia, dando tempo de antena a figuras públicas da canção lisboeta, que curiosamente conotam com o passadismo dos monárquicos, que são divisionistas pelas piores razões e dos dislates políticos fizeram carreira, às costas de alguns políticos interesseiros e desconhecedores da realidade eleitoral, tentando menorizar as ideias em favor do pretenso escândalo que estaria subjacente.

Passados quase trinta e seis anos sobre a reposição da democracia, parece ignorar-se que a maioria esmagadora dos monárquicos está com a Democracia – embora muitos, como muitos dos ditos republicanos, possam querer aprofundá-la e melhorá-la – e que a sua ligação ao passado é apenas em defesa da verdade histórica que cem anos de regime tem querido adulterar, impondo a ideia de que a Monarquia derrubada em 1910 era um regime anti-democrático, de privilégios da nobreza, de repressão, de ignorância, de esbanjamento dos dinheiros públicos, de injustiça, de insensibilidade social. E querendo impor uma visão idílica da República, como instauradora da liberdade, da equidade, da justiça, da educação, dos direitos da mulher e das minorias, esquecendo ou minimizando a repressão política, religiosa e sindical, as prisões arbitrárias, a implantação das escolas dos centros republicanos como meio de formação ideológica das crianças, as revoluções constantes, o caos financeiro, a sucessão vertiginosa de governos, a autofagia da República, a diminuição dos direitos eleitorais em geral e para as mulheres em particular, os casos de repressão dos desvios aos costumes morais.

Os monárquicos – que não têm nem podem ter um programa para a governação do País, porque não são um partido, mas se revêem em diferentes soluções ideológicas e programáticas – querem, sim, um regime novo, uma Monarquia moderna, democrática e avançada política, social e culturalmente, como as que existem na Europa e são os regimes mais desenvolvidos do espaço europeu. E querem, naturalmente, que todos os portugueses possam conhecer esse regime e escolher entre ele e o regime decadente que fará cem anos de implantação revolucionária.

Com a próxima revisão constitucional – agora requerida com carácter de urgência por um líder partidário – está de novo lançado um repto aos monárquicos, todos aqueles que militam nos partidos e aos que, fora deles, têm capacidade de fazer pressão sobre os partidos e deputados e fazer ouvir a sua voz por qualquer meio. A alteração da alínea b) do artigo 288º, que estabelece os limites materiais da revisão – obrigando à “forma republicana de governo” – será mais uma vez uma batalha a travar. Porque o que todos os verdadeiros democratas desejam é que possa ser alterada para “forma democrática de governo” e que seja deixada ao povo soberano a possibilidade de decidir.

Esta batalha é para os monárquicos fundamental e para os republicanos verdadeiramente democratas a ocasião de o afirmarem claramente sem “ses” e “mas”. Para uns e para outros seria a forma de mostrarem a sua modernidade e apego à liberdade tão apregoada e tantas vezes silenciada.

João Mattos e Silva
(Presidente da Real Associação de Lisboa)

Fonte: Real Associação de Lisboa

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