E sei bem quanto, apesar disso, estamos muito perto do ponto de partida, e de como o tema “mudança de regime de chefia do Estado” se mantém longe da agenda mediática. Acontece que ela se alimenta da voracidade das disputas pela “governança” do país, dos partidos, das grandes empresas, dos grupos profissionais ou de interesses, questões a que os monárquicos, nessa qualidade, deviam ser alheios. E depois há a “espuma dos dias” e a notícia espectáculo, critérios impiedosos para a sobrevivência desta indústria. Colocarmos a nossa Causa nesses palcos requer não só aproveitamento de oportunidades às quais devemos estar atentos, mas principalmente exige um trabalho profissional sustentado e respectivos meios financeiros.
Nas nossas mãos está no entanto a determinação na firme recusa em colarmos a Causa a facções, quer ideológicas, religiosas ou de costumes. Estou convencido que, para além dos danos que derivam dos costumeiros rótulos estereotipados que nos colam, os que nos fazem mais mossa são os que resultam da colagem de diferentes planos e motivações de intervenção. Sejam questões da chicana política, remoques históricos, convicções religiosas ou de costumes. Acontece que, neste caso, o resultado de menos com menos dá mesmo menos, e da amálgama desses planos sobra uma suicidária utopia e uma pretensa pureza ideológica que nos isolam e nos projectam para o exterior como excêntricos.
A Instituição Real moderna é, por natureza, abrangente, agregadora e não facciosa. As disputas entre esquerda e direita, religião ou ateísmo, socialismo ou liberalismo, têm que ser esgrimidas com todo o vigor, mas noutras arenas, de modo a não contaminarem a Causa e o nosso Príncipe. Perguntar-me-ão os mais desconfiados: para que serve então o Rei se este não intervém nem revoluciona as políticas e costumes ao seu legítimo e fundamentado gosto? Respondo que, no mínimo, serve para que numa parte pequena mas altamente simbólica da pirâmide do poder resida uma inspiradora e imaculada referência moral e de imparcialidade. Personificação duma improvável realização quase milenar chamada Portugal, a ligação transgeracional aos nossos avós comuns, que contra ventos e marés por tantos séculos o souberam dignificar.
Para lá de qualquer agenda fantasiosa, estou convicto que aquilo que urge é reunir tantos portugueses quanto possível na defesa e promoção da nossa Casa Real. Acontece que se dá o extraordinário facto de, após um século de desgraçada república, possuirmos uma incontestável Casa Real e com geração. Esse é um património a defender com todas as nossas energias, um significativo privilégio em relação às muitas irremediáveis repúblicas europeias. Facto que todos nós deveríamos fazer por saber merecer, não só com palavras mas com actos.
João Távora in Correio Real nº 8
Fonte: Real Associação de Lisboa
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