Em 1908, para
demonstrar que a maioria esmagadora do país estava com a Carta e com o legítimo
governo do Rei, Lisboa saiu pacificamente à rua em defesa da normalidade e das
liberdades políticas ameaçadas pelos grupos terroristas
republicanos.
Desde que Portugal se começou a desconjuntar,
ou seja, em 1820, que a violência tem sido aplicada com uma regularidade quase
geracional, com o argumento de que as mudanças, a ocorrerem, só se podem
produzir mediante ruptura. Seria ocioso enumerarmos a sucessão de acontecimentos
que desde o século XIX ao presente exprimem essa constante adesão de minorias a
soluções expeditas. Para os adeptos da violência como instrumento da acção
política, o derramamento de sangue anula ipso facto a legitimidade de quem
governa e o império das leis, justificando o momento excepcional. Há, latente ou
expresso em alguns sectores da vida política portuguesa, um desprezo quase
epidérmico pela crença básica da cultura e do método democrático (como do
liberalismo) que se funda na aceitação da vontade da maioria como premissa para
o consenso/ contrato social. Hoje, calcando resultados eleitorais que datam de
há pouco mais de um ano, essa tentação putchista, esse desrespeito pela voz das
urnas e da representação saída das eleições de 2011 assume proporções quase
indecorosas. Há gente que só aceita a legalidade se tiver por si a maioria. Há
gente que se considera democrática, conquanto os outros se lhes submetam. Os
resultados de 2011 são trocados ao desbarato por sondagens, os deputados da
maioria desrespeitados por comentadores pagos e sem qualquer mandato, o governo
e os seus ministros permanentemente insultados por gente que nada é.
O governo parece não se ter dado conta que os
seus adversários já passaram da acção parlamentar para o escrutínio das ruas.
Seria interessante saber se as forças que apoiam a maioria estão dispostas a uma
prova de força nas ruas e, assim, neutralizar uma escalada que poderá vir a
justificar uma ruptura anti-democrática em nome da "vontade geral" de partidos e
grupos, que juntos, não ultrapassam 1/5 do eleitorado.
Miguel Castelo-Branco
Fonte: Combustões
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