Há dois anos, preparando um dos capítulos da
minha dissertação, ao consultar a tratadística birmanesa sobre cosmologia e
filosofia do Estado e da política - sobretudo os textos de Maung Maung Tin,
académico de envergadura intelectual agigantada - deparei com surpreendentes
analogias entre o pensamento tradicional budista theravada e a teoria da
história europeia pré-revolucionária. Para os budistas, o progresso não existe
nem pode existir, dado haver uma ordem sócio-cósmica que se aplica à natureza e
ao homem - daí a existência de conhecimento - e, como tal. inalterável. Os
europeus têm, desde o século XVIII, exorbitado a importância das rupturas e das
perturbações, tomando-as como nucleares. Ora, as perturbações são, sempre,
conjunturais. No pensamento pré-moderno, as convulsões indicavam doença no
organismo, pelo que exigiam reformas, o que quer dizer cura, recuperação do
equilíbrio, retorno à normalidade.
Em Portugal, esse retorno (essa "revolução" /
revolutio, acto de re-volver) chamava pelo nome de Regeneração.
Foi em nome da Regeneração que os homens de 1640 sacudiram a monarquia dual, foi
em nome da Regeneração que os vintistas exigiram no preâmbulo à Constituição de
1822 o restabelecimento das leis fundamentais da monarquia, foi em nome da
Regeneração que Dom Miguel voltou de Viena para devolver aos portugueses a
Lusitana antiga liberdade.
Depois, caiu sobre Portugal o progressismo. Há
uma clara distinção entre ser-se progressivo e progressista. O progressivo
exprime continuidade, ajustamento ao tempo, recuperação da vitalidade perdida. O
progressismo, por seu turno, implica alienação, criação ex-nihilo (a
partir do nada), perigo, ruptura, engenharia, experimentalismo. Onde antes, na
monarquia, havia empirismo da Constituição histórica fundada em leis produzidas
pela necessidade, passou a haver essa coisa programática, normativa, limitadora,
imobilista e cronofóbica que dá pelo nome de Constituição (de 1822, de 1826, de
1838, de 1911, de 1933, de 1976).
Por alguma razão, o único país europeu que não
tombou no progressismo - o Reino Unido, que não tem outra Constituição que a
Constituição histórica - é o mais estável, adaptável e bem sucedido regime numa
Europa assolada por revoluções, pela cultura da "indignação" e pela rabugice
inconsequente. É tempo de, nós portugueses, voltarmos à tradição da revolução e
das leis históricas. É tempo de voltarmos à monarquia.
Miguel Castelo-Branco
Fonte: Combustões
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