Conhecido amigo de plutocratas de sempre - e de alguns que por isso mesmo passaram para o outro mundo sob o acolhedor sol da Tunísia -, o doutor Mário Soares tem-se excedido no verbo. Desta vez, quiçá acicatado pela conversa escutada numa corrida de táxi entre o Campo Grande e o Pap'Açorda, atreve-se mesmo a pronunciar palavras tabu para os ouvidos de todo e qualquer dirigente político nacional ou estrangeiro: "gatunos", disse ele.
"Querem maior crise do que o país a gritar vão-se embora e a chamar gatunos aos membros do Governo?"
Mário Soares aderiu ao princípio da democracia, desde que esta seja refém de um solitário grupo. O tempo passou e ano após ano, década após década, alegados dilúvios de subsídios, influências, negócios, viagens, almoçaradas e opíparos banquetes, eis o total olvidar daquilo que há uma geração se escutava nos táxis e nas ruas de Lisboa, quando o povoléu tricotava esmeradas malhas de naperons macaenses, afiançava a existência de bem sopesados quilates de lanças em África e outras espertezas saloias bem cá da casa. Há uma semana, o pérfido executivo resolveu fechar os cordões à bolsa, conservando nos cofres do Estado, "do povo", mais de duzentos milhões de Euros até agora copiosa e anualmente vomitados sobre fundações privadas que sobrevivem com dinheiro público. Houve quem não tivesse aprovado o dislate, pois os donos da pátria são credores do eterno reconhecimento.
Apesar de tudo, sobrou algo de positivo em toda esta conversa com hálito a tresandar a flûte de Shipwrecked 1907 Heidsieck e a arroto de tostinha com Beluga. Mário Soares acaba de prestar um inestimável serviço à Causa Real. Politicamente reabilitou João Franco, essa bête noire do republicanismo serôdio e boçal que teima em cavalgar às costas de um país prostrado. Um ano decorrido o escrutínio, o "pai da democracia" quer este governo arrastado aos pontapés até ao meio da rua, obliterando umas eleições, que contas de retrosaria bem feitas, afiançam a conversa do Álvaro Cunhal de 1975, decretando um sonoro "não interessam para nada". Apela às nulidades belenenses, como se contasse favas no prato do bolo rei. Alia-se ao esquema rotundamente plutocrático que Bruxelas vai fartamente semeando pela cada vez mais falida e fracassada União Europeia, esgravatando o despovoado aviário à procura de um Monti qualquer, essa supimpa e radical solução de loja, capaz de esmagar as rematadas loucuras eleitorais da ralé. É a plutocracia elevada à máxima potência e despótica discrição.
João Franco governou por decreto, mas com eleições marcadas para 5 de Abril de 1908. João Franco quis reabilitar o sistema liberal-constitucional, aproximando o eleitorado daqueles que tinham como função representá-lo. Não conseguiu. A imprensa dos tempos da "ditadura", bem livre de peias, agitou a turbamulta. A prepotência facciosa, dois cobardes crimes de encomenda PRP, a subversão bombista e uns tantos nababos que como hoje dizem ser necessário "um governo sem eleições", condenaram Portugal a tudo aquilo que cinco gerações têm sofrido.
A nossa desgraça? Nem através de um telescópio atómico conseguiremos descobrir no firmamento político português, alguém que remotamente se compare ao brilhante Presidente do Conselho de ministros de D. Carlos I.
Em suma, João Franco defendeu um projecto nacional e tinha a razão do seu lado. Mário Soares acaba de o reconhecer. Já não era sem tempo.
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